Luiz Antonio Ribeiro
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publicado em 17/03/2008
Ontem após minha aula fiquei para assistir a montagem de “Macbeth” de Shakespeare com direção de Tatiana France. A diretora no programa da peça diz:
“Partindo de uma plasticidade construída sobre escombros e com materiais reciclados, a montagem revela o quanto essa estória ainda nos diz respeito; espelhando nossa sociedade contemporânea, fundada sobre esta tradição bélica, imperialista e preponderantemente masculina. Através dela é possível enxergar a violência que se perpetua ainda hoje nas diversas formas de civilização.
Shakespeare apresenta uma radiografia da alma fragmentada de seu herói, fazendo-nos ver a crueldade desmedida a que podem se estender gestos e atitudes motivadas pelo desejo de poder. Assim, sua vertiginosa tragédia possibilita um olhar agudo sobre as mais sombrias graduações da extensa palheta de ações humanas.”
Vamos por parte, creio que esse introdutório faz algumas generalizações, apesar de eficiente no argumento de “por que Macbeth hoje?”. O que vejo na obra não tem a ver com uma força imperialista ou masculina, muito menos numa fragmentação da alma. O homem Shakespeareano ainda é movido pela moira, ou “o destino”, que agora já é incerto, ou abalado pelo começo de uma percepção de uma noção de individualidade, de mundo interno do ser humano, fato que, no entanto ainda não se concretiza porque as ações todas são movidas por ações externas: “vingança, honra, ambição”.
Sobre o espetáculo podemos ressaltar algumas muitas qualidades: o espaço cênico e o cenário que muito bem trabalhados passam a ser a principal atenção, no melhor molde de Zé Celso em algumas obras, como em boca de ouro. Somente aquelas pedras no chão que, por atrapalharem a mobilidade dos atores, faz com que eles muitas vezes interpretem somente da cintura pra cima, ou seja, com um peso nas pernas, ou pelo menos prestando demasiada atenção nesse aspecto.
A adaptação do texto é coesa, sem demasiadas sínteses e com espaços para lampejos de meta=teatro e autoconsciência artística. A direção, apesar de querer mostrar que muito se sabe e muitas vezes misturar linguagens em excesso sujando a cena, na maioria das vezes acerta e leva a obra a momentos de êxtase, como na cena em que as bruxas ao fazer a bruxaria cantam um funk, ou quando nos “delírios” ou divagações de Macbeth tudo é bem marcado, abrindo as portas realmente pra um outro mundo, ou sub-mundo, numa superposição de mundos.
A iluminação é bela, com momentos mágicos juntos com a segura e não apenas decorativa trilha sonora. O grande problema, a meu ver, ainda são os atores, que parecem não conscientes ainda do verdadeiro lugar onde se colocar, parecem ingênuos, excessivamente aprendizes e desconcentrados. A impressão que se tem é que eles tem um grande trabalho de corpo, mas não conhecem muito bem o espaço, conhecem o “em si”, mas não interagem com o em volta, por isso, que as melhores em cena são as bruxas, que por estarem quase sempre penduradas, mostram segurança e habilidade. Jean Bodin está bem em Macbeth, assim como Francisco Taunay, Lucas Castelo Branco e Manoel Puoci que correspondem aos seus papéis com bastante eficiência.
De resto, pode-se dizer que é um espetáculo bonito, que deve ser visto, que faz jus a Shakespeare e ao teatro brasileiro na maior parte dos momentos, se é que isso é possível. De qualquer maneira, merece ser visto, pois traz pra gente muitas reflexões sobre um mundo que a gente muitas vezes não conhece, um mundo estranho que nos expõe e nos leva a situações que não queremos. Ou será que somos nós que nos levamos? O espetáculo fica em cartaz até semana que vem, no teatro da unirio. Assistam. Aprovei!