William Jorge Gerab
publicado em 06/03/2008 como <www.partes.com.br/emquestao/bibliotecas.asp>
Secretário da Cultura do Sr. Kassab, o Sr. Calil, não se cansa de tentar fazer a política de minimizar despesas, mesmo que em prejuízo dos já fracos canais para o acesso à cultura da população, passar como modernização e revitalização. O que seu artigo na Folha de São Paulo (abaixo) demonstra é que, a ninguém, está conseguindo enganar.
Na verdade, só está sendo coerente com a política do PSDB (de Serra) e a postura antipopular do Dem (de Kassab) de encarar o Estado, que deve buscar a melhoria da qualidade de vida da população, como uma empresa privada, cujo objetivo é maximizar os lucros. Os defensores dessa visão não medem as conseqüências nefastas, que as suas atitudes podem causar a parcelas ou, mesmo, a toda a população.
Mas, um “lobo em pele de cordeiro” sempre esquece de cobrir alguma parte, que o delata. Três aspectos desse seu artigo cumprem tal papel.
1º) O título da matéria é “Bibliotecas para quem?”. Estaria o Sr. Calil tentando favorecer algum setor social? Seria aos pobres? Teríamos uma nova versão de Robin Wood, de tirar dos ricos para dar aos pobres? Se, como num conto de fadas, isso estivesse acontecendo, mesmo assim, não seria melhor fazer a manutenção das bibliotecas generalistas, já existentes, que são referencias como ele mesmo diz, iniciando a criação de outras temáticas, móveis etc.?
2º) Sintomaticamente, só ano final da gestão Kassab, nos vem o Sr. Calil anunciar a renovação da frota dos ônibus bibliotecas, que ficaram sem manutenção adequada e sem reforços por mais de 13 anos. Será que o “favorecimento aos pobres” só pode acontecer com a proximidade das eleições?
3º) Novamente, o tempo atrapalha os argumentos do Sr. Calil. Faltando oito meses para o final do presente mandato municipal é que se resolve “Desativar uma biblioteca enquanto se constroem outras”. Não seria mais sincero, para quem quer reforçar o acesso da população à cultura, primeiro construir as novas bibliotecas e, só depois de confirmar que as novas substituem com folga as antigas, desativar essas últimas? Bom, mas pelo menos, agora (nesse parágrafo), o Secretário, admite que desativou bibliotecas.
Quem quer, de fato, melhorar o atendimento à população faz um esforço para ouvi-la antes de tomar medidas drásticas. Ao desconsiderar esse procedimento, o Secretário Calil do Prefeito Kassab deixou aparecer o rabo do lobo, que estava sob a pele de carneiro. O melhor mecanismo para atender a amplos setores da população é a democracia. Não a implementando, caiu no descrédito.
Coisas semelhantes acontecem na relação, que o Sr. Calil mantêm com o funcionalismo municipal. Acena com o concurso para Bibliotecários, mas age de forma autoritária, não conversa com os técnicos da área em que pretende mexer, mesmo sabendo que eles acompanham o cotidiano dessa área e podem contribuir. Chega a perseguir categorias profissionais, que eventualmente poderiam ser críticas à sua ação pública, manifestando antipatia pessoal por elas e não isenção administrativa ou visão estratégica para a cultura no município.
De fato, quem está promovendo a “apocalipse” na Secretaria Municipal da Cultura é o Sr. Calil, mas quem terá que tocar as “trombetas” é a população paulistana, visando defender-se dos ataques aos seus mais legítimos interesses.
Um abraço,
William.
06/03/2008.
FOLHA DE S. PAULO – 06/03/2008 QUINTA-FEIRA
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Bibliotecas para quem?
Desativar uma biblioteca enquanto se constroem outras não é o apocalipse; é prioridade recuperar o papel estratégico das bibliotecas
CARLOS AUGUSTO CALIL
RECENTES MEDIDAS da Secretaria Municipal de Cultura, amparadas em estudos e decisões técnicas do Sistema Municipal de Bibliotecas, causaram polêmica na imprensa. A notícia que circulou é que a prefeitura iria fechar quatro de suas bibliotecas, o que não corresponde exatamente à verdade.
