Maria de Fátima Gomes Medeiros
publicado em 05/02/2008 como www.partes.com.br/educacao/caminhos.asp
O intuito deste artigo é um convite aos educadores e educadoras para refletirem conosco, a situação do ensino brasileiro no tocante às práticas educativas de Leitura e Escrita desenvolvidas em nossas escolas do Ensino Fundamental nos anos iniciais.
Pois, ainda é sensível uma ação pedagógica voltada para uma abordagem tradicionalista, mesmo após as últimas discussões das políticas públicas sobre as reformas educacionais que vem se discutindo o papel da educação escolar, as concepções de alfabetização, as práticas pedagógicas e a formação do professor, como essencial à melhoria do processo ensino-aprendizagem dos alunos na escola.
No sentido de se ter hoje uma política voltada para a promoção a ampliação do ensino fundamental, com a inclusão de crianças de seis anos, suponhamos que não justifica o fato, pelo qual as crianças ainda não tenham conseguido chegarem ao 3º ano alfabetizadas.
Porém, vários programas foram implantados (PROFA, PRÓ-Infantil, PRÓ Letramento e tantos outros) pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC, destinados aos nossos educadores, objetivando melhorar o índice de alfabetização no país. Todavia, os retornos desses cursos não estão chegando aos nossos alunos, quer dizer, as dificuldades das crianças com relação ao aprendizado da língua oral e escrita é muito presente em nossas escolas. É um caso a se pensar.
Seria muita ousadia está acusando os profissionais em educação, pais e outros segmentos da sociedade, por não obtermos sucesso no processo alfabetizador na escola. Para o professor – USP-SP, Gabriel Chalita, em entrevista a revista Páginas Abertas, afirma:
97% das crianças em idade escolar estão efetivamente na escola. Mas muitas abandonam os estudos ao longo da vida, por uma série de razões de natureza familiar, como desemprego ou subemprego dos pais; doenças na família; necessidade de trabalhar para contribuir com a renda familiar; preconceito e desmotivação. (CHALITA, 2006, p. 9).
É evidente a preocupação com o aprendizado escolar, pois o maior problema hoje no país é o ato de ler e escrever. As crianças não conseguem serem alfabetizadas, talvez, por estas problemáticas que apontam o professor Chalita, ou por outras razões. A situação é séria e vem se efetuando a cada dia; e, o nosso estado é o campeão. Por isso, chamamos para uma reflexão a respeito da situação.
A nossa pretensão é refletirmos sobre esta situação que nos inquieta e tentarmos compreender a prática pedagógica nas suas multifacetas no ensino, pois, se o nosso interesse é contribuirmos para a melhoria da ação docente, precisamos investigar e entender os motivos pelos quais vêm desenvolvendo o processo ensino e aprendizagem do ato de ler e escrever, que não possibilita as crianças o acesso à leitura e a escrita.
Todavia, entendemos que necessário se faz trilharmos por caminhos que busquem a superação das dificuldades de nossos alunos, considerando-os e respeitando-os como sujeitos sócio-históricos, transformadores do seu meio e produtores de linguagens em interação com os outros.
No âmbito das discussões, atualmente, é inegável o valor que assumem as interações sociais na formação cognitiva, social e afetiva dos educandos. Oliveira (1998, p. 17), comentando acerca das principais ideias de Vygotsky (1989), coloca que “a interação com o outro é base para o processo de internalização dos conteúdos e procedimentos psicológicos fundamentais para aquela cultura”.
Por essa afirmação, compreendemos a importância da criança se relacionar de forma significativa umas com as outras, pois é através da vivência de situações de significação que a criança entenderá os significados de seu mundo cultural num plano externo, podendo mais tarde internalizá-los, passando a pertencer ao seu mundo interior.
Assim, podemos considerar que é no relacionar-se que surge a possibilidade de negociações de significados, de posições, enfim, de um constituir-se socialmente com o outro.
Essa ideia deixa bem claro que o indivíduo não percorre a sua trajetória de desenvolvimento sozinho, e sim, necessita de fornecimentos de modelos, de possibilidades de trocas sociais, de explicações, aspectos esses, somente viabilizados através de uma vivência rica de significados partilhados socialmente que trazem para a escola e que muitas vezes são despercebidas sem notarem que são seres com capacidades de uso da linguagem oral e escrita.
Como também, sem proporcionar momentos de reflexão sobre essa linguagem em situações de aprendizagens significativas, estabelecendo relações entre o conhecido e o desconhecido (conteúdo escolar) estruturado de maneira a tornar possível à compreensão do ato de ler e escrever, cabendo assim, ao professor organizar atividades que favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita e a leitura, porque é pensando e refletindo que ela aprende através do erro construtivo.
Nessa perspectiva, podemos pontuar que a escrita, enquanto objeto de conhecimento de natureza alfabética, de múltiplos usos sociais e mantedores de algumas especificidades em relação à fala, não se assimilada de forma repentina, nem tampouco desvinculada da realidade histórica e social dos aprendizes.
