Um mundo sem Wilson
Por Conrado Adolpho
Revista Partes – Ano V – janeiro de 2005 – nº 53
Tom Hanks, em Náufrago, sozinho em uma ilha deserta, luta contra as forças da natureza e contra a sua própria solidão. Seus sofridos dias são amenizados com a presença de um novo amigo – Wilson – uma bola de vôlei que se torna seu fiel escudeiro.
No mesmo filme, em uma das cenas que mais me marcaram, o personagem vivido (ou melhor, sobrevivido) por Hanks vê seu amigo de couro cair no mar e tem que escolher entre segui-lo para a morte ou continuar vivo…e sozinho.
Por que a decisão para ele foi tão difícil, se para nós pareceu tão fácil?
Porque o único mundo que ele conhecera nos últimos quatro anos era o que ele e Wilson dividiam.
Separar-nos de algo que nos parece certo e irmos em direção a qualquer outra situação nos é psiquicamente bem custoso, ainda mais quando não sabemos para onde seguir. Para Hanks, não existia um mundo sem Wilson, até aquele momento.
Iniciei falando sobre Tom Hanks, mas esse artigo não é sobre ele. É sobre um mundo sem Wilson.
Considere alguns dados:
A distância entre países ricos e países pobres se transforma dia a dia na distância dos países muito ricos e países miseráveis.
No Brasil, nos últimos 10 anos, foram vendidas quase 700 empresas lucrativas para o capital transnacional, dentre estas, umas 40 estatais.
A educação está se reduzindo a preparar indivíduos para o mercado de trabalho, em detrimento da produção de conhecimento.
O FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o McDonalds estão mais presentes nas nossas vidas do que “bife com batatas fritas”.
Os quatro parágrafos acima me revelam uma só verdade: o sistema atual, no qual a sociedade capitalista está estruturada, fracassou.
O maior problema talvez não seja esse, e sim que a maioria da população mundial não sabe exatamente o que está errado. Uns dizem que é a educação, outros, a má distribuição de renda. Ainda há os que colocam a culpa na violência ou na propaganda.
Se existe algum culpado, é o sistema de sociedade que criamos, endeusamos e acreditamos ser o único viável – o neoliberalismo.
O pensamento neoliberal, que se fortalece no início da década de 80 no mundo, e, em 89 no Brasil, é o sistema da exclusão, da competitividade, da “taxa natural de desemprego”. Esse é o jogo para o qual nos preparamos. Futurólogos e gurus do mercado nos dizem o que fazer para sermos bem-sucedidos: MBA, inglês, informática, uma boa faculdade, experiência no exterior, etc, etc, etc.
A cada ano as exigências aumentam e as garantias diminuem. Deve haver algo errado.
Contra fatos não há argumentos. O desemprego está galopante, a crise cada dia se faz mais evidente e quando a coisa fica realmente preta, o que fazemos? Compramos livros de auto-ajuda e nos apegamos às nossas esquecidas crenças.
Isso porque sabemos, contra crença, não há fatos.
Deve existir uma saída. Um desenvolvimento sustentável.
Eu também não a conheço direito e não sei qual o caminho para chegarmos lá. Só conheço o mundo com Wilson. Um mundo sem ele me parece impossível.
Para descobrirmos alternativas temos que enfrentar a dor da separação e navegarmos para outras terras, fora das nossas limitadas consciências, irmos um pouco além das sombras e sairmos da caverna, que acreditamos ser a única.
Alguns caminhos são apontados por alguns aqui e outros acolá. Poucos e preocupados visionários vagando em uma terra de cegos.
A responsabilidade social é um desses caminhos e o único através do qual entrevejo um novo mundo.
Não estou falando da preocupada responsabilidade social expressa pelo Banco Mundial em frase homérica: “As pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas”.
Falo da real preocupação com vidas humanas, sem a necessidade de premiações ou aplausos. Não falo somente da burocrática responsabilidade social das empresas, a “caridade ISO 21000”, mas aquela que deveria partir de cada um de nós. A responsabilidade social com a escola de nosso bairro, com o nosso vizinho, com um menino de rua, com nossos próprios entes queridos.
Você pode chamar isso de “responsabilidade social pessoal”, se assim o quiser, mas lembre-se de Shakespeare quando imortalizou nas falas de Romeu e Julieta a frase “Aquilo que chamamos rosa, com outro nome seria igualmente doce”.
Dêem o nome que quiserem, criem a ISO que for, mas a ação não necessita de burocracia ou de prêmios.
Invertendo Guimarães Rosa “O capinar é sozinho, mas a colheita é comum” – a ação começa no indivíduo.
Precisamos realmente fazer algo pelo próximo.
Precisamos jogar fora nossos “Wilsons” e fazer uma escolha pela vida. Talvez, só assim, consigamos vislumbrar um novo modelo de sociedade sustentável.