A reação, desproporcional ao fato, foi alimentada por questões de natureza emocional e, certamente, simbólica. Quem seria favorável ao fechamento de bibliotecas? Na tábula rasa que se tenta produzir como consequência, apareceu maliciosamente a insinuação de que a prefeitura não possui uma política para as suas bibliotecas. Nada mais injusto. Um dos principais objetivos desta gestão na área cultural é justamente revigorar e ampliar a rede de bibliotecas municipais, uma das maiores do mundo.
Constituída a partir do decênio de 1940, sua expansão se consolidou nos anos 1960, a partir do conceito de descentralização, defendido por Mário de Andrade, o primeiro secretário de Cultura de São Paulo. Nos bairros, a vocação iluminista das bibliotecas era apoiada na complementaridade com a função educativa. Escola pública e biblioteca eram sinônimos de excelência na oferta de serviços pelos governos. A decadência da escola levou ao abandono da biblioteca de seu público privilegiado, o estudante.
Bibliotecas de referência, como a Mário de Andrade e a Monteiro Lobato, com a debandada da população do centro, viram-se subitamente esvaziadas de seu papel de irradiadoras da alta cultura e de pólos aglutinadores da vida inteligente da cidade.
A rede de bibliotecas públicas se deteriorou. No início de 2005, as bibliotecas eram administradas pelas subprefeituras, poucas delas em condições de mantê-las. De telhados avariados a livros mutilados, equipamentos obsoletos e catalogação suspensa, o quadro era desesperador.
Sem espaço para receber novos exemplares, com problemas de infiltração, coleções de periódicos abandonadas etc., há tempos a biblioteca Mário de Andrade, segunda mais importante do país, aguardava ação de revitalização, que veio com o projeto de reforma e expansão ora em curso, com investimento de R$ 25 milhões.
O descrédito na atuação do poder público era tal que se tornou indispensável elaborar um amplo leque de medidas que visasse a reverter tal situação. Essa política de revitalização incluía necessariamente a criação do Sistema Municipal de Bibliotecas, com o objetivo de dotar a prefeitura de instrumento de racionalização e modernização da rede.
A recuperação do papel estratégico das bibliotecas na cultura da cidade tornou-se prioridade. Antes de tudo, a coleção precisava ser radicalmente renovada, e, por este motivo, investimos R$ 3,6 milhões na compra de 150 mil exemplares de livros e na assinatura de 97 títulos de periódicos.
Reformas em 23 bibliotecas restituíram as condições mínimas de conforto dessas edificações e receberam investimento de cerca de R$ 2,5 milhões. Em 2008, 15 novas obras deverão ser iniciadas, atendendo à necessidade de metade da rede. Novas bibliotecas serão construídas em Cidade Tiradentes e Itaquera, com início das obras previsto para este ano, e a rede dos CEUs se expande rapidamente na periferia.
O projeto Bibliotecas Temáticas indicou que investir em acervos especializados nas unidades é um caminho promissor. Já estão em operação quatro unidades temáticas em poesia, cultura popular, música popular brasileira e contos de fadas, e mais seis serão implantadas ainda neste ano.
Outras medidas vêm sendo adotadas: renovação da frota dos ônibus-biblioteca, que operava com os mesmos veículos desde 1991; implantação de pontos de leitura (minibibliotecas em regiões carentes); ampliação dos bosques de leitura nos parques municipais; instalação de telecentros nas bibliotecas em condições de acessibilidade, que já abrangem um terço da rede; e, claro, a retomada da catalogação do acervo. Nada disso será consolidado se não pudermos contratar novos bibliotecários: um concurso para preencher 180 vagas já está aberto, com prova prevista para 27 de abril.
Esse esforço ainda não é suficiente, mas sinaliza a via de superação do atraso acumulado. Essas ações são possíveis graças à duplicação do orçamento da Secretaria Municipal de Cultura ocorrida na gestão Serra/ Kassab, de R$ 150 milhões em 2005 para R$ 300 milhões em 2008.
Na racionalização dos recursos, é preciso agir com coragem para romper o imobilismo instaurado há anos.
Desativar uma biblioteca enquanto se constroem outras não é o apocalipse anunciado com trombetas. Mas a mobilização da comunidade em torno das medidas de revitalização pode significar o fim da indiferença pelo destino de nossas bibliotecas. E então todo esse barulho terá valido a pena.
CARLOS AUGUSTO CALIL, 56, é secretário de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Documentarista e escritor, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Foi diretor do Centro Cultural São Paulo (20001-2005).
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