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O Fim do regime federalista?

Por Vicente Martins

 publicado em 27/11/2006 como <www.partes.com.br/politica/fim_do_regime.asp>

Vicente Martins, cearense de Iguatu, 39 anos, poeta e professor do Centro de Letras e Artes da Universidade estadual vale do Acarajú (UVA, Sobral, CE)
vicente.martins@uol.com.br

Bem que poderia ser Serra versus Lula. Lula versus Serra. Mas a polarização emergente se desenha Aécio versus Lula. Lula versus Aécio. Vejo, nos próximos quatro anos, Aécio Neves como a grande ameaça para o Palácio do Planalto. Não estou me referido ao PSDB, agora com menor expressão partidária do que antes da primeira gestão de Lula, refiro-me aos sujeitos atuantes do Partido, em particular Aécio Neves.  Lula não deve temer o São Paulo de Serra e sabe que sua consolidação política depende muito de uma nova relação inergovernamental com Minas Gerais.

Falo há anos que vejo, em construção, um novo modelo de federação brasileira. Um olhar aistórico verá a atual crise dos Estados como resultado de um posicionamento isolado de Aécio Neves, uma tensão intergovernamental, com prenúncio de movimento autonomista dos Estados e a gênese de um processo de construção de um novo paradigma para Federação brasileira.

Para alguns analistas governistas, um bate-papo, mais cedo ou mais tarde, entre o governador mineiro reeleito Aécio Neves e o presidente Lula da Silva, garantirá o concerto entre a União e o Estado de Minas Gerais, desde que Minas se ajuste aos determinantes da União.

A ideia de a crise dos Estados ser apenas um choque de opiniões políticas reforça a chamada tese da “sobrevivência pela negociação”, ingênua e anacrônica, tendente a congelar ou naturalizar um modelo de Federação exaurido pela estrutura externa, o capitalismo global, e pela conjuntura interna, crise da competência política dos Estados Federados.

No Brasil, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são entidades federativas, mas a União, entre os demais, tende a ser um ente subordinante. A Federação brasileira funciona, na prática, assim: só a União pode legislar sobre tributos e os Estados se limitam a gerenciar os impostos. Logo, a União é política e paradoxalmente mais forte do que os Estados.

O Brasil é, para o Direito Internacional, uma Federação excêntrica. A concentração fiscal da União, legitimada pela Constituição Federal de 1988, tira a liberdade política dos Estados. Afinal, onde não há capacidade legislativa não há liberdade política. Os Estados Unidos e o Canadá há muito tempo descobriram que a práxis da federação significa a descentralização da arrecadação, o que os levou a adotar um sistema de transferências de impostos entre as entidades federativas.

Os Estados Unidos e o Canadá são boas referências de modelo de Federação, não por força jurídica, mas por determinação e fortalecimento dos poderes políticos, particularmente o Legislativo e o Judiciário e da consolidação da sociedade civil como uma instância também política e cidadã.

Se copiamos, em 1889, o modelo jurídico de federação norte-americana para nossa República, por que não copiar também sua práxis? Não é hora de abolirmos o que nos é ficção jurídica e colocarmos em prática o respeito à autonomia dos Estados?

As respostas exigem de nós um olhar histórico do que é o Brasil, de modo a ficarmos expeditos e, em prontidão, não para um guerra ou conflito interestadual, mas para abolirmos o atual modelo de Federação, esgotado por sua crise tributária e fiscal, principal base de sustentação da nossa Forma de Estado.

Não é difícil constatar que nosso modelo de Federação é ainda marcado por uma má distribuição de competências legislativas e está, por isso, exaurido. A União, em se tratando de matérias de ordem econômica, centralizou, extraordinariamente, as competências políticas, o que equivale a dizer ter ampliado, de 1891 a 1988, sua capacidade política, legislando, exclusivamente, sobre matérias referentes aos tributos.

A exclusividade competencial é incompatível com a descentralização política, pilar da Federação. A tendência de extinguir esse modelo de Federação é uma necessidade imperiosa da globalização, de um movimento que não admite, no âmbito das Nações, relações de subordinação automática entre os entes intergovernamentais da Federação. Dividir poder político é princípio da Federativo e imperativo da democracia.

À luz do Federalismo, a declaração de moratória de Minas deve ser vista, deixando de lado qualquer especulação subjetiva da felonia mineira, predição de um movimento autonomista dos Estados ou do fim de um modelo federação exaurido pela estrutura do capitalismo global. Não é um visão pessimista ou escatológica da nossa atual Forma de Estado, mas um olhar dialético sobre o processo de construção da Democracia brasileira e do Estado Democrático de Direito, fim último da Federação

Os demais Estados brasileiros que ainda não aderiram à marcha insurgente o farão mais cedo ou mais tarde, por uma injunção de sobrevivência política, em nome de uma resistência governamental em favor do self-government.

Diria mais: os Estados que não aderiram, ainda, ao movimento autonomista simplesmente apostam, dentro de uma perspectiva de democracia eleitoral, na inércia do eleitorado e estão presos às coligações partidárias e à solidariedade ao projeto de governo do PSDB. Se ainda não há pressão social, pensam alguns governadores, ainda há tempo para esperar pra ver no que vai dar esse vaivém federativo.

Certo é que há sinais concretos de esgotamento do atual modelo federativo: moratória, crise fiscal, déficit público, inflação, recessão, instabilidade da moeda, instabilidade política e desemprego estrutural. Se o Brasil está quebrado e o Brasil é a Federação, então a Federação também está desmantelada e alquebrada. Não há remendo para sua quebreira, senão emenda à sua reforma. Eis um grande desafio histórico para o Congresso Nacional.

