João Gomes Moreira
Terrível maré de sangue invade tudo e WILLIAM B.YEATS, 1919 |
A notícia de segunda-feira sobre um franco atirador numa universidade do estado da Virgínia, USA trouxe mais um mal-estar para a humanidade. Nos últimos 10 anos aconteceram 41 episódios de disparos de armas de fogo em campi de escolas e universidades nos USA que custaram, até hoje, 110 vidas (cf. Pedro Dória, 2007). Sim, porque a violência mergulhou todas as nações em um estupor de ondas sucessivas de ações movidas por conflitos étnicos, econômicos, estupidez ou ainda oriundos das mais variadas ideologias políticas ou religiosas. Segundo um rápido diagnóstico do mundo contemporâneo de Faria (2002): “somos viventes e emergentes de um século Marcado por uma cultura da violência. As construções políticas e geopolíticas, comerciais e culturais do século vinte, ao lado de muitas conquistas da cidadania e do desenvolvimento tecnológico, passaram por processos muito violentos.
Na condição de exilado da sala de aula acompanhei com horror as informações que foram sendo veiculadas cada dia. No primeiro momento fiquei estarrecido de saber que colegas professores (mesmo mas universidades e escolas do Brasil) estão frequentemente sendo ameaçados por alunos desafetos, descompromissados com o próprio futuro e com a aquisição de conhecimento.
O fato de tal atentado ter acontecido numa universidade tecnológica só vem provocar maior desconforto. Jornais têm divulgado que a Virgina Tech é uma instituição de prestígio no país e que entre as vítimas, professores, estavam dois cientistas renomados. Inclusive com um programa de intercâmbio internacional de estudantes. Ora o estudante sul-coreano, membro desta universidade era um elemento “deslocado” uma peça que não se “encaixava” no “sistema”. Curiosamente o assassino também cursava inglês. O conhecimento de uma língua moderna não lhe trouxe a possibilidade de autoconhecimento e de auto expressão. Não o direcionou para uma conversa interior significativa e real. Não evoluiu para estabelecer diálogos amistosos com seus pares[1]. Bem que alguns professores tentaram como: “a responsável pelo departamento de inglês, Carolyn Rude, reconheceu que Cho era uma pessoa «problemática», o que levou a alguma intervenção, claramente insuficiente. Isto porque em alguns trabalhos apresentados percebia-se a falta de noções concretas da realidade” (Pravda, 2007). Este jovem tinha problemas psicológicos e, no entanto a universidade, por misericórdia ou por descuido não lhe concedeu acompanhamento intensivo em sua trajetória de vida acadêmica. Como consequência o universitário foi desenvolvendo silenciosamente seus planos de vingança. Como o jovem alheio à família e a sua própria vida do filme “Beleza Americana”[2] (1999) que tudo filmava, Cho Seung-Hui também elaborou seu “manifesto” audiovisual. O universitário também tinha namorada imaginária (virtual!) e gostava de jogos de computador. Filmes e jogos de computador são ícones de uma geração cada vez mais alienada da realidade. Não devido a estes produtos em si, mas em decorrência de que pessoas com problemas no mundo real (ou sem harmonia interior), podem, com o uso e acesso a estes, terem uma ampliação da fragmentação e da compreensão da vida real. E à medida que mais se mergulha no universo virtual — mais longe se fica do universo real. Como exemplo podemos citar a TV, (instrumento que já se tornou tão presente que parece ser “domesticado e controlado” por nós). Pois como os Ecologistas em Ação afirmam: “a TV produz a alienação das pessoas e do meio ambiente, ao incitar o consumo irracional. A televisão desloca as interações entre as pessoas e com o território, e as substitui pela contemplação de um espaço virtual selecionado intencionalmente ao serviço da comercialização em larga escala. A cultura ligada ao território e às redes sociais próximas é prejudicada”. (O Dia, 20 Abr. 2007). O computador e seu mundo cibernético também estão presentes na história de Cho[3]. Os vídeos, fotos e o manifesto divulgados no dia 19 de abril pela rede NBC apontam para um universo em que as tecnologias modernas de comunicação e informação estavam muito presentes na vida do universitário. E a trajetória de seus últimos anos encontra “eco”, “referências análogas” ou paralelas em obras cinematográficas tais como: Um Ato de Coragem (EUA: 2002), Matrix (1999), e o sul-coreano, já veiculado pela mídia internacional: ‘Oldboy’, (2003)[4]. (No Brasil, em 1999 tivemos o massacre do shopping em que um jovem estudante de medicina (trajetória similar a de Cho), inclusive com ataques de spamms) matou e atingiu sete pessoas numa sessão de cinema. Filme em projeção: Clube de Luta. Em 2005 uma adolescente japonesa envenenou a mãe e tudo foi contado em seu blog à medida que ia “administrando” o veneno[5]. O material de Cho enviado a NBC foi chamado pelo âncora da TV, Brian William como “manifesto multimídia“. O apresentador Matt Lauer “afirmou que houve conflito de opiniões dentro da própria NBC sobre a exibição do material. “Nós tomamos esta decisão porque, ao mostrar este material, talvez consigamos entender ou responder à questão ‘por que isso aconteceu”? ’”, explicou. Informações de Bill Carter [The New York Times, 19/4/07] e de James Sturcke e Peter Walker [The Guardian, 19/4/07] (apud Pravda, 2007). Aqui a rede apresenta um argumento falacioso para justificar sua decisão de exibição (claramente interessada em impactar a população e ampliar notoriedade da rede) do material de Cho. A revolta dos parentes com a exibição dos vídeos levou alguns a boicote e até a chamar de “o segundo ataque”. Parte da explicação sobre este problema e violência pode encontrar no trabalho de Neil Postman “Tecnopólio – a rendição da cultura à tecnologia” (1994); onde esse pensador aponta “a perda da visão da educação integral, do seu propósito mais amplo de formação do indivíduo”. Precisamos desenvolver uma cultura da paz (Faria 2002; Candau, 2007). Pois “a crise social expande-se pelo desenraizamento e despertencimento, fruto da imposição de modos de vida pela modernidade, materializados em sociedades que perderam, em grande parte, a sua moralidade, seus valores éticos e espirituais. É possível diagnosticar hoje uma fratura societária marcada pela exclusão social e cultural, a violência cotidiana e a degradação ambiental, trazendo como resultado um estilo de vida individualista e consumista e a perda dos laços de solidariedade entre as pessoas e no interior das comunidades.”
