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Pedagogia Arqueantropológica: na trilha dos Urupá

Pedagogia Arqueantropológica: na trilha dos Urupá
Por Josélia Gomes Neves
publicado em 12/05/2006

http://www.partes.com.br/educacao/urupa.asp

Josélia Gomes Neves Possui graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (1989) – UNIR, especialização em Psicopedagogia (UCAM) e Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela UNIR (2004). Atualmente é professora assistente da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Leciona no Curso de Pedagogia. Estuda e pesquisa na área da Educação e Alfabetização Intercultural, Educação Escolar em contextos indígenas, Didática Etnoambiental, Relações Sociais de Gênero/Currículo. Desde janeiro de 2007 é aluna do Curso de Doutorado em Educação Escolar da UNESP – Campus de Araraquara.
shiva.ro@uol.com.br

Resumo: Pretendemos com este texto refletir a respeito do povo indígena que deu o primeiro nome da cidade de Ji-Paraná, que foi o nome Urupá, sobretudo, indagar: como um nome tão presente na cidade é ao mesmo tempo tão ausente de sentido e significado para sua população? Até que ponto questões como estas implicam em nossa própria constituição identitária? Então no intuito de comunicar saberes em âmbito local é que propomos o referido estudo.

Palavras-chave: Etnia Urupá, Antropologia, Saber local, Pedagogia.

 

O processo de “dar testemunho” capacita os narradores individuais e pode gerar o reconhecimento público de experiências coletivas que têm sido ignoradas ou silenciadas. A história oral pode proporcionar uma afirmação positiva de identidade para o narrador, para os membros de uma comunidade particular e para o mundo lá fora. 

Thomson, Alistair

 

De acordo com Darcy Ribeiro (1952) as relações estabelecidas entre os povos indígenas e as frentes de atração e expansão da sociedade nacional foram caracterizadas pelo extermínio de boa parte destes grupos étnicos. Para o autor de 1900 a 1957 pelo menos 87 nações indígenas deixaram de existir. O processo da incorporação dos índios à nossa sociedade não resultou na assimilação, como se pensava naquela época e sim no que o antropólogo classificou como transfiguração étnica – processo onde diferentes etnias perdem suas particularidades culturais, os chamados índios genéricos. Em Rondônia esse processo não foi diferente:

Quando os exploradores da região do atual Estado de Rondônia iniciaram percorrer os rios afluentes e defluentes do Madeira, Mamoré e Guaporé, foram se defrontando com numerosa raça índia, vivendo de acordo com suas tradições, sendo uns mais agressivos – guerreiros impetuosos, outros menos combativos, mais pacíficos e, portanto presas mais fáceis, sendo espoliados, subjugados nos aldeamentos a que foram constrangidos pertencer, quando terminara para ser receptadores de doenças ou levados escravos para o serviço braçal da agricultura rudimentar.

(SILVA: 1999, p.18)

Nesta perspectiva, situamos o estudo: Na trilha dos Urupá, com vistas a reconstituir fragmentos da História da nação indígena Urupá, que pretende levantar dados e informações que possibilitem o conhecimento e o registro destas populações das quais hoje só temos os vestígios. O que as pessoas que moram no município de Ji-Paraná sabem a respeito da história do nome da cidade, por exemplo? É possível que não tenham conhecimento que a palavra Ji-Paraná, é uma expressão indígena que significa, machado, daí o nome do próprio rio que divide a cidade em dois distritos. E sobre o termo Urupá? O prédio da Prefeitura Municipal é chamado de Palácio Urupá, há também um café muito apreciado, o café Urupá, de onde derivam todos estes nomes, que significado tem esta palavra? Esse desconhecimento talvez represente uma negação à própria história indígena carregada de humilhações, silêncios e violações aos direitos das pessoas que por sua vez acarreta sérias implicações em nossa constituição identitária. São questões como estas que nos motivam e desafiam a produzir este estudo.

A nação indígena Urupá é mencionada em algumas obras escritas de História Regional, entretanto de forma extremamente fragmentada, conforme apresentaremos no decorrer deste trabalho neste trecho específico: A missão religiosa teria sido fundada 40 léguas acima da cachoeira 2 de Novembro, abrangendo terrenos ocupados pelas tribos dos Jarus e Urupás. (SILVA: 1999, p. 19)

De acordo com Amizael Silva (1984), os nordestinos e seringueiros chegaram à região dos Urupá, provavelmente no início o século XX, em função da seca que assolou o nordeste em 1877, bem antes mesmo dos garimpeiros e da estação telegráfica. A conquista do rio Urupá, especialmente, teria sido feita à custa de muitas vidas, devido a ferrenha oposição da tribo indígena que dominava as suas margens e que lhe emprestara o nome ( p.17).

A resistência indígena e da própria floresta se manifestou através de ataques permanentes aos que aqui chegavam, de, piuns, borrachudos, carapanãs, feras, moléstias e outros. Talvez um dos poucos registros existentes sobre a história inicial de Ji-Paraná. Particularmente o Povo Urupá é mencionado até os anos 60, conforme demonstra Medeiros, depois só uma enorme lacuna: Na bacia do rio Ji-Paraná (machado), os Arara, Urupá, Gavião, até a década de 60 atacavam seringueiros ( 2003, p. 67).

