Assédio moral coletivo
Wagner Luiz da Silva[1]
Escrever sobre esse assunto (fruto de quatro anos de estudo) é ao mesmo tempo nostálgico e doloroso, pois se relaciona com as raízes de todos os males, o próprio ser Humano.
O romantismo, que tem sua origem no século XVIII, surgiu sob o domínio muito forte do Estado e da religião na vida do indivíduo, infelizmente nossa existência e infortúnios seriam pautados não mais pelo amor e sim pela confusão entre dor, amor e separação.
O ser humano, atualmente, se tornou um ser ambíguo e lacônico, onde a ideia de dor e o sofrimento (que são estados mentais) se misturam aos ideais de liberdade e felicidade coletivos, ou seja, embora amor, liberdade, sejam termos individuais, vem ganhando força um inconsciente coletivo de amor e liberdade próprios da Idade Média.
Tal pensamento tem influenciado cada vez mais o comportamento humano, somos medievais no trato com o relacionamento não sabemos trabalhar as emoções, nos tornamos o ser que mais odiamos, pois não queremos dividir a dor queremos escondê-la e sem perceber acabamos por reproduzir nos outros as agressões sofridas.
O final do Séc. XX e início do Século XXI podem ser caracterizados pelo aumento de separações, o aumento da violência física e mental, bem como a descaracterização da individualidade humana.
Os problemas cotidianos, as mudanças constantes de paradigma, a agitação da vida e as complexas relações de prazer, oriundas da evolução tecnológica forçaram o ser humano a ser eminentemente pragmático, onde a dor de toda e qualquer emoção deveria se enterrada no mar profundo do nosso inconsciente.
O fato de anestesiar a dor de uma má escolha feita sobre uma agressão (seja física ou verbal), não implica em esquecimento do sofrimento, o agredido jamais esquece a agressão sofrida.
Não é romântico forçar a outra pessoa fazer escolhas sobre ameaças, não é ser romântico falar em temas tristes e que envolvem dor, não é ser romântico abusar de crianças, não é ser romântico fazer sexo antes de se saber o que é sexo e suas consequências, não é romântico tocar as partes íntimas de uma criança de treze anos (mesmo superficialmente) no sentido de ter prazer com a manipulação, não é romântico passar a noite bebendo para ter coragem de fazer coisas que não conseguiria se fosse sóbrio, não é romântico ser eminentemente pragmático e sem paciência, pois quando cultivamos estes hábitos queremos em verdade esconder as nossas frustrações. Enfim, o que conseguimos é reproduzir (inconscientemente) no dia-dia, não o amor e sim as agressões sofridas (sejam agressões passadas e presentes).
Infelizmente nós não temos tudo que amamos e não amamos tudo que temos, pois como vítimas de uma agressão só escutamos o ódio de sermos manipulados e o fato de invejar o outro, em outros termos, a relação de uma pessoa assediada moralmente é com a violência. Tal pessoa é incapaz de dialogar, pois não possui uma “real” autoestima e sim uma autoestima “deturpada” pela agressão sofrida.
O Séc. XX e início do Séc. XXI têm como ícone o aumento da separação, seja a celebrada em templos, seja a feita informalmente. Fazendo uma análise mais aprofundada sobre como ocorreram essas uniões e porque elas se dissolveram, fica comprovado um quadro aterrador, o assédio moral que a mulher sofre em seu cotidiano é muito maior.
O assédio moral dentro dos relacionamentos é algo que causa sérios transtornos à personalidade e a mente do agredido.
Atualmente assédio moral ganha ares de inconsciente coletivo, nos tornamos irmãos da mesma doença, não questionamos mais, não conversamos sobre o que realmente interessa, as sessões no psicólogo não diferenciam das conversas no boteco, buscamos o prazer pelo prazer, buscamos amor na insegurança, a chantagem emocional se tornou lugar comum, a segurança financeira se transformou num fim e sinônimo de amor, confundimos idade com sabedoria, somos a imagem de agressões cotidianas, a individualidade está relacionada ao sucesso profissional e aos símbolos que ostentamos (carros do ano, casas na praia, beleza modelada pelo cirurgião plástico e academias) nada mais .
A vida não é trabalho, festas ou reuniões familiares, tais momentos são pequenos fragmentos de uma realidade que reflete mais a nossa ansiedade por felicidade.
Buscamos no ficar, no momento, um átimo de alegria para anestesiar a dor de ser uma pessoa agredida, não importa a pessoa que está a minha frente, não há interesse se a relação vai ser durável, temos justificativas para tudo, do momento da união até o momento da separação.
Relacionamento não é uma equação matemática, é fruto de muito dialogo (mesmo que seja por telefone), ninguém deve agredir a outra pessoa verbalmente, nenhuma pessoa deve cobrar da outra um relacionamento de “TV”.
Não existe um relacionamento baseado em ameaças verbais ou físicas, em desinteresse, em no “ficar na sua”, em concessões em demasia, toda e qualquer justificativa é em verdade um momento para se fugir de um relacionamento, falta de amor não existe, o que há de fato uma ausência de boa vontade.
Tem-se boa vontade com um estranho ou com alguém desconhecido mas próximo porque, nossa relação não é com o esforço e sim com o objetivo, somos vencidos pela circunstância do momento, mesmo sabendo que a realidade é totalmente diferente.
A relação entre homem e mulher não é baseado no amor e sim na perda, não é a distância que diminui um sentimento de uma pessoa pela outra e sim o assédio moral coletivo de que todos devem ser como gado ou que a dor da solidão, ante a felicidade alheia é ilusão.
Para melhor ilustrar o que é um relacionamento pense em uma corrida de cem metros onde os participantes são o atleta do século, rei Pelé, O recordista dos cem metros rasos mundial em 2005, Asafa Powell, o piloto campeão da fórmula 1, Michael Schumacher, e uma simples criança, sendo que o vencedor terá o direito a lutar com boxeador, Popó e depois se passar pega o Mike Tyson.
Nessa imaginária corrida ante as dificuldades, como todos são bem experimentados e vividos todos vão correr e vão deixar o mais ingênuo vencer a corrida, os espectadores assistem tudo com o maior espanto e admiração, a vitória da criança era esperada e sua derrota ante os pugilistas uma coisa certa, mas para a surpresa de muitos a criança vence os dois boxeadores e fica com um prêmio muito maior, o que causa uma certa frustração aos participantes e inspira alguns espectadores a fazer a mesma coisa.
Assim é um relacionamento, assim é amar, como uma criança, não devemos temer, pois o amor verdadeiro a tudo supera, inclusive a distância e o assédio moral coletivo que vem assombrando os relacionamentos.
Termino este artigo transcrevendo um poema de dois poetas e cantores brasileiros, Flávio Venturini e Renato Russo, “Mais uma Vez”.
“Mas é claro que o sol
Vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem
Tem gente que está
do mesmo lado que você
mas deveria estar do
lado de lá
Tem gente que machuca
os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a
gente
Veja nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a
gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança
Nunca deixe que lhe digam
que não vale a pena
acreditar num sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém”
Que a letra dessa música inspire as pessoas a lutarem contra a enorme vontade de ser igual aos outros, saiba que você é único e também a pessoa mais importante.
[1] Acadêmico de Direito da PUC-MINAS, Belo Horizonte, estuda o fenômeno sobre assédio moral desde 2001. e-mail wagnersilva@unafiscobh.com.br.