Jean Ricardo
Deus me quer aqui,
aqui estou eu…
Segurando a pasta amarela.
Carregado por documentos.
Pronto pro que vier
e der
Talvez,
mais dar do que vir.
Mas deixemos o porvir
pro anjo guardar,
por enquanto,
assinemos o ponto:
13 de janeiro de 2006
eis-me aqui…
ordenado por Deus,
urgido por vossas mãos,
a cabeça azeda dos capacetes
coletivos!
companheiro único
dos bancos desta praça!
“Muito prazer,
ainda não conheci
vossos irmãos.
Praça amiga…
em breve conhecerei
vossas manas.
Pode deixar,
trarei grãos para alimentar
os pássaros
e o que puder,
farei pelo restante dos bichos
e insetos.
Prometo – apesar do instinto –
jamais colher as flores,
palavra de flor…”
Outras praças choraram.
Outros bancos sentiram minha falta.
Mas no fundo entenderam,
que faço isso,
pelo bem
das pedras e dos bichos
que sou a Natureza.
Através dos pássaros
mandarei notícias pelos espaços
“Borboletas queridas,
não voarei para muito longe,
em breve voltarei…
conservem as cores de vossas asas,
comprometo-me com os presentes:
levarei pó de estrelas
que para vocês,
são como o verniz da barata…”
Vejo a mulher,
conversar com os cachorros,
só ela e eu,
entendemos o que eles dizem:
não querem comer,
queixam-se dos carrapatos,
suas irmãs e filhas estão presas
por usarem as presas:
‘Morderam o vizinho
e o homem do gás…’
Diz-me a senhora
que como eu,
conversa com os animais…
Acabo de sair
da delegacia
da educação:
‘O quadro está fechado,
mas precisamos de você aqui…
-manda fulano de volta!-
pelo jeito,
esse ama as boas letras
seja bem vindo professor.’
Lecionarei artes
e técnicas de redação
no poeta Gonçalves Dias
que é uma escola
estadu(mundi)al
de ensino m…
superior fundamental!
Todos voltaram,
menos eu.
O que posso fazer?
De tudo tentei:
falei com os homens
Que inventaram essa guerra
Disse-lhes
Que de onde vim
posso atingir o alvo
com a mesma precisão
mesmo estando desenhado
nesse chão,
que com palavras
também se luta,
que sou mais útil fazendo versos
e que este mesmo verbo
tem o poder de matar e
(o que é mais importante)
ressuscitar os homens.
De nada adiantou,
eis o front,
estou de frente…
Avante!
sigo adiante
Meus calcanhares me levam para trás
Não corri!
Apresentei-me
marcado o dia e a hora
do combate
lutarei
por enquanto
regressarei ao lá
despedir-me-ei da família
direi,
que lá onde os estrondos fazem cadáveres
meus ouvidos estalaram em paz
Crianças,
sois sabias
para que fogos como artifício?
Adultos imbecis,
que beleza em flamejar os céus
arriscando as ásperas telhas
das casas de fósforos
de palitos cabeças de pólvoras?
não vos bastam o crispar
dos raios de sol?
Regressarei…
Regressarei ao quartel general destas mãos
Onde eu mesmo
sou meu próprio exército
soldado e capitão
buscarei as armas necessárias
de que preciso
Voltarei
Jamais correrei
Mesmo se sonho exigir
Mesmo se pernas se destacarem de mim
Amputado marcharei
Não correrei
Voltarei
Reapresentarei-me
No dia e data marcado
Preciso apenas desse encontro
Para acabar de vez com essa guerra.
Jean Ricardo