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Pequena Resenha Crítica Romance “Vassallu, A Saga de Um Cavaleiro Medieval”

 

Silas Corrêa Leite

publicado em 02/04/2008

www.partes.com.br/cultura/pequenaresenha.asp

 

Não, as palavras não fazem amor
Fazem ausência
Se digo água, beberei?
Se digo pão, comerei?
***
Alejandra Pizzarnik

 


Silas Corrêa Leite – Itararé-SP, Brasil. Autor de Campo de Trigo Com Corvos, Contos, Editora Design
E-mail: poesilas@terra.com.br Site: www.itarare.com.b/silas.htm

A decadência do Império Romano…as violentas invasões bárbaras…Idade das Trevas? Nem tanto. Para alguns autores, desde Carlos Magno (Século VIII e IX) e mesmo em XII e XIII a época é de muito progresso, fundamentos da civilização moderna, doutrinas sociais e econômicas no terreno das idéias. Preserva a tradição cultural helênica e o direito romano. Conserva e transmite a tradição cultural latina. Glorifica-se o espírito guerreiro… Criam-se as universidades, redescobre-se Aristóteles, processa-se a revolução social. Todo esse preâmbulo assim, jogado no ventilador das idéias, porque o tempo precioso da história atrai, cativa, fazendo o curioso literato e pesquisador viçado surtar mesmo, por assim dizer.

Sorte nossa? A corrupção no império romano, a estagnação; as ruínas das classes aristocráticas, o feudo por si só não era muito provido no campo das saturações; guerra entre senhores feudais, energias libertárias perdidas de uns e outros se matando a torto e a direito, hordas e bandoleiros, a força bélica conspurcada e, sim, era preciso inventar alguma coisa para que fossem beligerar longe dali, de entre eles, por algum motivo ou razão que não destruíssem patrimônios, que tudo poderia literalmente sumir do mapa; que a igreja ficasse sempre ao centro, que as riquezas fossem de alguma maneira (que importasse o que fosse) aumentadas custasse o que custasse. Ah Deus, quantos milhões morrerem em Teu santo nome; quantos Te usaram para matar, pilhar, destruir, profanar crenças. E a arraia miúda sendo a bucha de canhão, os incautos, os néscios. A igreja cristã que, depois do cisma grego (a verdadeira igreja cristã hoje é a ortodoxa desta linha) virou um antro que depois se revelaria na igreja “caostólica” (Deus fechou os lhos para terra durante a idade média, diz o atual papa pseudo-pensador de origem germânico-fascista), e vai por ai o esconderijo da história, os subterrâneos amorais – do que realmente está por trás de tudo mesmo – e Drumond, o poeta de Itabira já nos alertava sob vezo de uma rica ótica pós-moderna:
a história é remorso. Santo Deus, então pecamos contra o Teu Santo Nome! Mas, Maomé foi o culpado, que Alá o proteja! Os vitoriosos escrevem a “história”.

Os derrocados amargam panurgismos. A nobreza, a igreja, a cavalaria e os servis. Os papas, pecadores, com ilusões dantescas. Autoridades-blefes. Pré-nascimento da burguesia assustando antros de escorpiões. A igreja decrépita perdia terreno, corria riscos, sangria desatada e não era de ceias santas, mas de interesses escusos. Era preciso unir os desgraçados de toda a sorte, fazer com que tivessem um ideal-qualquer-coisa em comum, não entre si com as decadências sazonais, de meio, destruindo terras, posses, matando-se entre si, papado na linha de tiro e caminho de reconhecimento pouco ético. Tinha que haver uma saída. Os primeiros cruzados, os problemas que tiveram, o santo sepulcro – o mote na mão dos infiéis – e, eureka (ou devo dizer aleluia Judas?) descobriu-se a pólvora: tava ali a saída, saltando aos olhos dos nobres, do clero. Iriam usar Jesus (Deus? – Santo Deus!) em nome (santo nome em vão) de uma guerra escusa, todos por todos, invenções de milagres, aparições, idolatrias-(disfarçadas de veneração), desespelhos, caça às bruxas, e lá se foi o povo gado marcado alienado (crendices, intempéries, superstições nodais) lutar orienta a fora, saquear, pilhar, bandeiras ao vento. Bem, por ora basta. Cessemos as purgações dialéticas e analíticas. Ai do sal da terra, ai de ti Jerusalém!.