As vivências que os alunos têm com materiais escritos mesmo anterior e/ou exterior à escola assumem uma importância primordial na aprendizagem da escrita e da leitura. O contato com esses materiais vai suscitar ideias, hipóteses, enfim, elaborações conceituais cada vez mais próximas da compreensão da essência de sua natureza – a leitura e a escrita.
Se pretendermos atingir o desenvolvimento da escrita num trabalho educativo, é importante que o aluno sinta e compreenda a função social dessa habilidade linguista e o porquê de sua de existência. Para tanto é necessário motivá-lo a escrever, mostrando a relevância do que ele tem a dizer, a necessidade de expressão de cada indivíduo; enfim, deixar claro que quando se produz um texto com a finalidade de comunicar algo que se deseja, escrever deixa de ser um tormento e passa a ser uma atividade agradável e prazerosa.
De acordo com Santos (1991), a finalidade da escrita na escola não se limita apenas ao conhecimento dos mecanismos linguísticos e variedades literárias, mas também e, principalmente, para satisfazer necessidades de expressão e de comunicação.
A criança precisa saber e estar consciente de que não se expressa na forma oral ou escrita apenas para obter uma nota, para cumprir uma tarefa solicitada pelo professor. Mas pelo fato de ser um ser social necessita interagir com outras pessoas, e uma das formas de usar a comunicação é a escrita, sabendo que vive numa sociedade letrada. Quando ela perceber que o ato de escrever lhe será útil na vida prática, consequentemente passará a interessar-se em aprender e aperfeiçoar a escrita.
Considerando que a criança necessita de oportunidades para adquirir novos conceitos e palavras, na dinâmica das interações verbais, mediadas pelo professor, o processo de alfabetização deve considerar o aluno como sujeito que interage com os outros, “onde o sujeito é social e a linguagem é um trabalho histórico e social” Vygotsky (1989). Não há um indivíduo pronto, mas um homem se completando, se constituindo nas suas falas. Daí a importância de se refletir sobre a apropriação da leitura e da escrita pelas crianças no mesmo contexto social, numa perspectiva da linguagem como processo de interação.
É nessa dinâmica de intercâmbio humano e meio social que a criança torna-se ser ativo, construtor e produtor do seu saber. Ao aprender uma língua não o bastante para aprender as palavras, mas entender, “interpretar e representar os significados culturais de acordo com o meio sociocultural, e com eles, promover experiências significativas de aprendizagem da língua”. (RCNEI, 1998, p.127).
Investigar o conhecimento que os alunos já têm antes de ir para a escola tem que ser ponto de partida para o planejamento da prática escolar, realizando em sala de aula atividades que contribuam para o desenvolvimento das habilidades de falar e ouvir. É relevante considerar as suas vivências no ato de planejar, para que se possa desenvolver um trabalho coerente com a sua realidade.
As diferenças de contexto socioeconômico e familiar fazem com que as crianças tenham maiores ou menores oportunidades de participar de atividades sociais mediadas pela escrita. No Brasil, as disparidades sociais acirram ainda mais essas diferenças; casas que consomem tecnologia da era da Internet são vizinhas daquelas em que é difícil encontrar lápis e papel.
Esse perfil da realidade endossa a necessidade e a importância do aprender a ler e a escrever como garantia para uma participação mais significativa dos alunos na vida social. Além disso, não se pode esquecer que a aprendizagem se realiza através do confronto entre o que se sabe (conhecimento prévio) e a nova experiência que se vive (elemento novo – conteúdo escolar).
Desse modo, é interessante ressaltar que o processo de construção da leitura e escrita aconteça nesse “ato de conhecer”, no processo de interação que o sujeito efetua com o objeto e vai tentando captar do objeto a sua lógica, a possibilidade de expressá-lo conceitualmente, assim se dá o processo de produção do conhecimento de forma prazerosa em que a leitura e a escrita devem fazer parte da vida da criança e para isso é preciso que ela entenda seus diferentes usos e funções.
A leitura e a escrita devem ser vivenciadas como meios de comunicação necessários à interação social, dando-se ênfase aos seus diferentes usos e funções através de temas que façam parte do universo da criança. Em função disso, tanto é importante explorar o lúdico e a tradição cultural infantil, selecionando-se diferentes tipos de textos, como parlendas, trava-línguas, poesias, histórias, cantigas de roda, quanto textos de jornais, de bilhetes, cartas, placas, avisos, receitas, propagandas, entre outros.
Ao colocá-la em contato com os diversos usos da escrita, estaremos possibilitando que a criança compreenda para que se escreva e para que se leia. A contextualização dos trabalhos é um pré-requisito fundamental no sentido de que a leitura e a escrita tenham verdadeiramente um significado e um sentido. Um significado que ultrapasse o caráter do meramente escolar. É isso que a escola deve fazer, e não ficar presa a textos escritos de forma mecânica e artificial através de livros e cartilhas em que se cultivam os textos criados para ensinar as correspondências grafo-fônicas existentes na nossa escrita alfabética.
