Por Glenda Demes da Cruz
publicado em 23/05/2007 como www.partes.com.br/educacao/producaotextual.asp
O ato de escrever torna-se bastante difícil para os alunos de língua estrangeira quando não orientados adequadamente pelo material didático escolhido e, principalmente, pelo professor. O material didático, por ser elaborado com a finalidade de atender a um público bastante complexo, muitas vezes não atende às necessidades específicas de nossos alunos. Nós, profissionais da área, estamos ali como facilitadores do processo de aprendizagem, tendo o dever, portanto, de atender às necessidades de nossos alunos.
Por ter sido por um longo período de tempo deixada de lado em prol de habilidades como a fala e a compreensão oral, a escrita, juntamente com a leitura, é considerada maçante por alunos que dizem não saber o que colocar no papel e por professores que torcem o nariz ao ver aquela pilha de composições para corrigir.
Hoje, com a Internet, a necessidade de comunicação em língua estrangeira vem requisitando cada vez mais a escrita. Não podemos dizer que a comunicação através de bate-papos e e-mails é oral. Ela é escrita, apenas um pouco diferente das propostas tradicionais. O aluno de língua estrangeira passa a “conversar” através do texto escrito, maravilhando-se diante dessa forma de interação.
Diante da necessidade do aluno de desenvolver a escrita, deve-se adotar uma postura mais interativa quanto às correções e feedback dos textos escritos de nossos alunos, tornando-os um processo ativo e não passivo, um processo de interação e não de risca-risca, quando os trabalhos dos alunos voltam a eles cobertos de tinta vermelha sem justificativa alguma.
O Papel do Professor
No afã de termos os nossos alunos escrevendo “corretamente” em língua estrangeira, assumimos a posição de caçadores de erros todas as vezes que temos em nossas mãos textos produzidos por eles. Passamos a retornar os trabalhos de nossos alunos de uma maneira mecânica, tendo em mãos apenas a velha caneta vermelha e na cabeça a convicção de ser o especialista em língua estrangeira, rabiscando e cortando palavras, mecanicamente, colocando a resposta certa (como se só houvesse aquela), alterando a produção escrita de nossos alunos, como se fosse nosso o texto. Agimos como se estivéssemos lendo um rascunho nosso, alterando e “melhorando” o texto, usando marcas que nos são conhecidas. Mas e o nosso aluno, aquele que receberá de volta o seu texto?
A grande maioria não volta a olhar para ele, pois se já está totalmente refeito e “correto” não há o menor motivo para revê-lo. Refazê-lo da maneira que se encontra seria fazer uma cópia e não uma reflexão de seu trabalho escrito.
O’Muircheartaigh, em seu artigo intitulado Giving Feedback On Students Work (Dando retorno às atividades escritas dos alunos)[1], diz serem três os papéis do professor ao avaliar os textos escritos de seus alunos: o de leitor, professor de escrita e especialista na língua estrangeira.
O leitor interage com a produção escrita dos alunos e expressa a sua opinião diante das ideias colocadas no papel através de comentários do tipo “Eu vi esse filme e também não gostei”[2] ou algo que faça com que o aluno sinta que está interagindo com você, o leitor de sua produção escrita.
O professor de escrita ajuda o aluno com a escrita, vendo o texto como um todo. A análise vai dos elementos estruturais à organização textual, coerência, às marcas discursivas, etc. Também de muita importância, levando-se em conta que os alunos muitas vezes têm dificuldades de escrever até mesmo em sua língua materna.
O perito na língua estrangeira analisa o texto quanto aos erros de ortografia, gramática e problemas afins, sem relacioná-los ao texto como um todo, ou seja, no estilo tradicional, seguido pela maioria.
São papéis importantíssimos esses que o professor desempenha ao ler cada texto de seus alunos, pois os mesmos retornarão às mãos deles, e quanto mais interação professor-aluno, melhor será o desempenho do aluno em sua produção.
Portanto, depende em grande parte do professor a revisão dos trabalhos escritos de seus alunos. Cabe a ele desenvolver (com a colaboração do aluno, é claro) a habilidade da escrita de forma clara, com um feedback também claro, objetivo e, acima de tudo, interativo.
