Por Julio Cesar Sacramento
Revista Partes – Ano V – março de 2005 – nº 55 como <www.partes.com.br//politica/jcsacramento/poder_local.asp
Revelando-se muito mais dinâmica do que apenas uma simples disputa pelos rearranjos nos projetos de gerenciamentos das cidades, as eleições municipais em 2004 apontaram para cenários que indicam uma preocupação de candidatos e direções partidárias com o fortalecimento do poder local. Em que pese todas as expectativas que os principais partidos políticos possam ter em relação aos processos eleitorais em níveis estadual e federal, a disposição empreendida por eles nessas contendas mostraram a importância e a influência do local no contexto nacional.
No Brasil, o debate envolvendo o poder local ganha força a partir da Constituição de 1988, quando se inicia o processo de descentralização envolvendo temas como educação e saúde que começaram a fazer parte da gestão pública dos municípios. Desde então, governos municipais vêm sentindo um aumento progressivo da responsabilidade ao ter que procurar soluções em áreas como saneamento básico, política ambiental e segurança pública. Além disso, projetos como geração de trabalho e renda, qualificação profissional e desenvolvimento econômico cujas ações até pouco tempo atrás eram tratadas em âmbito federal, tendo no limite uma corresponsabilidade dos estados estão cada vez mais no centro das preocupações dos governos municipais.
Nas eleições municipais, sobretudo na cidade de São Paulo, vários analistas apontaram uma ampliação do pleito municipal para as esferas estadual e federal, o que se traduzia segundo eles em uma disputa antecipada das eleições de 2006 entre o PSDB do governador Geraldo Alckmin e o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda que correta essa avaliação, ela não pode ser analisada de forma isolada, não podemos deixar de levar em conta que a disputa eleitoral, em questão, envolvia o comando de uma das principais prefeituras do país e o dimensionamento da campanha pode, ao contrário, ter sido parte de uma estratégia dos candidatos para vencer as eleições.
Se voltarmos ao momento eleitoral, possivelmente podemos chegar a conclusão que os candidatos tentaram mostrar ao eleitor uma imagem de grandes articuladores de recursos para implementar seus projetos e promessas de campanha. E isso pode ter ocorrido porque candidatos e governantes interpretaram que o eleitor está cada vez mais preocupado com o que acontece em sua volta e dessa forma, demonstrava claras intenções de eleger um governo local que se mostrasse capaz de trazer benefícios para o município. Não por acaso os candidatos Marta Suplicy e José Serra tentaram mostrar aos eleitores que seriam capazes de proporcionar vantagens ao município através do estabelecimento de uma parceria com os governos federal e estadual, respectivamente. Da mesma forma, o governador Alckmin e o presidente Lula trataram de confirmar a disposição em apoiar o município, deixando bastante claro para a opinião pública com qual candidato preferiam estabelecer a parceira.
Ganhar a eleição mostrando que há de fato uma ligação das ações locais com as ações gerais me parece o objetivo mais provável e neste aspecto, ninguém pode negar que houve por parte dos candidatos um grande empenho. Apesar de ser positivo esse esforço, percebe-se também que ele foi muito mais vigoroso no período eleitoral, ora para exaltar os feitos da administração e mostrar que essa articulação é possível, ora para denunciar as não concretizações. No entanto, mesmo tendo como principal objetivo vencer a eleição, não foi ignorado pelos partidos e seus candidatos o significado político que o seu resultado provocaria na correlação de forças dos governos federal e estadual e também no processo de sucessão presidencial. A impressão que fica é a de que está bastante claro que todos tem a total dimensão que as eleições municipais contribuem para a construção de cenários, principalmente o cenário estadual, especialmente, quando se trata da principal capital brasileira. Todavia, sabem também que esses fatos contribuem, mas não podem ser considerados como definidores.
A julgar pelo momento eleitoral, podemos dizer que governantes e direções partidárias compreendem concretamente a dinâmica do poder local e entenderam os acenos cada vez mais crescentes do eleitor mostrando que a melhoria da qualidade de vida deve ter reflexos no local onde ele mora, trabalha, estuda e se relaciona, ou seja, ele quer sentir mais próximo de si os benefícios das mudanças anunciadas em níveis estadual e federal. Mas a julgar pela dinâmica implementada em períodos pós-eleitorais, provavelmente o eleitor só voltará a presenciar esse debate o ano que vem, sobretudo, porque os partidos ainda irão passar pelo processo de debates e de disputas internas para a escolha de seus candidatos e da estratégia que irão implementar para ganhar as eleições.
Diante de tais caminhos, somente resta esperar que a manifestação do eleitor nas urnas em diversos municípios do Brasil nos permita criar uma expectativa de que mesmo havendo esse refluxo nas discussões sobre poder local, será inevitável nas próximas eleições o estabelecimento de relação entre local, estadual e federal. Se não for este o desejo de candidatos, governantes e seus respectivos partidos políticos, pelo menos torcemos para ser cada vez mais o desejo do eleitor.