Não podemos ser uma Federação porque simplesmente a Constituição Federal de 1988 prescreve, rigidamente, que somos uma união indissolúvel de União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não existe Federação pronta, inalterável, eterna, a Federação é um processo de construção de autonomia, democracia e autossustentabilidade das entidades intergovernamentais. Aliás, neste final de século, não se justifica um paradigma de indissolubilidade para as questões de ordem política, social, jurídica ou ética das nações, federativas ou não. Afinal, uma Forma de Estado não pode está acima do Estado e de sua sociedade política.

Se a Constituição de 1988 não declarasse, nos seus dispositivos, que somos uma República, acreditaríamos que o Brasil é uma Federação? A indagação é apenas pra lembrar que, historicamente, ainda não conseguimos construir um modelo próprio de Federação. Nossa Federação não nasceu de necessidades práticas, mas por obra jurídica.

A moratória mineira resulta de um interesse público, de imperiosa determinação de governo, logo, se deve atualizar a Federação à realidade de seus entes, particularmente os Estados. A moratória não é calote, é prerrogativa de ordem jurídica dos governos estaduais. Portanto, a reação do governo central à declaração de moratória mineira é, no mínimo, anacrônica.

A história de nossa Federação é um rodar cego. No império, quando a assembleia provincial pôs em xeque a centralização política do Imperador, recebeu como resposta a dissolução do poder legislativo e a consequente outorga da Carta de 1824. Mais tarde, quando, em 1834, fizemos o Ato Adicional à Carta de 1824, houve desconcentração de prerrogativas legislativas e de encargos administrativos, mas se descartou a descentralização dos recursos públicos, atingindo frontalmente as políticas sociais, particularmente a instrução pública. E as felonias federativas, manifestas nas rebeliões imperiais, também foram duramente abafadas pelo governo imperial.

A história se repete na atual tensão entre Minas e o Palácio do Planalto. Deixando de lado as questões de ordem pessoal entre o presidente Lula da Silva e o governador Itamar Franco, banais e pequenas, o que justificaria as posições hostis e de alijamento do governo central contra os governos mineiro e gaúcho senão em nome de uma atitude diligentemente conservadora e feudal de resguardar o atual modelo de Federal, iníquo e antidemocrático?

No limiar do novo século, especular a reforma do atual modelo de federação brasileira indicaria a sua extinção? Não devemos pensar que a ideia de abolir um modelo é, necessariamente, condenar a República à desordem política. Pelo contrário, a extinção de um modelo esgotado pode significar a construção de uma Federação efetivamente democrática, isto é, do lídimo e real Estado Democrático de Direito.

Se, para uns, a abolição da Federação pode ter uma feição separatista, tendente à formação de Estados Independentes, não é pertinente transformar nossa Federação centrípeta, centralizadora, em uma Federação centrífuga, efetivamente intergovernamental, unidos pela moeda, pela língua e pelo respeito ao autogoverno de cada Estado?

Não podemos ser uma Federação porque simplesmente a Constituição Federal de 1988 prescreve, rigidamente, que somos uma união indissolúvel de União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não existe Federação pronta, inalterável, eterna, a Federação é um processo de construção de autonomia, democracia e autossustentabilidade das entidades intergovernamentais. Aliás, neste final de século, não se justifica um paradigma de indissolubilidade para as questões de ordem política, social, jurídica ou ética das nações, federativas ou não. Afinal, uma Forma de Estado não pode está acima do Estado e de sua sociedade política.

Se a Constituição de 1988 não declarasse, nos seus dispositivos, que somos uma República, acreditaríamos que o Brasil é uma Federação? A indagação é apenas pra lembrar que, historicamente, ainda não conseguimos construir um modelo próprio de Federação. Nossa Federação não nasceu de necessidades práticas, mas por obra jurídica. A moratória mineira resulta de um interesse público, de imperiosa determinação de governo, logo se deve atualizar a Federação à realidade de seus entes, particularmente os Estados. A moratória não é calote, é prerrogativa de ordem jurídica dos governos estaduais. Portanto, a reação do governo central à declaração de moratória mineira é, no mínimo, anacrônica.

A história de nossa Federação é um rodar cego. No império, quando a assembleia provincial pôs em xeque a centralização política do Imperador, recebeu como resposta a dissolução do poder legislativo e a consequente outorga da Carta de 1824. Mais tarde, quando, em 1834, fizemos o Ato Adicional à Carta de 1824, houve desconcentração de prerrogativas legislativas e de encargos administrativos, mas se descartou a descentralização dos recursos públicos, atingindo frontalmente as políticas sociais, particularmente a instrução pública. E as felonias federativas, manifestas nas rebeliões imperiais, também foram duramente abafadas pelo governo imperial.

A história se repete na atual tensão entre Minas e o Palácio do Planalto. Deixando de lado as questões de ordem pessoal entre o presidente  reeleito Lula da Silva e o governador reeleito Aécio Neves, banais e pequenas, o que justificaria as posições hostis e de alijamento do governo central contra os governos mineiro e gaúcho senão em nome de uma atitude diligentemente conservadora e feudal de resguardar o atual modelo de Federal, iníquo e antidemocrático?

No limiar do novo século, especular a reforma do atual modelo de federação brasileira indicaria a sua extinção?

Não devemos pensar que a idéia de abolir um modelo é, necessariamente, condenar a República à desordem política. Pelo contrário, a extinção de um modelo esgotado pode significar a construção de uma Federação efetivamente democrática, isto é, do lídimo e real Estado Democrático de Direito.

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