Dessa forma, podemos considerar que ao se iniciar o processo formal e escolar da aprendizagem da escrita, essas crianças não partam do zero (como a perspectiva empirista nos fazia acreditar). Ao contrário, já são possuidoras de um determinado nível de conhecimento acerca do que seja a escrita, considerando esse conhecimento como ponto de partida para novas reformulações, atualizações e expansão de suas concepções sobre a mesma, o que não dispensa a necessidade de uma ação sistemática e competente por parte da escola e do professor em levá-la a compreender seus aspectos mais complexos e arbitrários.
Às crianças se devem oportunizar ambientes que dêem prioridade ao uso da língua escrita. A prática de leitura deve ser fonte de prazer para a criança. Num ambiente alfabetizador, a criança deve ser estimulada a realizar leituras de histórias, de poesias, parlendas, notícias de jornal e outros. O contato com uma diversidade de textos, ainda que não consiga decodificar o material escrito, mas possibilitam o avanço no conhecimento das suas estruturas, usos funcionais e aspectos gráficos, elementos essenciais para o desenvolvimento da leitura compreensiva. Possibilitam também o acesso a novos conteúdos, aos aspectos sonoros da linguagem, além das questões culturais e afetivas também ali presentes.
Por outro lado, é importante considerar o papel do professor na criação desse ambiente alfabetizador. Para que os alunos percebam as diferenças entre a língua falada e a língua escrita, é importante à participação do professor fazendo a mediação entre o processo da leitura e da escrita.
Antes mesmo das crianças estarem aptas a desenvolverem os processos de maneira autônoma, o professor deve realizar leituras e escritas de textos diversificados para as mesmas, como por exemplo: lendo histórias ou assumindo o papel de escriba ao escrever as histórias que a criança dita. Permitindo-lhes serem sujeitos participativos na busca da compreensão e composição de texto, o professor estará assim favorecendo a formação de verdadeiros leitores e escritores.
Numa revisão da literatura acerca dos processos cognitivos básicos envolvidos no processo de alfabetização, encontram-se referências bastante elucidativas acerca dos efeitos significativos da leitura e escuta de histórias para o aprendizado da escrita. Kato e Moreira (1997, p. 36), por exemplo, mencionam estudos realizados na década de 70 que apontam nessa direção. Segundo os referidos autores, esses estudos registram “relações positivas entre a experiência de ouvir histórias lidas e desenvolvimento de vocabulário, desenvolvimento linguístico, motivação para a leitura, sucesso na aprendizagem escolar da leitura”.
Kato e Moreira (1997, p. 40-41), citando Britton (1982), também coloca que a leitura de histórias pela criança ou o fato de alguém ler para ela, se apresenta como “uma das mais efetivas vias de internalização da linguagem escrita nas séries iniciais”. Para os referidos autores, quando a criança escuta ou produz histórias, a mesma vai construindo o seu conhecimento acerca da linguagem escrita, “o que não se limita ao conhecimento das marcas gráficas a produzir ou interpretar, mas envolve gênero, estrutura textual, funções, formas e recursos lingüísticos”.
Não se trata de simplesmente ensinar-lhes um conto ou um novo vocabulário, mas sim de proporcionar o contato com um determinado gênero de texto, que as ajudem a perceber suas nuances, funções, formas e aspectos estruturais, assim como favorecer o despertar de sua imaginação e capacidade criadora. É importante instigar o surgimento de perguntas e comentários por parte das crianças para que a história não se transforme num ritual didático alheio aos seus interesses.
É preciso seduzir a criança a contar e recontar suas histórias, deixando aflorar a sua linguagem, criatividade e conhecimentos já construídos, pois, como afirma Garcia (1999, p. 40) “Seduzir as crianças para a apropriação da palavra escrita significa contribuir para torná-las donas de sua linguagem, capazes de nela se afirmar, livres para dizer o seu mundo, sagazes para ler criticamente a realidade”.
Portanto, quando se sabe que a questão central diz respeito à implantação de uma prática pedagógica que se volte para os processos de construção e descoberta da língua escrita por parte da criança, torna-se imperativo oportunizar às crianças o máximo de contato com diferentes tipos de histórias (orais ou escritas), procurando sintonizá-los com os conhecimentos que as mesmas já possuem acerca destes referidos textos.
O contato com o mundo letrado faz com que as crianças percebam as situações de uso e as funções dos textos, além de suas características linguísticas e visuais. Por outro lado, a participação em práticas de leitura e escrita, no cotidiano, possibilita e amplia os conhecimentos da criança sobre a língua, favorecendo a produção de textos livres em que o aluno possa expressar seus sentimentos, alegrias, suas angústias e seus sonhos.
Dessa maneira, para não se esgotar a discussão e a reflexão sobre a problemática aqui exposta, necessário se fazem levarmos o debate sobre o ato de ler e escrever, de modo que não fique no discurso, mas, sim, na ação, em busca da superação deste processo para termos leitores e escritores conscientes e críticos da sociedade a qual estamos inseridos.
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