CAPITAL
João dos Santos Filho*
Quando a Bolívia nacionalizou, a filial da Petrobrás em seu território, a multinacional brasileira do petróleo foi objeto, de uma onda natural e compreensível de nacionalismo. Parte da elite nacional exigia medidas drásticas, de retaliação por parte do governo brasileiro, para com o país vizinho, alguns membros da classe política chegaram a sugerir o envio de tropas militares à Bolívia, outros desclassificaram seu presidente, chamando-o de ditador fascista e comunista.
Tudo passou, Evo Morales brigou e cedeu, o Brasil amadureceu e renegociou, e a América Latina cresceu politicamente no campo econômico, cristalizando laços para uma luta coletiva, e sinalizando a formação de um bloco de poder latino, independente e voltado aos interesses de um nacionalismo de resultados.
Hoje, as velhas estruturas de poder, que nos saquearam por séculos, estão cientes que não podem continuar, com essa tosca prática de manejo de poder “colonialista”. Porque, existe um bloco de poder constituído na América do Sul, no campo da negociação coletiva, em que os interesses do continente latino começam a ensaiar um processo de auto-cooperação política, econômica e social intra e entre paises latinos.
O que significa afirmar, que o Capital, também divide o campo político, para poder acelerar e ampliar o processo de geral e transnacional de acumulação, garantindo certa autonomia para as negociações políticas locais. Com isso, a maioria dos latino-americanos tidos como “turistas” barrados nos aeroportos europeus, não devem considerar-se como objeto de perseguição por parte dos países europeus, mas, sim resultado dos interesses do Capital.
É evidente que a tradução desse processo explicita-se, por meio, de preconceitos diversos que são aflorados no interior da relação de hospitalidade, que se dá entre o “turista” latino e o europeu, como: etnocentrismo; racismo; concorrência no mercado de trabalho e o fetiche com referência a mulher e ao homem latino. Mas nada, é tão forte como o apelo ao erotismo e exotismo da mulher brasileira, que ainda toma conta de parte da mídia que mandamos para fora, bem como, publicações que de forma indireta timbram as brasileiras como concordes com o turismo sexual.
Uma das inúmeras publicações, que insinuam para tal estigma, pode ser visualizada e lido em um guia editado em inglês direcionado para turistas (homens) estrangeiros da editora Solcat[1]. Em que o tratamento dado a mulher brasileira é extremamente humilhante e fere os princípios básicos dos Direitos Humanos.
Essa publicação já foi objeto de estudos acadêmicos, no qual o autor faz o seguinte comentário:
É desta forma que fica autorizado o capítulo “How to deal with Brazilian Women” (p. 113, ver o Grupo de Imagens II), em que a exemplo do que Borba fizera nas páginas anteriores, Nogueira também define os “quatro tipos da mulher brasileira (além da garota normal)”. São elas: as Britney Spears, contrapartes femininas dos Preppy-types e talvez a tradução possível para o que chamaríamos de “Patricinhas”, que são “as filhinhas de papai, …lindas, mas que não deixam ninguém paquera-las”, sendo recomendado ao leitor nem se chegar perto delas; as Hippies ou Ravers que, sejam lá quem forem, são “fáceis de se chegar, boas de papo, difícil de beijar, fácil de beber e se divertir com elas” (grifo meu), praticamente dando como caminho das pedras e da cama embebedar tais garotas; a genérica categoria the 30 year old, de mulheres mais velhas que gostam de “se divertir, dançar, beber e beijar”, sendo recomendado que sejam tratadas “como damas, pois assim … tratarão [o turista] como um rei, talvez não esta noite, mas amanhã com certeza”; e, por fim, as Popozudas, que são “maquinas de sexo, … [que] malham, vestem calças apertadas, … pintam o cabelo de louro e fazem de tudo para ficarem lindas. Um bom investimento, já que o motel é sempre uma possibilidade com estas gatas”. A categorização das cariocas, que segundo o guia “acreditam de coração que são as Garotas de Ipanema” (p.112), é feita portanto a partir da possibilidade do playboy/leitor construído pela publicação ter sexo ou não com elas, aparentemente a única interação possível.[2]
Diante desses fatos, o governo é contraditório, investe em propagandas contra o turismo sexual, mas permite o uso da “Marca Brasil” em publicações de apelo sexual a mulher brasileira e especificamente carioca. Para não dizer, que o problema é gravíssimo, devemos entender que os fluxos de turistas estrangeiros que buscam a prática do turismo sexual no território brasileiro, são os compradores desse guia (Rio For Parties), pois o mesmo, é vendido no Brasil e no exterior.
