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Revista Partes – Ano V – 22/04/2006
Uma breve contribuição para o ensino da Matemática
João Gomes Moreira[1]
Resumo
Este artigo é o resultado de análises e reflexões efetuadas sobre a metodologia do ensino de matemática. Descreve, sob o prisma da ótica holística, o processo ensino-aprendizagem partindo da perspectiva da Teoria do Caos. A análise centra-se na aula, na personalidade e modus operandi do professor. Destaca a influência das Tecnociências sobre o pensamento e o planejamento do sistema de ensino. Examina brevemente a questão da dinâmica do processo ensino-aprendizagem e sua relação com a compreensão da linguagem.
Palavras-chave: aula, personalidade, tecnociências, professor, metanóia.
Abstract
This article is the result of analyses and reflections effected on the methodology of the mathematics education. It describes, under the prism of the holistic optics, the process teach-learning leaving of the perspective of the Theory of the Chaos. The analysis is centered in the lesson, in the personality and way operandi of the professor. It detaches the influence of the Techno science on the thought and the planning of the education system. It briefly examines the question of the dynamics of the process teach-learning and its relation with the understanding of the language. Word-key: lesson, personality, Techno science, metanoia.
Introdução
“A matemática não é apenas outra linguagem:
é uma linguagem mais o raciocínio;
é uma linguagem mais a lógica;
é um instrumento para raciocinar“.
Richard P. Feynman (☼1918 – †1988)
Através deste trabalho pretendemos compartilhar algumas reflexões e inquietações que ocorreram ao longo da trajetória da vida acadêmica e docente. Ensinar é uma atividade que tem dupla dimensão: técnica e arte simultaneamente. E circunscreve-se em uma realidade que abrange diferentes atores: aluno; professor; autores dos prospectos; ideólogos da educação; tecnocratas; burocratas; o conteúdo; instrumentos pedagógicos (teorias, princípios) e didáticos. Além disso, efetiva-se num ponto geográfico-temporal determinado. As influências culturais podem (consideravelmente) também influir nesta nobre tarefa de educar. Neste trabalho abordaremos a metodologia sob o foco de uma concepção holística do processo de ensino-aprendizagem. E o ponto de partida destas reflexões é a perspectiva da Teoria do Caos[2].
Aula, personalidade e ação
Cada aula é um evento único. Os erros e acertos, deste momento, em uma sequência linear (na trajetória do tempo) podem determinar o sucesso ou insucesso de professores e alunos. Pois:
Uma pequena perturbação, tão fraca quanto o bater de asas de uma borboleta, pode, um mês depois, ter um efeito considerável, como o desencadeamento de um ciclone (ou, pelo contrário, o fim de uma tempestade), em razão de sua amplificação exponencial, que age sem cessar enquanto o tempo passa. Efeito borboleta. (E. Lorenz. Apud Bergé, 1996).
A aula é uma micropartícula de um macro-projeto denominado Matrizes Curriculares de um curso. Na ordem hierárquica está delimitada dentro de uma carga-horária que foi dividida dentro do escopo do ano letivo. Cada dia de trabalho, para o professor impõe-se o paradoxo de trafegar entre blocos estruturais fixos (preenchimento de diários; o conteúdo programático; datas pré-determinadas para cumprimento sequencial de determinados tópicos, etc.) e flexíveis:
É como se cada disciplina e cada turma de alunos formasse uma situação única para a qual devesse haver uma técnica exclusiva de ensino a fim de atingir o objetivo maior da compreensão plena. Por este motivo ensinar é uma arte, pois um objeto de arte é único e o seu criador deve ter disponível no momento da criação, não apenas os equipamentos e as técnicas, mas também a inspiração intuitiva e a perfeita harmonia entre estes recursos e o público alvo: os aprendizes.
O segredo para ser um bom professor está então revelado no parágrafo acima. Conheça o conteúdo, desenvolva técnicas de ensino, inspire-se para ser muito mais que um instrutor, abra sua mente para a intuição, desenvolva a sensibilidade, tenha uma visão ampla e profunda de si mesmo e dos que lhe ouvem, escolha bem os personagens do palco e crie sua obra de arte: a Educação (Nataraja, 2005, p.1).
