Entre o quadro negro e um cômodo da Baixada(RJ): as contribuições da Escola e da Família nas Representações Sociais
Por Verônica de Araújo Ozório
publicado em 09/10/2006 como www.partes.com.br/educacao/quadronegro.asp
Resumo:
Este ensaio apresenta um convite à reflexão a professores e leitores em geral, a perceber a fala de uma aluna, após o retorno das férias em uma escola periférica.
Descorre-se, na obra, sobre suas falas e a importância da Família e Escola como Representações Sociais, assim como uma observação psicoeducativa da pesquisadora em questão, em suas práticas em sala de aula.
Adverte-se, também, a necessidade de sensibilização e o auscultar as falas dos educandos, pois é partir de tais linguagens que se objetiva uma abordagem em torno da Escola e Família em suas representações sociais.
Palavras-chave: Representação Social,Família, Escola
1. O retorno das práticas Pedagógicas: O inusitado
Volto às aulas em um colégio público e ouço: “Que bom! Estamos de volta, estava cansada de ficar em casa”. Ao ouvir esta fala que foi pronunciada de forma tão singela, mas, sobremaneira, sincera, fez-me, relembrar um poema de Paulo Freire – A Escola, o qual reescrevo:
“Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente,o coordenador é gente, o aluno é gente,cada funcionário é gente. E a escola será, cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados (…)”.
Senti que este poema estava ali, perto de mim, vivo, suas palavras tomaram forma e cores, através do dizer desta aluna. Ela gosta de estar na escola, ela se sente bem e por isso sentiu saudades. A escola representa o seu mundo e ela deve levar o mundo para todos os alunos, a escola não pode perder um dos seus pontos principais, que é apresentar o mundo para o seu aluno, infelizmente algumas escolas estão esquecendo deste ponto primordial.
A fala desta aluna trouxe a memória mais uma vez o pensamento do grande pedagogo Paulo Freire que propôs uma escola que respeita e incentiva as capacidades de criação e não espera que todos tenham a mesma resposta, pois é através do errar e acertar que construímos o saber.
Ao ouvir a resposta da aluna, penso também nas múltiplas linguagens, na questão familiar, pois penso também que além da escola, que é um espaço político, a família se faz oportuna para exercer e veicular organicamente sua estrutura.
No entanto, em uma pesquisa mais elaborada em relação à fala da aluna entendi que ela sentia a falta da família, pois sabemos que se faz necessário que os pais permaneçam grande parte do dia fora do lar trabalhando para manter este aluno na escola e com isso muitos deles ficam sozinhos em casa e alguns tomam conta dos irmãos menores.
O que se supõe, e isto me dá a certeza do exato, é que a escola não significa o abandono de sua dimensão ideológica específica, nem tão pouco a família.
De acordo com a especificidade e complexidade da questão percebo que o retorno à escola ameniza a solidão e eles podem estar juntos com outros companheiros e colegas da mesma faixa etária e a partir deste convívio com os outros amigos de turma, compartilham experiências e vivenciam outras.
2. Escola e Família. Um casamento perfeito.
A família, sem sombra de dúvidas, é a principal responsável, além da escola, sobre a construção da cidadania do aluno. Em uma pesquisa realizada em 2004 pela Unesco cujo o título era – O Perfil dos Professores Brasileiros: O que fazem, o que pensam, o que almejam…constatou-se que 78,3% acha que a atenção e o apoio da família são os fatores que mais influenciam a aprendizagem. Percebemos, no entanto, que devemos repensar as atribuições e responsabilidades da família neste processo. Mais do que esperar que a família seja a continuação da escola, é desejável que sua participação, mesmo que ausente pelo mundo globalizado, seja efetivamente compromissada com a construção da identidade daquele que trabalhamos em sala de aula.
A experiência como pesquisadora e professora, conduziu-me, depois de inúmeras visitas a pais e responsáveis de alunos, através de almoços de homenagem, conselho de classe ou até mesmo a presença dos pais e ou responsáveis somente para constatar a presença, assiduidade e participação do aluno em classe, faz-me crer que a família tem uma contribuição significativa no aprendizado do educando.
A esse respeito, vale contextualizar a narrativa da obra com a teoria de Orsolon (2003, p.180-182)
Compreender as diferenças configurações familiares e relacionar-se com elas sem preconceito é conhecer o lugar social das famílias e alunos. Identificar os modelos educativos e socializar com a família são as noções que norteiam a aprendizagem.
De tal maneira, a compreender a dinâmica da citação, é importante reconhecermos que família e escola são instituições, que no mínimo, se contextualizam com as representações sociais.
Defendemos, portanto, a dimensão dialógica nestas representações sociais, por acreditar que tais instituições, em sua autonomia favorecem que os alunos, em suas falas, queiram transmitir que a volta às aulas se fazia premente, por conseguinte, ao final do ano letivo, a volta às férias, também se faz importante.
De acordo com o nosso ponto de vista a volta à escola assim como a volta ao lar constitui, nesse sentido, formar o cidadão com uma compreensão que supere o reconhecimento dos direitos e deveres e que se fundamente no compromisso com uma sociedade verdadeiramente democrática. É isto que os operários, em suas práticas, pensam, é exatamente isto, em suas relações que os alunos buscam.