As Diversas Formas de Correção e Feedback
Formas de correção e feedback não faltam. São inúmeras por serem inúmeros os tipos de aprendizes que temos, com diferentes capacidades, diferentes estratégias de aprendizagem. Temos técnicas, estratégias e dicas que vão desde a mais pura lingüística estrutural até a mais lúdica e interativa. Toda sugestão é válida, desde que se observe o perfil de cada aluno. Abaixo seguem algumas das técnicas, citadas por O’Muircheartaigh (2003):
- a) Correção por códigos. O aluno escreve o seu texto em linhas alternadas, deixando uma linha para o professor usar o código abaixo do que se pretende questionar. O professor, depois de avaliar o texto, baseando-se nos códigos previamente entregues ao aluno, devolve o texto para que o aluno o refaça e o entregue novamente.
Há quem acredite que é a técnica que mais se aplica, por ter o aluno procurando a forma adequada, aprendendo com os seus erros, baseado na orientação dada pelo professor em códigos. Vejo várias limitações quanto ao uso da técnica isoladamente, pois leva o aluno a perder a noção da coerência textual em busca de erros estruturais, apenas.
- b) Quadros de Marcar. Os quadros de marcar levam o aluno a uma reflexão um pouco mais profunda de seu texto, sozinho ou com a presença do professor. O aluno deve marcar num quadro previamente elaborado pelo professor os conceitos ‘excelente’, ‘bom’, ‘adequado’ e ‘inadequado’ para cada um dos pontos sugeridos, relacionados ao seu texto.[3]
- c) Conferências Individuais. As conferências individuais envolvem interação direta, cara-a-cara. O professor dá ao aluno algumas perguntas para que o aluno reflita (geralmente pontos relevantes para seu texto escrito), considerando suas ideias e a organização textual. Após o encontro com o professor, o seu texto é refeito e entregue novamente.
- d) Troca de Textos escritos. A troca de textos escritos entre alunos permite que um aluno comente o texto do outro. Os alunos podem ser direcionados pelo professor através do preenchimento de um questionário, usado como base para os comentários a serem feitos sobre o texto dos colegas. Depois, havendo tempo, os alunos refazem os textos baseados nos comentários que julgarem relevantes.
- e) Comentários por escrito. Os comentários por escrito envolvem uma reflexão do professor sobre o texto de seu aluno. Devem ser claros e interativos, como já mencionado acima. O aluno deve ter a sensação de que está realmente se comunicando com o professor, que o feedback que está sendo dado é de todo o texto, incluindo da organização das ideias à ortografia das palavras.
Ravichandran (2002) divide os comentários feitos pelo professor em direcionados e facilitativos. Os direcionados funcionam através de comentários que julgam a competência dos alunos para a escrita, que os levam a mudar o seu texto, que procuram por informações adicionais. Os facilitativos expressam as sugestões e idéias do professor, assim como encorajam o aluno através de elogios aos pontos fortes de sua competência escrita. Enquanto um comentário direcionado seria “não use primeira pessoa na sua conclusão”, o facilitativo seria: “Eu acho que seria melhor se você usasse terceira pessoa na sua conclusão”.
- f) Gravação dos comentários em fita cassete. Uma variação bastante interativa, mas que exige recursos, é a gravação dos comentários em fita cassete, entregando-a ao aluno. Dessa forma, a interação se dá através da própria voz do professor, ajudando o aluno, inclusive, na compreensão oral.
- g) O auto-monitoramento é também citado por alguns autores, que diferem na forma de aplicação. À medida que surgem dificuldades durante a composição do texto, o aluno escreve e numera a estrutura ou parte do texto que o faz sentir-se inseguro quanto ao uso, ou até mesmo quanto à organização textual, detalhando no final da página a sua dúvida. O professor responde a todas as dúvidas, incluindo os comentários que achar necessários.
Uma Experiência de Sala de Aula
Diante das várias opções de correção e feedback sugeridas pela literatura em geral, coloco-me entre a caneta e (por que não?) o computador. Gosto muito de variar, e claro, procuro conhecer o meu aluno e suas estratégias de aprendizagem.