Nesse sentido, não podemos abrir mão da reciprocidade, no tratamento ao turista estrangeiro, pois é uma questão de soberania em todos as circunstancias que a mesma possa significar. Ser barrado pela polícia no desembarque, quando chegamos a Europa pode ser expresso por referências de normas legais exigidas pelo país “hospitaleiro” , mas fazendo, uma análise profunda percebemos que a questão gira em torno dos interesses do Capital.
O Estado exige, e impõe as leis, como garantias para preservar a empregabilidade dos nacionais e diminuir os gastos do governo para com a assistência ao emigrante, como podemos perceber, mas seguintes normas gerais:
- O passaporte só pode vencer três meses após o termino da viagem, ou seja, não pode extrapolar os 90 dias que o estrangeiro tem o direito para conseguir visto de viagens a negócio ou de turismo;
- Apresentar reserva de hotel, passagem de ida e volta e seguro saúde com cobertura de 30 mil Euros;
- Para ter acesso livre a Espanha, deve-se levar 57,06 Euros para cada dia de permanência. Em Portugal, são 75 Euros.
A idéia, que sustenta o ato de coibir a mobilidade geográfica dos indivíduos fere os direitos mais elementares de liberdade humana, e atende aos interesses do Capital, que necessita preservar a empregabilidade, para sua mão de obra nacional e manter um equilíbrio suportável do exército industrial de reserva. Essa é a verdadeira razão, do porquê os Estados Nacionais estão afunilando a entrada de emigrantes, que podem vir, travestidos de turistas e estudantes.
Por isso, a manifestação do ato de barrar a entrada de brasileiros, nunca é explicitada pelos fatores acima expostos, mas sim, por meio de um velho etnocentrismo colonizador que se traduz pela humilhação ao brasileiro, por isso, devemos fazer uso do direito de reciprocidade e divulgar os atos de barbárie do qual somos objeto.
* Bacharel em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano de São Paulo (Unibero) e bacharel em Ciências Sociais pela PUC/SP. Mestre em Educação: História e Filosofia da Educação pela PUC/SP. Professor-convidado na Faculdad de Filosofia e Letras da Universidad Nacional de Heredia (UNA), em San José da Costa Rica. Professor concursado pela Universidade Estadual de Maringá. Autor do livro “Ontologia do turismo: estudo de suas causas primeiras” EDUSC, Universidade de Caxias do Sul. E-mail joaofilho@onda.com.br
[1]TÍTULO: RIO FOR PARTIES: VISUAL TRAVEL GUIDE TO RIO DE JANEIRO
ISBN: 8589992012
IDIOMA: Inglês.
ENCADERNAÇÃO: Brochura | Formato: 14 x 18 | 164 págs.
ANO DA OBRA/COPYRIGHT: 2006
OUTRAS INFORMAÇÕES: ACOMPANHA MAPA
ANO EDIÇÃO: 2006
Constitui-se, na única publicação desse tipo, que usa a “Marca Brasil” na capa do guia na parte de cima do lado direito. Não sabemos se com a permissão do governo, via Ministério do Turismo. Pois, consultas foram feitas por e-mail e telefone, e não recebemos nenhuma resposta, convincente sobre o uso nessa publicação da “Marca Brasil”.
[2]NAME, Leonardo. Rio for Partiers: Guia da Capital Carioca para Playboys. www.cpdoc.fgv.br/cursos/csociais/arq/LEONAME-rioforpartiers.pdf