Por Mario Persona
Revista Partes – Ano V – fevereiro de 2005 – nº 54
Um fim de tarde, não em Itapuã, mas na igualmente baiana Costa do Sauípe.
Diante de mim, um mar que não tem tamanho sem arco-íris no ar, pois era noite respingada de luar. Fechei os olhos para enxergar melhor o vento farfalhando as folhas dos coqueiros, salva de palmas que concorria com o ribombar das ondas. No dia seguinte eu falaria de estratégia em vendas a um grupo de empresários. Agora eu não falava, só ouvia.
Logo o jantar seria servido no regaço dos coqueiros, à luz de tochas despenteadas pela brisa. Que, promovida a vento, começava a desnudar as pernas das mesas elegantemente vestidas em toalhas de um branco selênico.
Garçonetes à baiana rodavam os últimos detalhes, enquanto o branco de suas rendas fugia com a lua num turbante de nuvens. Podia chover.
Trezentos comensais de prato na mão ouviram as primeiras gotas, que não eram de saliva, tinindo a louça. A chuva chegou com um furor maior que meu suco gástrico, calibrado para afogar os peixes da travessa aonde arremessara meu anzol mental. Trezentos atletas improvisados dispararam em busca de novo prêmio: um abrigo.
Assim são as circunstâncias nos negócios. Como a chuva, não escolhem nem hora nem lugar. Circunstâncias são coisas que não podemos mudar. Imersos nelas, navegamos ao sabor de suas ondas, levados pelo capricho de seus ventos. Marinheiros sabem que não há como evitá-las, pertencem ao mar, são cúmplices por natureza. Mesmo assim navegam, pois não podem parar.
Na manhã seguinte, participamos de uma dinâmica de grupo, anotamos numa folha de papel os três principais culpados por nossos fracassos e caminhamos pelo salão. Cada um devia ler os culpados que o outro trazia no peito, só para descobrir que eram iguais aos seus. Se nem todos estavam num mesmo
barco, navegavam num mesmo mar. Sujeitos às mesmas chuvas, impossíveis de deter ou mudar.
Política econômica, trabalhista, cambial e o escambal. Os culpados de cada um eram as circunstâncias visíveis, presumíveis, mas imprevisíveis. Para alguns era o concorrente, que podia ser o peito bem à sua frente. Outros culpavam Sadam, Bush e o aquecimento global por seu fracasso local. O culpado de cada um estava no peito, mas não era seu o defeito. Será que culpar as circunstâncias é comum nos negócios? Meu trabalho de consultor parece mostrar que sim.
Se ainda não percebeu, consultor é aquele que cobra para aprender com o cliente. Depois, cobra para criticar e insultar, apontando as falhas de seu negócio. É quando é chamado de “insultor”. Finalmente, cobra para dar conselhos, contrariando o dito popular – “se conselho fosse bom ninguém dava, vendia”. Cobra, cobra, cobra, três vezes! Diferente do médico, cujos símbolos, Esculápio e Caduceu, trazem a cobra só uma ou duas vezes, enroladas num bastão. Talvez por cobrar um ou dois terços do que cobra um consultor.
Mas quando o consultor é bom, às vezes é preciso pagar para ver a empresa lucrar. Geralmente descubro que o problema está mais dentro do peito do que apenas colado numa folha terceirizando a culpa. Experimente entrevistar empresários, clientes e funcionários de uma mesma empresa e descobrirá mundos distintos. Mundos que mais parecem os mundos paralelos da ficção científica, nunca se encontram, mas sempre interferem. É quando as forças ocultas levam a culpa.
Empresa má de gestão é a que não toma um “mea culpa” de meia em meia hora.
Abriga-se numa trincheira tão ampla quanto seu umbigo e passa a culpar as circunstâncias. Foi isto que falei ao abrir minha palestra. Diante de olhares atônitos, louvei a chuva, que lavou o jantar da noite anterior, como um dos pontos altos do evento. Ninguém parecia acreditar que eu falava sério. Nem a diretora do evento.
Antes que viessem trovoadas, expliquei que a chuva servira de trampolim para uma gestão que não leva em conta as circunstâncias adversas. Mantém a peteca no ar. Ninguém precisou se resignar a um lanche de bolachas ou a uma sopa fria de salvados do naufrágio. Não. Antes que a chuva parasse, um novo e abrigado jantar estava servido. Um drible nas circunstâncias. Exemplo da boa gestão, que ao invés de reclamar do inevitável, age, se refaz, e encontra uma solução. Apesar das circunstâncias.
Mario Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Veja em www.mariopersona.com.br