Quando um escritor se propõe a escrever um livro, merece respeito o projeto, claro. Quando o escritor passa cinco anos macetando suas idéias-lustres no papel, êpa, aí tem coisa, pinta uma ideia-livro portentosa. Livrai-nos Senhor de todo mal. E viçam causos. E belas consequências num entendimento açodado de quem pega um livraço mesmo, um tijolão pesado de quase 500 páginas e lá entra na história nua e crua. Vassallu, em latim, o nome da obra brasileira, riquíssima. Por que não Vassalo mesmo? Bem, o subtítulo “A Saga De Um Cavaleiro Medieval poderia ser outra, melhorada para vender o peixe letral, a idéia-obra, o baita romance de cardumes. Sim, porque quando peguei o livro pensei: autor novo em romance sistematizado. Perdão, leitores. Entrei de mala e cuia e devorei como um canibal de brochuras. Nesses últimos tempos, de tão escassos trabalhos bons na área de romance/novela/(ficções), posso dizer que foi o melhor livro que li, da estirpe de O Físico, O Perfume, ou mesmo os cl!
ássicos do Itavo Calvino. O autor, médico Doutor Segio Mudado é muito bom e valeu a pena pelo gabarito que tem e pelo quilate da obra. Sabem de uma coisa?: eu me vi dentro de um filme sobre a Idade Média. Já pensou? Livro bom faz bem pra gente, pra mente, pra cultura, pra civilização principalmente contemporânea nesses tenebrosos tempos neoliberais de muito ouro e pouco pão (e pouca cultura literária até).

O livro, claro, aqui e ali tem seus pequenos errinhos naturais de revisão (pecado certamente perdoado pelo volume da obra extremamente feliz de concepção) de estupendo e grosso calibre literal, alguns muito bem observados pela mestra e Maria Ilsen de Curitiba, Pr (que mo emprestou o livro), teria que ter tido sim, um necessário e belo investimento financeiro na midiática divulgação ampla da obra, se eu fosse um diretor da Globo faria uma mini-série internacional e seria um sucesso de se vender no mundo inteiro, como Escrava Isaura. Será o impossível? Vassalo madurado. A montagem narrativa, a arquitetura cênica da narrativa, o depoente (bem sacado) historiando tudo, as cruzadas, os escândalos, as paisagens, o personagem principal Ybert de Troyes muito bem sacado, verossímil e bem quase visível (vivível) no encantário literário de qualidade e de profundidade histórica, amores e sofrimentos, mentiras, histórias dentro da história, lendas, invencionices bem calçudas e bem encaixadas, um ótimo escritor, bem inteligente e criativo, pode se dizer que escreveu o livro de sua vida. Tem mais? Sinceramente, um livro que eu gostaria de ter escrito. Adorei de já agendar para reler, para emprestar também para amigos que adoram uma ficção de excelente qualidade. Batalhas, cenários, traições, enfeites poéticos, imagens bem trabalhadas. Gente, um livro e tanto. Fui cativado. Embarquei na viagem dos Cruzados, como um cético, um crítico, um sandeu do terceiro milênio, mas acabei abduzido pela linha de montagem da obra enquanto construção técnico-literária, querendo ler mais, ir adiante, querendo saber o que ocorreria no devir, querendo chegar logo ao final, e, ponto pro autor Sergio Mudado. Ele conseguiu por excelência o seu objetivo. Saí da leitura com a alma lavada, com sabor de quero-mais, sabendo que, sim, li um clássico da literatura brasileira contemporânea mesmo em entalhes e nuances exóticos, de emboabas.

O narrador central, o linguarudo Ruivo, um senhor personagem, entre médico, astrólogo, filósofo – e o procurei fruir (desfrutar) em suas sandices e criames, comparando entre outros personagens de outros livros. Sem igual. A idade média dos românticos e também das bestas humanas – de lado a lado (quem é infiel pra quem?), ora o bárbaro sendo de um lado, ora sendo de outro, a santa madre igreja católica por trás berrando horrores nos descalabros (acho até que na verdade foi bem pior, o autor pegou leve, moderou a mágica mão/mente numa boa), as paródias sobre as cavalarias, o lado espiritual, o lado loucura braba, o homem atrás de alguma coisa que nem era a bendita santificação mesmo, mas a loucura da viagem resgatadora, muito além da fé o bem material, uma horda atrás de outra horda. O santo sepulcro? Um mero detalhe. E um final que, sim, bem ao estilo que gosto, a la William Shakespeare, arrebatador num sentido. Li-vi (vivi) a cena final. Encorpada. Digna de um final em cinemascope de Hollywood. Já pensou?,

