Alexandra Rosa Silva*
publicado em 02/06/2008 como <www.partes.com.br/educacao/amoresolidariedade.asp
Pensar a educação, e em especial a formação de professores, é uma tarefa complexa e desafiante, se não poderíamos dizer que por ser complexa já se torna por si só desafiante. Mas pensemos: que mundo queremos? Que sociedade? Que homem? Para passarmos a compreender a educação que temos e a que queremos?
Sem dúvida, é um convite a uma reflexão sobre a espécie de mundo em que vivemos a ser feito por meio do exame dos fundamentos emocionais do nosso viver (MATURANA, 2004). Assim, vamos pensar a educação na perspectiva do amor e da solidariedade, percebendo os fundamentos emocionais que influenciam nossas ações, ao mudar nosso emocionar em relação ao nosso ser cultural.
Em tempos de guerra, o que mais ouvimos falar é de paz. Mas que sentido estamos dando a paz? Paz que não significa silenciar o outro, mas tornar o mundo mais tolerante as diferenças existenciais. Santos (2002) já nos lembra que “temos o direito a ser iguais sempre que diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”, mas “como realizar um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e as suas formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis?” (SANTOS, 2002, p.30).
Este é questionamento que o autor faz quando se refere ao grande desafio do diálogo multicultural, já que os valores universais foram impostos a razão de uma forma de pensar e de uma classe social. Como lembra Santos (2002, p.30): “Estamos tão habituados a conhecer o conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros que é difícil imaginar uma forma de conhecimento que funcione como princípio de solidariedade”.
Para o autor a solidariedade é uma forma de conhecimento que se obtém por via do reconhecimento do outro enquanto produtor de conhecimento, assim, todo o conhecimento–emancipação tem uma vocação multicultural, pois o conhecimento–emancipação não aspira a uma grande teoria, mas sim uma teoria da tradução que sirva de suporte epistemológico às práticas emancipatórias, todas elas finitas e incompletas e, por isso, apenas sustentáveis quando ligadas em rede.
A construção de um conhecimento multicultural, segundo Santos (2002), tem duas dificuldades, o silêncio e a diferença. O silêncio seria um bloqueio de uma potencialidade que não pode ser desenvolvida; a diferença só poderá ser compreendida por outra cultura por via da teoria da tradução e da hermenêutica diatópica designada pelo autor, pois acredita que só existe conhecimento e, portanto, solidariedade nas diferenças.
Como educadores temos o grande desafio de transformar nossa ação educativa em um espaço de solidariedade e amor[1], reconhecendo que todos somos singulares, desta forma, nos aproximamos do que Maturana (1998, p.30) sugere: “vivamos nosso educar de modo que a criança aprenda a aceitar-se e a respeitar-se, ao ser aceita e respeitada em seu ser aprenderá a aceitar e a respeitar os outros. O que nos torna humanos não é o racional, mas a emoção, enfim a nossa capacidade de reconhecer o outro como um outro legítimo, pois há o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção que constitui nosso viver, onde percebemos que todo o sistema racional tem um fundamento emocional (MATURANA, 2004).
Maturana (1998) coloca que não podemos refletir sobre a educação sem antes, refletir sobre algo fundamental no viver cotidiano que é o projeto de país no qual estão inseridas nossas reflexões sobre educação. Entendemos como o autor que toda nossa ação educativa está norteada pela visão de homem, sociedade, mundo que faz parte de nos mesmo, consciente ou inconscientemente, o que requer de nós, educadores, uma retomada dos fundamentos epistemológicos que orientam nossa prática, bem como uma avaliação permanente do nosso trabalho, por isso, sustentamos também que não há relação humana sem uma emoção que se estabeleça como tal e se torne possível como ato, ou seja, não é a razão o que nos leva à ação, mas a emoção.
Então a educação serviria para recuperar a harmonia que não destrói, que não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas que deseja conhecê-lo na aceitação e respeito para que o bem-estar humano se dê no bem-estar da natureza em que se vive.
Maturana (1998) refere-se a educação como um processo contínuo que dura toda a vida e por esse motivo, o central na convivência humana é o amor, as ações que constituem o outro como um legítimo outro na realização do ser social que tanto vive na aceitação e respeito por si mesmo quanto na aceitação e respeito pelo outro.
Podemos dizer que este pensamento se aproxima de Santos (2002) quando se refere a solidariedade como uma das virtualidades epistemológicas do principio da comunidade, considerando-a como o reconhecer a existência do outro, respeitá-lo e aceita-lo como o outro legítimo.