Partimos das contribuições metodológicas da História Oral por compreendermos a história humana como uma construção democrática da qual todos fazemos parte e podemos ajudar na sua elaboração. O desejo de saber quem foi o Povo Indígena Urupá sustenta-se na concepção de que é preciso resgatar através da memória, preciosa fonte de registros orais o passado e com ele formas de compreensão do hoje. Por se constituir num jeito pessoal e particular, a História Oral nos ajuda a oferecer explicações, apontando fatos pouco percebidos ou até mesmo ignorados pela historiografia convencional.

Pretendemos com este trabalho colaborar no resgate da história indígena local, inserindo a participação da Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná no esforço de preservação da memória e da cultura dos povos que tradicionalmente habitavam neste território. Sabemos que atualmente as populações indígenas vêm aumentando consideravelmente, isso nos mostra que apesar do impacto, muitas vezes destrutivo e desestabilizador, houve resistência que garantiu e assegurou sua sobrevivência para pessoalmente conseguirem, apesar de poucos, contar a sua história.

Sustentamos a hipótese que a história não contada da nação Urupá pode ser encontrada na memória de quem testemunhou ou escutou informações referentes a estes povos, tais como os Povos Indígenas Arara, Gavião, Zoró, seringueiros, garimpeiros, etc., portanto é possível envidar esforços rumo a construção desta história silenciada. Produzir um estudo sobre a nação indígena Urupá – comunidade étnica existente na região de Ji-Paraná, considerando o recorte a partir do início do século XX numa perspectiva de iniciação ao trabalho científico.

O estudo será desenvolvido por meio das seguintes ações: Levantamento das concepções e significados dos moradores/as de Ji-Paraná, Urupá e Presidente Médici sobre a palavra Urupá; Favorecimento de vivencias em procedimentos científicos e metodológicos apoiados na História Oral; Sistematização de relatos sobre a nação indígena Urupá a partir de fontes orais; Produção e ampliação de saberes locais no âmbito da temática indígena e verificação da relação entre os artefatos encontrados em Ji-Paraná, Urupá e Presidente Médici, como machadinhas de pedra polida, cacos e utensílios de cerâmica, além de pinturas e gravuras rupestres com o Povo indígena Urupá. A pesquisa está sendo realizada desde setembro de 2004 irá até julho de 2007.

O colonizador português via o índio como um ser desprezível, do ponto de vista cultural e sociológico. Como mão-de-obra produtiva mesmo na Amazônia onde o índio revelara-se a principal fonte de conhecimento e a força produtiva, o explorador estigmatizou, caracterizando-o de ocioso, improdutivo. Mesmo sendo o índio durante os primeiros séculos da colonização, o principal agente produtor, condutor da produção e detentor do conhecimento florestal. (MEDEIROS: 2003, p. 35)

Os procedimentos científicos e metodológicos utilizados no desenvolvimento desta pesquisa apoiam-se na História Oral. Conforme assinala Bom Meihy (2002) este procedimento é viabilizado através de técnicas de coleta de dados mediante a utilização tecnológica – uso de gravadores para registro das entrevistas mediante as etapas de: a)transcrição – passagem de todas as palavras de uma entrevista para o registro escrito; b) textualização – transcrição trabalhada, integrando as perguntas, onde o texto passa a ser dominantemente do narrador – figura única ao assumir o exclusivismo na 1ª pessoa. O colaborador revisa o texto. Ocasião em que pode ser retirado ou acrescentado dados de acordo com o/a narrador/a; c) transcriação – texto recriado, refeito e legitimado pelo/a colaborador/a já em sua fase de apresentação pública, o relato propriamente dito. Serão entrevistados/as colaboradores/as, no âmbito do município de Ji-Paraná – RO, Urupá e Presidente Médici. As entrevistas serão realizadas considerando as orientações de Bom Meihy (2002) que propõe: a) pré – entrevista – etapa onde acontece desde a realização dos contactos, apresentação do projeto, planejamento do encontro onde se dará a gravação, com definição de horário, data e local até a testagem do material eletrônico; b) entrevista – onde se retoma o tema do projeto e se salienta o papel do colaborador ou colaboradora, mencionando local e data do encontro, e a entrevista de fato acontece; c) pós-entrevista – etapa em que se agradece a colaboração dada que pode ser através de cartas ou telefonemas. Após a sistematização do texto – transcrição, textualização e transcriação – o/a autor/a entregará a versão para ser autorizada pelo colaborador/a e, uma vez autorizados, os textos poderão ser utilizados no todo ou nas partes, uma ou mais vezes, conforme o que está definido na carta de cessão.

De 2004 para cá já coletamos bastante materiais, tais como: relatos de ex-garimpeiros, seringueiros, indígenas, artefatos como machadinhas, cacos de flecha, panela, vasilhames e outros utensílios, além de desenhos, gravuras e pinturas rupestres. Alguns provocam mais perguntas que respostas… Continuamos. Parafraseando o cineasta Adrian Cowell, na trilha dos Urupá. Mais que respostas, vale a busca.

Referências

BOM MEIHY, José Carlos Sebe. Manual da História Oral. São Paulo: Loyola, 2002.

HUGO, Vítor. Desbravadores. São Paulo: 1959.

MEDEIROS, Edílson Lucas de. Rondônia: terra dos Karipunas. Porto Velho: Rondoforms, 2003.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das letras, 1986.

_____________. Os índios e a civilização. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.

PINTO, Roquete. Rondônia. 6. ed. São Paulo: Ed. Paulista, 1975.

SILVA, Amizael Gomes da. No rastro dos pioneiros: um pouco da história rondoniana. Porto Velho: SEDUC, 1984.

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