Por Leila Mendes
publicado em 18/09/2007
Linguiça e voo. É assim que essas palavras podem passar a ser escritas, a partir de janeiro do próximo ano, com a implantação da nova reforma ortográfica que propõe a eliminação do trema (que já estava no corredor da morte há algum tempo), além de outras alterações na Língua Portuguesa. O acordo, formatado em 1991, inicialmente contava apenas com a ratificação de Brasil e Cabo Verde e necessitava da ratificação de três países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Em dezembro de 2006, São Tomé e Príncipe deu a sua assinatura ao tratado. O “x” da questão é que Portugal, nação “mãe” da língua, não ratificou o acordo e, segundo o conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Brasília, Adriano Jordão, Portugal ainda não “cedeu por questões jurídicas” e contesta que o acordo possa entrar em vigor com apenas a assinatura de três países em oito.
O presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras), Marcos Vinicius Vilaça, pediu ao governo português que promova ações concretas, e com brevidade, no sentido de ratificar definitivamente o acordo. Além disso, lamenta que os portugueses mantenham a atual resistência depois de dezesseis anos de formatação do acordo. Segundo ele, a recusa contribui para um possível isolamento de Portugal. Vilaça também lembrou que o português de Moçambique já vem se aproximando crescentemente do inglês, por força de interesses de ordem econômica, e ressalta que os países de língua espanhola utilizam apenas um dicionário, resultado do trabalho da Real Academia da Espanha e de outras dezessete academias de países hispânicos.
Segundo Evanildo Bechara, que ocupa a cadeira 33 da ABL (Academia Brasileira de Letras) desde 2000, a unificação da escrita é boa para o português, pois livros poderiam ser editados igualmente em todos os países de língua portuguesa e, além disso, o português precisa se impor como terceira língua mais falada no ocidente. Por outro lado, tanto Vilaça, quanto Bechara concordam que a mudança traria gastos enormes ao país e a todo mundo que compra livros. Seria ruim para quem compra e, obviamente, bom para quem vende.
Segundo a CPLP, apenas 0,5% das regras da Língua Portuguesa no Brasil seriam alteradas. No caso de Portugal, a modificação seria 1,5%. Em minha opinião, como professora da Língua Portuguesa, essa reforma deveria ser melhor discutida; afinal as mudanças são poucas e insuficientes para unificar a língua. Se implantada, em pouco tempo seria necessário fazer uma nova reforma, o que acarretaria um enorme prejuízo em função do desperdício de livros editados, visto que os exemplares mais vendidos são os escolares. Portanto, os que já foram publicados seriam inutilizados.
O que muda com a reforma
HÍFEN – Não se usará mais:
1. quando o segundo elemento começar com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em “antirreligioso”, “antissemita”, “contrarregra”, “infrassom”. Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminarem em r -ou seja, “hiper-“, “inter-” e “super-“- como em “hiper-requintado”, “inter-resistente” e “super-revista”
2. quando o prefixo terminar em vogal e o segundo elemento começar com uma vogal diferente. Exemplos: “extraescolar”, “aeroespacial”, “autoestrada”
TREMA – Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados
ACENTO DIFERENCIAL – Não se usará mais para diferenciar:
1. “pára” (flexão do verbo parar) de “para” (preposição)
2. “péla” (flexão do verbo pelar) de “pela” (combinação da preposição com o artigo)
3. “pólo” (substantivo) de “polo” (combinação antiga e popular de “por” e “lo”)
4. “pélo” (flexão do verbo pelar), “pêlo” (substantivo) e “pelo” (combinação da preposição com o artigo)
5. “pêra” (substantivo – fruta), “péra” (substantivo arcaico – pedra) e “pera” (preposição arcaica)
ALFABETO – Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras “k”, “w” e “y”
ACENTO CIRCUNFLEXO – Não se usará mais:
1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos “crer”, “dar”, “ler”, “ver” e seus derivados. A grafia correta será “creem”, “deem”, “leem” e “veem” ·2. em palavras terminadas em hiato “oo”, como “enjôo” ou “vôo” -que se tornam “enjoo” e “voo”
ACENTO AGUDO – Não se usará mais:
1. nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas, como “assembléia”, “idéia”, “heróica” e “jibóia”
2. nas palavras paroxítonas, com “i” e “u” tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: “feiúra” e “baiúca” passam a ser grafadas “feiura” e “baiuca” ·3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com “u” tônico precedido de “g” ou “q” e seguido de “e” ou “i”. Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem
GRAFIA – No português lusitano:
1. desaparecerão o “c” e o “p” de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como “acção”, “acto”, “adopção”, “óptimo” -que se tornam “ação”, “ato”, “adoção” e “ótimo” ·2. será eliminado o “h” de palavras como “herva” e “húmido”, que serão grafadas como no Brasil – “erva” e “úmido” .
Leila Mendes é professora de Português e Literatura do Ensino Médio do Colégio Paulista (COPI) e pós-graduada em Português pela PUC/SP