Posso afirmar que em poucos minutos após ouvir a fala mencionada no começo desta obra que sobressaiu entre as outras que também concordavam com ela sobre a vontade de voltar às aulas, fez-me mais reflexiva e crítica quanto as minhas práticas pedagógicas e perceber que esta aluna junta com ou outros da turma têm desenvolvido o senso crítico(ainda não perceberam por serem muito novos) e além de tudo a escola tem proporcionado a estes alunos momentos significativos, haja vista a vontade deles de retornarem, pois é na escola que eles sentem-se bem.
Nesse sentido, de acordo com Gentili e Alencar (2001, p.92-95), reconhecemos e pontuamos que escola e família como instituições onde se põem em práticas valores, normas e direitos, são importantes para a relação que se efetiva nestes espaços sociais.
Temos indicado ao longo da narrativa, a importância destas duas instituições na construção da identidade do educando. Vale ressaltar, entretanto que a formação de valores, assim como, a educação da sensibilidade nasce, entretanto, na formação dessas relações sociais: Escola e Família.
A esse respeito é coerente como função de escola e família resgatar tais discursos a partir dos pressupostos filosóficos e educacionais de Foucault:
A troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no interior de sistemas complexos, e sem dúvida não poderiam funcionar sem estes. A forma mais superficial e visível desses sistemas de restrição é constituída pelo que pode se agrupar sob o nome de ritual; o ritual define qualidades que devem possuir os indivíduos que falam, definem gestos, os comportamentos, as circunstâncias e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso (FOUCAULT, 2002, p.38-39)
É pertinente, sem o aprofundamento que se faz necessário, pensar na escola e família como uma oficina de formação humana onde o processo educativo e de desenvolvimento humano seja de modo intencionalmente planejado e conduzido para a reflexão. Esta lógica, também, nos propõe a repensar as práticas destas duas dimensões de representações sociais, para que estas têm valor de ocupação pedagógica na agenda escolar. Pois em uma escola e em uma família onde as relações sociais e humanas são hegemônicas, tanto o pedagógico quanto a relação humana e do humano pertencem a uma dimensão que trabalhe com as relações sociais, com o cotidiano, com a sensibilidade, lealdade e companheirismo onde a identidade se faz e produz.
Reafirmo que a Família e Escola como iniciação da educação não se esgotam na transmissão de saberes, na apropriação semântica e principalmente na experiência e socialização das identidades construídas e constituídas nestes espaços. A reflexão centrada na temática da obra é tão somente para que este pesquisador e o público leitor percebam que os cômodos mais longínquos e menos favorecidos das populações brasileiras também falam e dialogam por si só, pois Bourdieu afirma que
O habitus adquirido na família está no princípio da estruturação das experiências escolares, o habitus transformado pela escola, ele mesmo diversificado, estando por sua vez no princípio da estruturação de todas as experiências ulteriores” ( BOURDIEU, 1994, p.18).
Foi com essa perspectiva que os conceitos de família e escola foram tomados neste estudo e observação, de modo a oferecerem, complementarmente, suporte às análises sobre a questão da Escola e Família.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de uma certa crise social da escola e família, produziu-se uma certa receptividade na fala da aluna referida no início deste ensaio. Por isso, constituindo este ideia, não devemos esquecer que apesar de todas as resistências ideológicas, pretendeu-se, resgatar aqui, memórias de um retorno de férias na escola Alice Pacinni Gélio, localizada em uma zona periférica e sem recursos da Baixada Fluminense onde são verificados que o espaço de pouso e descanso desta comunidade , por vezes, se dão em ambientes menores que um quadro negro escolar.
Pretendeu-se numa visão rápida, porém não ingênua, abordar a questão da Família e Escola como eixos norteadores da construção da Identidade do Educando. Esta construção se dá, não tão somente em harmonia, mas numa inter-relação educacional de um movimento de integração que tem como base acreditar nas instituições escolares e familiares e na aquisição de novas habilidades e de conhecimento para fazer frente a novos problemas que, por ventura aparecerem.
Cabe ressaltar na finalização deste ensaio que as falas e memórias registradas nesta obra indica que não devemos confundir as Instituições legitimadas como Escola e Família, mas compreendê-las cada qual com suas funções e considerações que lhes são próprias para fomentar no educando os diferentes significados e necessidades que cada uma tem.
Entretanto, ao pensar na possibilidade de decodificar linguagens, lembro-me do caminho do pensar-ouvir-decodificar-recriar. A partir desses elementos podemos responder às questões relativas as Representações Sociais e os leques de possibilidades de compreendê-las sem os ruídos de qualquer natureza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, C. Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis, Vozes, 2001.
BOURDIEU, P. Esboço de uma teoria da prática. São Paulo. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 1994.
FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. Leituras Filosóficas. São Paulo, Edições Loyola, 2002.
GENTIL, P. Pedagogia da Exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, Vozes, 1995.
ORSOLON, L. A. M. Trabalhar com famílias: uma das tarefas da coordenação: In: PLACCO, V. M. N. S; O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo, Edições Loyola, 2003.
REVISTA NOVA ESCOLA. Junho e Julho de 2003
REVISTA NOVA ESCOLA. Janeiro e Fevereiro de 2006