Por ter certas restrições quanto ao uso de códigos para corrigir os trabalhos escritos dos meus alunos, procuro integrá-los às diversas técnicas, nunca usando-as isoladamente. Como já salientei, acredito ser bastante restrita a avaliação, pois, por ela, não se tem condições de transformar toda a reflexão do texto em forma de códigos, acabando por transformá-la em mera correção estrutural e ortográfica.
As variações incluem uma mistura de técnicas, de modo a me deixar inteiramente à disposição para qualquer tipo de esclarecimento sobre as ideias que tenho a respeito dos trabalhos escritos, não esquecendo jamais o meu papel enquanto leitora, professora de escrita e especialista. Seja qual for a forma usada, procuro desempenhar os três papéis, fazendo o retorno ao trabalho escrito o mais interativo possível. Se for o caso de riscar demais o trabalho do aluno, o que muitas vezes não é aconselhável, pois deixa o aluno frustrado assim que o recebe, entrego o trabalho junto com uma carta, contendo os comentários sobre seu trabalho.
O retorno é geralmente muito bom, pois os alunos refazem o trabalho, muitas vezes me procurando para esclarecer dúvidas e discutir alguns pontos, o que considero bastante motivador.
Uma dessas misturas e variações me levaram a tentar algo bastante inusitado. Certa vez, em que corrigia composições de alunos de uma turma, me ocorreu que o retorno poderia ser bastante diferente dos que já havíamos tentado em sala. Fiz cópias de todos os trabalhos e, na aula seguinte à correção, convidei os meus alunos a terem o retorno escrito de seus trabalhos através do ICQ, um programa de bate-papo. A tecnologia me ajudou a tornar diferente o retorno individual aos meus alunos.
Conclusão
O feedback dado aos nossos alunos em seus trabalhos escritos é de suma importância para o desenvolvimento de sua competência escrita, pois somos nós os facilitadores institucionais.
Deixando de ser mecânico para ser interativo, o trabalho do aluno é valorizado, ao invés de subjugado à perícia do especialista em língua estrangeira, que tudo sabe, tudo vê. O ato de refazer o trabalho já é um sinal de interação, desde que não seja através da cópia do próprio trabalho, completamente alterado pelo professor.
Existe um leque de opções para que motivemos os nossos alunos a escrever. Cabe a nós conhecer as estratégias de aprendizagem de nossos alunos e levar até eles um pouco da nossa experiência enquanto leitores e escritores de língua estrangeira.
Deixo aqui a sugestão de irmos à caça, não de erros, mas de talentos. Vamos descobrir em nossos alunos os pontos fracos para que possamos trabalhá-los e os pontos fortes, para que possamos estimulá-los, tornando o processo da escrita uma fonte de comunicação e interação, fazendo o envolvimento do aluno cada vez mais parte fundamental no processo.
Referências Bibliográficas
Ravinchandran, V. (2002). Responding to Student Writing: Motivate, Not Criticize. Online
Journal of Language Studies. Current Issue – Vol. 2. Universiti Kebangsaan Malaysia.
Zeny, M.E. (2002) Feedback on written production: a discussion. New Routes #17. Disal.
O’Muircheartaigh. S. Giving Feedback on Students’ Work – seminar notes. Developing
Teachers.com. <http://linguaestrangeira.pro.br/artigos_papers/melhor_professor.htm>.
Online. 29 de abril de 2003.
Porte, G. K. (1993) Mistakes, Errors, and Blank Checks. Forum – Vol. 31
[1] As traduções em parênteses são de minha responsabilidade
[2] Minha tradução de “I’ve seen that film as well and didn’t like it either”
[3] A sugestão de um quadro semelhante pose ser encontrado no artigo de O’Muircheartaigh, assim como um detalhamento maior sobre qualquer técnica de correção e feedback aqui citada. http//www.developingteachers.com/articles_tchtraining/seamus_wrtcorrection.html
Glenda Demes da Cruz é professora da Universidade Estadual do Ceará. Possui Graduação em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa e Mestrado em Lingüística Aplicada. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes setores: Capacitação de Professores, Língua e Literatura Inglesa, Lingüística Aplicada à Língua Inglesa.