O livro é tão bom, tão obra-prima, tão importante que, falando sério, Vassalo ficou pequeno para o título, Vassallu ainda piorou, e, o sub-titulo não ajudou em nada, Só lendo a obra de fio a pavio, evoluindo, é que você prendido pela lógica seqüencial dos arames narrativos, fica preso ao livro, gosta, se deleita, e vai babando como um ledor voraz até acabar e dizer que o autor merece respeito e admiração. O bem e o mal? Um mero detalhe quando interesses escusos, político-religiosos (do mal) estão por trás, nos sujos porões dos podres poderes, dos nefandos bastidores. Dizem que, quem muito bem estuda a história, vira ateu, comunista de carteirinha. Aleluia Karl Marx, esse Vassalo não terrifica assim a igreja como deveria (poderia), ficou mais pro lado de uma ótica do Ruivo que narra contentezas e prazeiranças do arco da velha, mas, conta muito bem, comendo pelas beiradas os fatos centrais, um olhar também estarrecido para a miséria, a impunidade, as sandices de tantos sandeus do lado peregrinador com endosso de fanático núcleo papal. Sergio Mudado não é fraco não. Carece ser muito bem reconhecido. Espero ler outros livros dele. Ele escreverá outro como esse, seu “número um”? Espero que a editora faça uma bela revisão da próxima edição. E invista muito cacau numa outra impressão, propagação, divulgação séria, competente. Sergio Mudado merece respeito dessa investidura. Vassalo, a saga de um cavaleiro medieval é tudo isso e muito mais. Quer saber? Compre o livro. Leia o livro. Gaste o livro de tanto bem o ler. Adore o livro. O que me foi emprestado eu não cedo e nem empresto pra ninguém. E vou ter dó de ter que devolver, se preciso for. Sou vassalo de livros de boa qualidade, tenho minha própria saga pra curtir, para apreender e contar.

 Conheço sangue, suor, lágrima, cobro humanismo de resultados… “O tempo é a mão de Deus”, diz o autor, e “o homem a sua peçonha”, conclui. O meu pai dizia que o melhor juiz é o tempo, que dá a cada um segundo o seu merecimento. O autor foi premiado e escreveu o livro de sua vida, ao nos dar um grande livro para as nossas precárias vidas errantes (e em erranças). O homem é o fracasso de Deus? Com “Ecce Homo” Sergio Mudado, podemos dizer que o homem é o sucesso de Deus. A história é remorso sim, mas tem seus letrados artistas excepcionais para descolorir (em preto e pranto), colorir quando soam a trombetas, colocar pingos em is, pingos em dáblios, revelar a face das memórias inventadas, capitulações de idéias incendiárias, registros letrais que dignificam a raça humana, a espécie humana. O anjo caído às vezes tem lampejos divinais (no letral também) e voa na imaginação que nos seduz, cativa, empolga. Sergio Mudado é dessa estirpe, mergulhou no passado e resgatou essa ópera bufa que foi a idade média trevosa, com um discurso enriquecido de nervuras, dando-nos proveito de sua determinação fora de série. Saberemos aprender as lições? A história é um enorme ponto de interrogação à beira do abismo, quando os piores abismos foram a própria Idade Média e depois o nazismo e sua guerra louca, tudo com o manto ocre da santa igreja fazendo tipo e fútil pompa, e ainda (blasfêmia!) em nome de Deus, de um deus, quê deus? Há um Deus. A história é uma pedra na consciência da civilização. Van Tieghem diz que a categoria social e a importância do escritor crescem em forma notória. Deve ser isso. Os privilégios dos caminhos da literatura contra os sandeus do absurdo que ainda impunemente viçam e mandam. Milton Hatoum diz que o escritor passa a vida inteira tentando dizer uma verdade profunda através de uma invenção literária. Sergio Mudaro acertou e brilha na sua obra. Aliás, o próprio dia de brilhar (ilha de edição?) vive dentro dele, espelha ele, está no romance dele, Vassalo. Carne e coragem. Idade Média destilada como sangria letral. Por fim, como muito bem observou a amiga Maria Ilsen na apresentação do livro no site da Livraria Cultura, só a consciência da finitude explicaria a busca da continuidade muito além da vida, além dos sentidos. Alguns se tornam vassalos desta busca. Outros, plantam árvores, criam filhos, deixam obras importantes como Vassallu, A Saga de um Cavaleiro Medieval.

BOX:
Livro: VASSALLU – A Saga de um Cavaleiro Medieval
Editora Altana Ltda, São Paulo, 2006, Primeira Edição
Rua Cel José Eusébio, 95, Casa 100-3 – CEP 013239-030, Consolação, São Paulo-SP – Fone-fax 11…3214-3516 E-mail: editoraaltana@uol.com.br
Site: www.altanalivros.com.br

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