Por Fernando Arosa
Chegou o momento de volta às aulas, momento este que traz à tona uma série de questionamentos, aflições e tomadas de decisão. Há anos as escolas fazem desse período um período em que os profissionais da educação debatem suas estratégias, reciclam suas práticas e registram em formulários todas as ideias novas que tiveram, lançando-se, então, ao início das aulas. Sabemos muitas vezes que as escolas também não têm disponível o tempo para que tudo o que foi lançado no planejamento seja levado à prática, sabemos muito bem que as práticas vão sendo modificadas com o andamento do trabalho e que o planejamento não pode e nem deve ser uma amarra, ou seja, o planejamento a que somos submetidos é um documento que criamos por obrigação, feito sem mesmo termos tomado contato com os alunos. Isso é, de fato, uma aflição para muitos profissionais.
As escolas mantêm um formato que há muito se mostra obsoleto. A escola é uma instituição que promove conhecimento e o conhecimento é estabelecido a partir de um currículo básico que prevê tais e tais conhecimentos. A escola permanece agrupando pessoas com a intenção de que saiam dali mais cultas, mas com o parâmetro de cultura que sai de uma seleção do que se julga necessário conhecer. Nossos alunos estão sendo expostos a conteúdos escolhidos e fixados de tal forma que, sabendo aquilo, estarão aptos a fazer concurso, ingressar numa universidade, responder aos anseios do mercado de trabalho.
Escola: estabelecimento público ou privado onde se ministra ensino coletivo. Essa é uma das definições que podemos ter desta instituição. Primeira pergunta: a quem estamos servindo? Trabalhamos para o bem coletivo com o que ministramos? Estamos formando cidadãos com a consciência do coletivo?
Outros conteúdos dão conta da palavra escola, pensamos muito em instrução, conhecimento, relação social, tendência estética, doutrina, enfim, significados que nos conduzem a uma responsabilidade cujo conjunto de princípios está no fato de termos na mão o futuro. Mas, como os alunos veem tudo isso?
Temos no cotidiano escolar enfrentado uma série de desafios, desafios que nos fazem mudar de prática, muitas vezes, de um ano para o outro, pois as escolas, preocupadas com o que produzem, estabelecem metas que muitas vezes não dão conta de cumprir. O fato é que a dinâmica social está mais rápida. Os atributos que, antes, sabíamos ser da escola, hoje não são mais; a informação está mais rápida e o acesso a elas é mais democrático. O saber não está somente dentro das organizações educacionais e bibliotecas; os professores não são os maiores detentores do conhecimento, mas insistimos em dar aulas. A aula acabou.
Há cerca de um ano, venho realizando trabalhos na rede pública e particular que mudaram meu cotidiano dentro da escola. Aliás, mudou meu cotidiano e meu modo de me ver dentro de uma instituição escolar. Hoje, considero que o trabalho de um professor é de um orientador de atividades que ele pode criar para organizar um conhecimento. Hoje, o professor é um criador de situações de pesquisa. Hoje, o professor deve saber que o seu saber é uma parte do que se tem no mundo para aprender. Hoje, os alunos devem vê-lo como aliado, não como aquele que ensina o que sabe de antemão, mas aquele que pode ensinar aquilo que não sabia e que descobriu naquele momento de pesquisa. O professor, se quiser sobreviver, deve parar de dar aulas.
Explico: aula é um instrumento e não uma obrigação. Aula é um momento de necessidade e não o início de um processo de aprendizagem. O professor que prepara sua aula está travando-se numa prática que não cabe mais nos dias em que a imagem corre rápida e que num simples teclar abre-se um vasto campo de informação. É obvio que não defendo o fim do planejamento, é claro que não quero dizer que o conhecimento do professor é irrelevante, muito pelo contrário, defendo aqui o trabalho do professor como fundamental para que a sociedade avance a partir do que somos capazes de desenvolver no cotidiano escolar. Defendo aqui a mudança desse cotidiano passando por uma revisão profunda em conceitos que achamos não ter mais o que pensar. Acredito, e vivo isso, que hoje, uma das grandes mudanças está no cotidiano escolar.
