Nossos Anos Loucos e A Leitura dos Clássicos – Um Breve Debate
Por Fernando Arosa
Publicado em 04/11/2005
Estamos vivendo um período muito difícil, divisor de momentos, raptor de ideologias, fragmentador. Essa pode ser uma leitura do mundo. A outra: estamos vivendo um período muito rico: tantas teorias, tantas práticas diversificadas em que o indivíduo se reapresenta, muda, “desfragmenta”, pensa no hoje a cada um segundo. Quantas leituras podemos fazer de nós mesmos?
A leitura de um texto é um comportamento quase incompatível com o ritmo que se impõe aos nossos possíveis leitores. Para se ler uma primeira página, é preciso, no mínimo, o apelo. Que apelo fazemos para quem não conhece um prazer subjetivo? O prazer da leitura de um livro é altamente envolto em subjetividade, desejo, escolha! E vou mais longe um pouco: quem, hoje, propõe a leitura do mundo? Temos discutido nossas questões?
Seguindo ainda a ótica do prazer, pergunto: o prazer que procuramos num livro é o mesmo que somos levados a comprar diariamente nos supermercados, shoppings centers …? Estamos diante de duas realidades distintas: o prazer individual “consciente” e o prazer que nos é “imposto”(sem que nós reflitamos) nos produtos de massa. Imagine a seguinte situação: segunda-feira, oito horas da noite, você em casa e a tv ligada; no horário de intervalo, é projetada sobre sua telinha, uma bela jovem, sentada numa confortável poltrona, lendo um livro. Em seguida ouviremos: experimente você também, leia “O Apanhador no Campo de Centeio de J.D. Salinger”. Ou ainda, na mesma situação: “Não percam, vocês viverão muitas emoções, lendo o novo livro de Rubem Fonseca.” E, posteriormente, um anúncio de uma peça teatral, de um concerto de música no Municipal e para fechar, um chamado para uma palestra com o grande historiador Eric Hobsbawm. Temos ou não temos problemas para formar um público leitor?
A questão da leitura passa não só pela questão do livro, passa pela organização social. Temos um plano de consumo que tem que ser desenvolvido e o público deve ser convencido a comprar, a comprar e a querer repetir a mesma compra ou desistir da que comprou para trocar por outro produto que lhe dê o prazer do uso propriamente dito, ou o prazer do status…essa é, sem dúvida nenhuma, uma leitura do mundo do consumo, onde não está previsto o prazer intelectual.
A leitura do livro, seja ele clássico ou não, traz antes do ato em si barreiras sociais relevantes que não podemos deixar de analisar. Quem no Brasil pode comprar um livro de dez reais? Por que no nosso país “não se pode” editar livro com papel jornal? Nós não temos uma política real de leitura, de formação de um público leitor. Isso é papel de quem?
Quanto ao debate acerca do texto clássico, vejo que a cada tempo que passa diariamente temos maior dificuldade em buscar conceitos sobre as coisas, talvez por medo acadêmico, talvez pela marca de nosso tempo: a incerteza. Os estudiosos no assunto definem clássico como aquele texto que ultrapassa seu tempo, levando consigo suas questões, sendo provocadores em qualquer atualidade. Um clássico pode nos causar inquietações assim como um texto que acabou de ser escrito. Torna-se clássico aquele que se transforma em ponto referência, motivo de lembrança, saudade daquelas palavras…
O maior problema da leitura do texto clássico em sala de aula está no âmbito da diferença e da formação da imagem. A diferença da linguagem, sim, pois é natural comparar o texto de hoje com o texto de ontem, a diferença de algumas questões vividas pelos personagens, a diferença do mundo. Nossos jovens não lidam bem com as diferenças, aliás, todos lidam muito mal com isso. Fica trabalhoso também quando se tem que deixar a imagem aparecer lentamente no imaginário, quando se tem que ter a paciência da criação de um produto cheio de sensações, mas que não está pronto: tem que ser composto aos poucos.
O papel do educador mais uma vez será o de quebrar as resistências, criar ambientes de leitura-acompanhada, em que o leitor tenha o início da leitura garantido, com esclarecimentos, incentivo à pesquisa, discussões etc.
Clássicos? É óbvio!
Na Literatura, na Música, na Pintura, no Cinema, nas Artes Plásticas, …
Fernando Arosa é professor