De acordo com estes pressupostos dos autores, a educação teria como função ajudar as pessoas a se respeitarem e a virem o outro como um outro legitimo, ajudar a conviver com o amor e a solidariedade para que ocorra o fenômeno social. O professor, a partir de então, se perceberia enquanto construtor de conhecimento e não apenas como aplicador/reprodutor, e seus saberes experienciados seriam valorizados e os alunos construtores de um mundo mais digno para todos.
Ao viabilizar este dialogo, chegaríamos próximo do que fala Santos (2002), quando afirma que o conhecimento é uma produção contextualizada, e depende das condições que o tornaram possíveis. Desta forma, devemos conhecer o contexto no qual estamos inseridos, nos questionando, como faz Maturana (1998) referindo-se ao Chile, “A educação atual serve ao Brasil e a sua juventude?” Precisamos conhecer e reconhecer o contexto atual da educação brasileira, compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, e não esquecer que respeitar o diferente não significa sermos obrigados a concordar com tudo o que o outro diz, mas estabelecer um dialogo o qual implica em ouvir o que o outro tem a nos dizer.
“Para isso devemos abandonar o discurso patriarcal da luta e da guerra, e nos entregarmos ao viver matrístico do conhecimento da natureza, do respeito e da colaboração na criação de um mundo que admita o erro e possa corrigi-lo. Uma educação que nos leve a atuar na conservação da natureza, a entendê-la para viver com ela e nela sem pretender domina-la, uma educação que nos permite viver na responsabilidade individual e social que afaste o abuso e traga consigo a colaboração na criação de um projeto nacional em que o abuso e a pobreza sejam erros que se possam e se queiram corrigir…” (MATURANA, 1998, p.35).
Nesse sentido, os espaços educativos constituem-se em fenômenos sociais que manifestam, com fundamento nas emoções, os pensamentos, os conceitos e os objetivos dos grupos sociais, num processo histórico e relacional, criando realidades que, nesta interação constante, recria os sujeitos dela participantes. Para Maturana (1998), este agir humano nas relações é cooperativo, pois a educação para a competição não se constitui em um exercício de caráter natural/biológico, em sua constituição, mas é algo construído culturalmente. Para ele: “a competição não é nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro (…) A competição é um fenômeno cultural e humano, e não constitutivo do biológico” (MATURANA, 1998, p. 13).
Acreditando na perspectiva do humano como integrado com seus pares, biodiversificados, a concepção educacional de Maturana (1998) busca resgatar a vida como centro de todos os processos sistêmicos. Do ser humano enquanto sistema que se constitui na cultura e na convivência. Pensa e desafia-nos a buscar uma educação que resgate a diversidade. O lugar da vida e da amorosidade nos relacionamentos e ações dos viventes. Um fio condutor que nos ajuda ir refletindo a educação, a prática educativa e a mudança na finalidade da educação, passando da busca mercadológica como objetivo educacional para a melhor qualidade do conviver humano.
A tarefa da educação seria então, desenvolver e consolidar novas práticas de convivência e solidariedade, capazes de enfrentar o desafio de recuperar a diferença como relação de alteridade: relação efetivamente construída, que tem na solidariedade o fundamento para a construção de uma postura educativa que não vê o outro, a outra cultura como deficiência ou como mera diferença, mas o reconhece como legítimo outro (SANTOS, 2002). O que implica pensar a sala de aula como espaço plural que congrega diferentes sujeitos e diferentes culturas, que traduzem diferentes formas de organizar o real e responder aos desafios da vida cotidiana.
Neste ensaio, tratamos algumas das questões levantadas pelos autores; sabemos que muito ainda pode ser feito, mas iniciamos neste momento uma reflexão sobre as contribuições epistemológicas para a educação. Acreditamos também na possibilidade de aproximar a biologia do amor apresenta por Maturana (1998) da solidariedade como um dos princípios da comunidade apresentada por Boaventura Santos (2002), entendendo que estas reflexões se fazem necessárias para que possamos “materializar”, vivenciar e experienciar na nossa prática educativa.
Referências
MATURANA, H. R. & ZÖLLER, G.V. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. SP: Palas Athena, 2004.
MATURANA, H. R. Uma abordagem da educação atual na perspectiva da biologia do conhecimento in: Emoções e linguagem na educação e na Política. 3ª reimpressão. Belo Horizonte: Ed. UFMG,1998.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. SP: Cortez, 2002.
* Licenciada em Educação Física (CEFD/UFSM), especialista em Ciência do Movimento Humano (CEFD/UFSM), mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (CE/UFSM). E-mail: alexandranaidon@yahoo.com.br
[1] Solidariedade e amor são entendidos aqui no sentido atribuído por Boaventura Santos (2002) e Maturana (2002) respectivamente.