WEBGRAFIA Atirador da Virginia era vítima de ´bullying´, dizem colegas. Disponível em: http://www.estadao.com.br/ultimas/mundo/noticias/2007/abr/19/180.htm Acesso em: 20 abr. 2007. Atirador do shopping também foi spammer. Disponível em: http://informatica.terra.com.br/interna/0%2C%2COI319672-EI553%2C00.html Acesso em 17 abr. 2007. CANDAU, Vera M. Uma Cultura da Paz. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/bibpaz/textos/cpaz.htm Acesso em: 18 abr. 2007.
Crimes sob influência dos Games. Disponível em: http://cmapspublic.ihmc.us/servlet/SBReadResourceServlet?rid=1071341306199_1586051479_1058 Acesso em 19 abr. 2007.
COMITE DA PAZ. VII UNESCO e a Cultura da Paz. Disponível em: http://www.comitepaz.org.br/a_unesco_e_a_c.htm Acesso em: 18 abr. 2007.
DÓRIA, Pedro. A Cultura Armada. Disponível em: www.nominimo.com.br. Acesso em 18 abr. 2007.
Exibição de vídeo do assassino gera polêmica. Disponível em: www.observaóriodaimprensa.com.br Acesso em: 19 abr. 2007.
FARIA, Hamilton J.B. de. Educação e cultura da paz. Disponível em:
LIMA, Jorge C. Uma Tragédia Americana. Disponível em: http://z001.ig.com.br/ig/07/49/971249/blig/blogjorgedacunhalima/2007_04.html Acesso em 20 abr. 2007.
MAROTTA, Gilberto C. Mídia & Violência. Até o assassino sabe. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/atualiza/artigos/iq131199.htm Acesso em 20 abr. 2007.
Movimento promove semana sem televisão na Espanha. Disponível em: www.odia.com.br Acesso em: 20 Abr. 2007.
VIEIRA, Aline. bullying e suas vítimas. Disponível em: www.ig.com.br acesso em 20 abr. 2007.
SETZER, Valdemar W. Dados, Informação, conhecimento e competência. Disponível em: http://www.inf.pucrs.br/~gilberto/Sistemadeinformacao/dado-competencia.pdf Acesso em: 19 abr. 2007.
Textos de coreano Cho são macabros e contêm linguagem chocante. Disponível em: http://port.pravda.ru/news/sociedade/incidentes/18-04-2007/16637-cho-0 acesso em: 19 abr. 2007.
[1] . uma concepção instigante sobre conhecimento e competência é apontada por Waldemar W. setzer em: “Dado, informação, conhecimento e competência.” Disponível em: http://www.inf.pucrs.br/~gilberto/Sistemadeinformacao/dado-competencia.pdf. Acesso em 23 abr. 2007. [2] . idem nota 1. [3] . Mistério na Virgínia. A polícia pediu um mandado para apreender o computador e o telefone celular usado por uma das primeiras vítimas, Emily Hilscher, que foi morta juntamente com Ryan Clark em um dormitório da universidade. “O computador pode ter sido um meio de comunicação entre Cho e a vítima”, diz o texto do mandado, que não explica porque a polícia suspeita que os dois tiveram contato. A rede de TV CNN afirmou ainda que a polícia tentava descobrir se Cho contou a alguém sobre seus planos para os ataques. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u106668.shtml acesso em: 23 abr. 2007. Segundo Daniel Galera artigos em jornais dizem que Cho Seung-Hui jogava Counter-Strike, jogo de tiro popular no mundo inteiro. Games e Massacre de Virginia. Disponível em: Jogatina. http:www.nominimo.com.br. acesso em 20 abr. 2007. [4]. Atirador da Virgínia fez suposta referência a filme sul-coreano. Disponível em: www.g1.com.br. Acesso em: 23 abr. 2007. Outro artigo que descreve a presença e disseminação do aparato tecnológico moderno de comunicação e seu papel de intermediação para o estabelecimento de contato entre Cho e as pessoas do mundo real tem como título: Uma câmara na mão e um massacre na cabeça de Ricardo Calil. Disponível em: www.nominimo.com.br. Acesso em 22 abr. 2007. [5] . Descreveu dia após dia. Mas o blog da adolescente japonesa, cuja identidade é protegida pelas leis do país, foi retirado do ar. Mas seu conteúdo já havia sido reproduzido em vários outros sites. Nesse blog, a garota revelou que foi inspirada pelo filme The Young Poisoner’s Handbook, dirigido por Benjamin Ross em 1995, que conta a trajetória de Graham Young. Adolescente conta em blog como envenenou a própria mãe. Ricardo Anderaós. Disponível em: http://pe360graus.globo.com/noticias360/matLer.asp?newsId=37820 . Acesso em: 19 abr. 2007. |