As escolas devem se preparar para receber seus ativistas sociais que vão ali para ensinar e aprender e para isso devem encarar de uma vez por todas que o seu formato tem que mudar. Por que estamos com um resultado tão ruim? O que podemos fazer para mudar? Muitas são as questões que envolvem a prática de uma escola, não é fácil gerenciar tantas dúvidas e tantas demandas, mas uma coisa é certa, o rumo deve ser outro.
O planejamento deve ser de fato (não só no discurso) de modo interativo. Sabemos que o currículo é apenas um recorte do que temos para conhecer e vivenciar e vai nesse recorte uma ideologia. A primeira mudança que defendo está não na derrocada do currículo, mas na ampliação do mesmo. O que é básico continua. Devemos abrir, junto com os alunos, família, toda a comunidade escolar, o espaço para a escolha do que queremos e precisamos aprender, devemos agregar conteúdos, e para melhor expor, tudo é conteúdo, tudo pode ser ensinado e aprendido. Feito isso, e mudando sempre que necessário, vamos em busca do conhecer. Neste momento, entram as mudanças mais significativas no movimento da escola, pois, a partir de um planejamento criado coletivamente, serão realizados trabalhos em grupo, pesquisas feitas na e para a escola, registros por escrito, tudo isso com base em um planejamento feito pelo aluno sobre o que vai trabalhar naquele momento. Aqui a palavra-chave é autonomia.
Com autonomia (num primeiro momento muito difícil de ser alcançada), virão outras práticas que serão fomentadas pelos professores tais como, trabalho cooperativo (toda atividade deve iniciar-se em grupo), solidariedade, liberdade, espírito crítico, criatividade, criação de dispositivos que darão impulso ao que se pretende, e, sobretudo, dinâmicas de aprendizagem que trazem de volta o poder da educação e o prazer de trabalhar em escola.
Cabe aqui esclarecer que o professor estará presente em todos os momentos, agora circulando entre os grupos, acompanhando o desenvolvimento do trabalho individual e coletivo, lançando perguntas, vendo as necessidades dos outros e suas próprias, indo à biblioteca para ver o significado de uma palavra ou pesquisando na Internet onde fica tal lugar que apareceu num texto que um aluno trouxe. Ou ainda, marcando aula para tal dia com o professor daquela área para tirar dúvidas sobre determinado conteúdo, enfim, o professor não é só professor da sua matéria, mas a informação é objeto de seu trabalho e cabe a ele, junto com o aluno, buscar entendê-la, interpretá-la, criar momentos de curiosidade e debate.
Há uma conhecida escola em Portugal chamada Escola da Ponte que já vivencia um projeto de autonomia há trinta anos. Essa escola realiza um trabalho muito interessante e uma das características, para mim, mais relevantes é a relação do professor com seu ofício. Já temos no Brasil várias escolas que, influenciadas pela experiência portuguesa, mudaram seu olhar, buscaram novas maneiras de ensinar/aprender.
A escola tem que se desvencilhar daquilo que a construiu como identificável para converter-se em espaço (físico e ideológico) aberto de encontros da diversidade, de criação de relacionamento saudável, de produção de práticas coerentes com aquilo a que se propõe. Sabemos ser mais um desafio, mas de urgente necessidade.
Fernando de Castro Cerqueira Arosa é pós-graduado em Literatura Brasileira pela UERJ e graduado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UGF. Atua como professor de Português-Literatura há 20 anos no Ensino Fundamental e Médio em escolas particulares e públicas do Rio de Janeiro, com experiência em projetos interdisciplinares e supervisão escolar. É revisor, com trabalhos nas Editoras Rocco e Fiocruz, de diversas dissertações e teses acadêmicas. Publicou De Mãos Atadas (Literatura Infanto-juvenil) pela editora Ao Livro Técnico. Escreve crônicas, contos e textos teatrais.
Email: fernandoarosa@terra.com.br