Portanto o professor em formação deve compreender a necessidade de autoconhecimento e equilíbrio e encarar suas atividades docentes de modo pró-ativo, colaborativo e com vivacidade. Porque as principais atribuições de sua função de educador, no século XXI estão baseadas em um conjunto que integra quatro diretrizes: “aprender a fazer; aprender a conhecer; aprender a conviver; aprender a ser” (cf. Jacques Delors, 1996)[3]. O desempenho dos alunos cresce a proporção direta e proporcional caso tenham professores “com liderança positiva e criatividade (grifo nosso) para inovar nos métodos pedagógicos” […]. Professores que acreditam no seu potencial e investem nas habilidades de seus alunos fazem a diferença na prática pedagógica ao adaptar métodos e inovar nas técnicas para transformação de suas aulas (Revista do Provão, 2001, p. 39).
As Tecnociências e sua influência sobre a educação
O século XX foi pródigo em evoluções e revoluções científicas e tecnológicas. O primado da técnica sobre a humanidade se manifesta numa multiplicidade de relações e eventos cotidianos. Alguns pensadores como:
Ellul [1968]; Toffler [2001, 2003]; Castels [1999]; Valente [1999]; Postman [1994, 1999]; Granger [1994]; Setzer [2001]; Roszac [1991]; Lévy [2000, 2003] analisaram profundamente suas influências sobre as relações de trabalho, economia e educação. Não pretendemos nos deter sobre o uso das ferramentas proporcionadas pelas Novas Tecnologias de Informações e Comunicações [NTCI´s], mas observar (metanóia)[4] que estas grandes mudanças impostas pelas tecnociências influenciaram também o pensamento e o planejamento do sistema de ensino. Por exemplo: a difusão de Ensino à Distância – EaD; educação corporativa; e-learning; comunidades de aprendizado; teleconferências; flexibilidade de parte do programa presencial de aulas[5], etc. Acreditamos que é necessária uma análise partindo de uma perspectiva histórica a fim de estabelecer relações com a forma efetiva de ensino de hoje, bem como elaborar cenários prospectivos para moldar o futuro. Porque “Um professor que apenas sabe instruir pode ser tranquilamente substituído por um computador. Por outro lado, a educação visa formar uma consciência inteligente capaz de absorver quaisquer informações e produzir suas próprias informações”, (Nataraja, 2005, p.2). Para tanto é mister um ambiente rico em recursos materiais e o professor deve ter a habilidade de manipular (multimeios) equipamentos tecnológicos e eletrônicos modernos. Forjar um cidadão “aprendiz do futuro”[6]; trabalhar para o desenvolvimento da capacidade de analisar casos, trabalhar com variáveis, resolver problemas, de tomar decisões conscientes, saber argumentar, expressando com lógica o seu pensamento a fim de torná-lo um cidadão crítico, criativo, participativo, ativo e autônomo. “Para isto analisar dados estatísticos e, com base nessa análise, chegar á conclusão do que” “pode ser” e qual a sua chance de acontecer, é uma das maiores contribuições da Matemática na educação do cidadão” (Lopes, 2000, p.9).
Professor: novo papel ou nova visão?
A dinâmica do processo ensino-aprendizagem ocorre em primeira instância pela compreensão da linguagem (metaconhecimento). E é neste ponto que o “trem descarrila” porque a Matemática é antes de tudo uma linguagem, um sistema de notação neutro. Em sua obra: “ Cálculo de uma variável” Robert T. Seeley (1973, p. 1) declara que:
[…] Também houve melhorias em notação por muitos, incluindo René Descartes, com o abandono da comunicação verbal pesada, substituindo-a por símbolos muito parecidos com os nossos de hoje. (Este passo é mais importante do que parece. Uma boa notação economiza não somente espaço e papel, como também espaço na memória e esforço do cérebro, coisas difíceis de serem conseguidas.)
Corroborando com esta assertiva Simões, (2005) amplia a explicitação sobre as concepções, definições e aplicações da Matemática afirmando que:
Antes de mais, ela é útil para promover o pensamento estruturado e o raciocínio rigoroso. Por outro lado, a sociedade evoluiu exigindo cada vez mais conhecimentos matemáticos a todos os cidadãos. Um arquitecto dirá que a Matemática é útil para auxiliar a percepção e a criação da beleza; um engenheiro dirá que é útil para reforçar e aprovar experiências; um físico dirá que é útil por ser a linguagem da ciência; um político dirá que a Matemática orienta-o na administração e na implementação de leis; um psicólogo afirmará que o auxilia no tratamento estatístico de inquéritos; um matemático mostrará que um corpo matemático é útil quando for aplicável a outro corpo. A matemática é um saber necessário a todas as disciplinas e ciências, devido ao seu rigor. Deste modo se mostra que as outras ciências não se desenvolveriam se a matemática não existisse e não fosse estudada” (Simões, 2005).
A Matemática apoia a estrutura das línguas com a Lógica. A esta matemática que é utilizada fora de si mesma chama-se matemática aplicada. E milhares de outras subcategorias da matemática podem aplicar-se a diversos outros saberes. Até a investigação criminal poderia bem ser considerada um ramo da matemática, como chegou a afirmar Conan Doyle, (Simões, 2005).
De modo similar Riccetti (2001, p. 19) contribui para o entendimento de matemática como uma linguagem, pois ela faz uma declaração que é uma verdadeira analogia e reforça o enfoque desta ciência integrando-a as atividades da vida cotidiana:
Fazer matemática é expor ideias próprias, escutar as dos outros, formular procedimentos de solução de problemas, confrontar, argumentar e procurar validar seu ponto de vista, antecipar resultados de experiências não realizadas, aceitar erros, buscar dados que faltam para resolver problemas, entre outras coisas.
E a incompreensão não permite a abstração do conceito dificultando a assimilação. Os códigos que são emitidos pelo professor-transmissor precisam encontrar “eco” na mente do receptor. O receptor precisa ter as competências de: compreender, aplicar, analisar e sintetizar (cf. Taxonomia de Bloom (1956); e/ou a Taxonomia de Bloom revisada por Anderson e Krathwohl (2001)). As competências de integrar, deduzir e recriar o conhecimento. Porque o “conhecimento é um entrelaçamento de significados”, (Rodrigues & Moraes, 2003). Para vencer os desafias da educação matemática neste novo milênio os professores precisam efetuar “a fertilização cruzada de ideias é crucial para a saúde tanto das ciências quanto da matemática” (Gromov, apud D´Ambrósio, 2001, p. 16).
Conclusão
Constatamos que a associação pró-ativa e colaborativa entre os pares da universidade permitem uma proximidade real e objetiva na troca de ideias e compartilhamento de ideais para o progresso da ciência e tecnologia na região da Amazônia Ocidental. A experiência na docência neste ano aponta para diferentes clivagens de alunado com relação ao entendimento da exposição e leitura de conteúdo programático. Porém a vontade de aprender supera, sensivelmente, a precariedade do veículo (a língua/linguagem) na interação da comunidade de aprendizado. As dificuldades da linguagem não toldam a esperança de um auspicioso futuro.
Acreditamos que a fertilização cruzada de ideias é uma premente necessidade para que ocorra uma visão e ação de transformação de atitude entre professores e seus respectivos pares de outras áreas do conhecimento. Uma rede real (semelhante às redes virtuais) de professores pesquisadores e estudantes pode ser uma das respostas para alguns dos problemas que rondam o sistema de educação. Um exame da práxis permitirá que professores e alunos, irmanados, construam conhecimento novo e significativo. A metanóia será uma das palavras-chave para o novo século.
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[1] . Professor de Metodologia da Pesquisa em Educação do Departamento de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Rondônia. Mestre em Educação e Doutor em Ciência da Informação. E-mail: joaogomes@bol.com.br – blog: www.cavernadeplatao.blig.ig.com.br
[2] . A Teoria do Caos postula que mudanças infinitesimais em condições iniciais podem modificar completamente os resultados finais, e que uma ordem mais profunda pode ser encontrada em fenômenos anteriormente considerados demasiadamente complexos para ser integrados num modelo (cf. REVISTA DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO, 1991).
[3] . Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors. O Relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir (UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999). Disponível em: www.infoutil.org/4pilares/text-cont/delors-pilares.htm . Acesso em: 29 set. 2005.
[4]. Metanóia – palavra grega que significa: uma nova maneira de enxergar a realidade. É transformação. É livrar-se dos entulhos liberando espaço para o novo. Todos falam em mudança, mas poucos realmente mudam (cf. RODRIGUES, Gabriel. Metanóia. Revista Ensino Superior. São Paulo: Segmento, 2002. nov. p.10-11.
[5] . Portaria nº 2253 de 18 de Outubro de 2001.
A portaria do Ministro da Educação institui que os Institutos de Ensino Superior (IES) do Brasil poderão, a partir de agora, oferecer até 20% de suas disciplinas na forma de cursos não presenciais. As avaliações finais destas disciplinas serão feitas na forma presencial, bem como os métodos e práticas de ensino – aprendizagem deverão utilizar tecnologias integradas de informação e comunicação. http://www.unesp.br/virtunesp/regulamentacao/port_mec_225301.php.
[6] Título de livro de: Dimenstein, Gilberto. Aprendiz do Futuro: Cidadania Hoje e Amanhã. São Paulo: Ática, 2003.