Por Gilberto da Silva
Revista Partes – Ano V – dezembro de 2004 – nº52
Resumo:
O pós-modernismo ou a contemporaneidade caracteriza-se pela utilização da força da imagem na construção de novas identidades e no reforço do consumismo no novo estágio do capitalismo. Neste estudo verificamos esta presença através do estudo de dois autores, Jean Baudrillard e Fredric Jameson.
Palavras Chaves: imagens, pós-modernidade, contemporaneidade.
1. A discussão da pós modernidade
“Na tela, não se coloca o problema da profundidade, não existe o outro lado, enquanto há um além do espelho. Isso não significa que tudo o que aparece como arte tenha a ver com isso; felizmente existem exceções. ” (Baudrillard, 2003:151)
Vivemos na era da predominância das imagens. Um fato só é verdadeiro quando constituído por imagem. O real é a imagem e suas reproduções.
O presente estudo discute os posicionamentos de dois autores: Jean Baudrillard e Fredric Jameson, que assim como Lyotard e Harvey têm marcado a discussão da pós modernidade.
O termo pós-moderno foi usado por escritores nos anos 50/60 e muito utilizado na década de 70 com suas inevitáveis controvérsias.
A intenção do estudo é levantar de forma sucinta a posição dos dois autores quanto ao tratamento que estes dão à força da imagem na sociedade, entendendo a sociedade atual como a sociedade do espetáculo preconizado por Guy Debord.
2. As imagens baudrillardianas
Apesar de Baudrillard, teórico francês nascido em Reins, 1929, realizar uma pesada crítica à sociedade de consumo, o pensador não se identifica como niilista ou pessimista? O pessimista Baudrillard, para seus críticos, vê a imagem uma estratégia: “Qualquer imagem verdadeira, qualquer fotografia verdadeira, são válidos apenas como exceção e, sob esses prismas são singulares.” (Baudrillard: 2003. 15). O conceito de pós-modernidade para Baudrillard não existe que não o uso em suas análises: “A noção de pós-modernidade não passa de uma forma irresponsável de abordagem pseudocientífica dos fenômenos. Trata-se de um sistema de interpretações a partir de uma palavra com crédito ilimitado, que pode ser aplicada a qualquer coisa. Seria piada chamá-la de conceito teórico”. 3
Para Baudrillard quanto todos os indivíduos se convertem em autores ocorre o fim da representação, o fim do expectador: a sua morte. Esquizofrenia social.
Para Baudrillard o que predomina é a linguagem da propaganda 4, da sedução, do poder do convencimento da TV: o poder das imagens em movimento, a identidade se desfaz, se desintegra com o excesso de imagens na sociedade. “um universo que existe cada vez mais informação e cada vez menos sentido”. Com a implosão dos sujeitos a sociedade chegará ao esgotamento?
O sistema social em que vivemos tem a capacidade de integrar em si mesmo a sua própria negação, através dos produtos do espetáculo. Tudo é absorvido pelo sistema. Tudo é incorporado aos objetos industriais e mostrado de forma fascinante pelo mundo do espetáculo.
Baudrillard lança seu pensamento, suas críticas, suas reflexões em pequenos textos, comunicações, Frases curtas e aforismos.
“Procuro refletir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento, como um fotógrafo. Aliás, sou um fotógrafo.” 5
A característica de escrever fragmentariamente o pensador francês retoma dos clássicos autores da teoria crítica como Walter Benjamin e Adorno. Dessa forma, o autor pode escrever sobre diversas coisas tais como: a sedução, o real e o virtual, o valor, o mercado e até sobre a impossibilidade de uma palavra final (o fim) etc.
Baudrillard acredita que a verdade foi substituída por simulacros e que a partir daí perdemos o sentido das coisas. Baudrillard retoma o conceito simulacro dos filósofos gregos e leva este conceito para o de uma imagem que inventa a realidade. O pensador francês fala em simulacro como uma hipótese. Fala também em universos paralelos: “Na imagem, existe um universo paralelo, uma dimensão faltante para cuja conservação deveriam ser envidados esforços e, portanto, arrancá-la a todo universo do visual atual, à enxurrada de imagem.”
Para Baudrillard a imagem tem fases sucessivas, assim classificadas: “reflexo de uma realidade profunda; mascara e deforma uma realidade profunda; mascara a ausência de realidade profunda; não tem relação com qualquer realidade: ela é o seu próprio simulacro puro.” (Baudrillard, 1991: 13).
Para Baudrillard tudo é simulacro: a arte simulacro da arte, a política simulacro da política.
É o predomínio do fingimento, do mascaramento e da simulação. O enterro do social.
“Quanto o real já não é o que era, a nostalgia assume todo o seu sentido.” (Baudrillard, 1991: 14).
3. Jameson e pós-modernismo
“os bens de consumo são também “esteticamente” consumidos” (Jameson, 2001: 138)
O americano Fredric Jameson, professor de crítica literária, entende o pós-modernismo como a terceira fase do capitalismo, tal como apresentado pelo economista belga Ernest Mandel (o capitalismo tardio se expressa-se através das imagens (fragmentárias, desconexas, simulacros) que dominam na sociedade capitalista no estágio da globalização.
O indivíduo, para Jameson, perde sua identidade e toma-se impessoal. A pós-modernidade contém características progressistas e reacionárias. A expressão cultural está amarrada aos aspectos mercado lógicos: a cultura como mercadoria: “nos pensamos enquanto mercadoria”. Tudo provocado pelas mudanças fundamentais no cenário econômico mundial após a Segunda Guerra Mundial e seus efeitos nas relações de trabalho e no processo de globalização. As transformações econômicas impuseram grandes transformações sociais.
Para Jameson a mesmice toma conta da sociedade, uma sociedade sem antagonismos, onde reina o Um absoluto, o reino da cultura.
Jameson estuda a arquitetura e através da crítica da arquitetura mapeia as características estéticas da pós-modernidade.
A sociedade pós-moderna para Jameson é marcada pela falta de profundidade, pelo excesso de superficialidade, segundo o próprio autor “talvez a mais importante característica formal de todos os pós-modernismos” (Jameson, 1996: 35). A imagem é esmaecida no pós modernismo, a profundidade substituída pela superficialidade. O afeto que se encerra…
Jameson vê a natureza como mercadoria. Uma natureza que se transforma em produtos descartáveis. O autor americano critica a lógica econômica e o fim da historicidade.
Para Jameson a “dissolução da esfera autônoma da cultura deve ser antes pensada em termos de uma explosão: uma prodigiosa expansão da cultura por todo o domínio do social, até o ponto em que tudo em nossa vida social- do valor econômico e do poder do estado às práticas e à própria estrutura da psique – pode ser considerado como cultural, em um sentido original que não foi, até agora, teorizado.” (Jameson, 1996: 74)
“A produção de bens de consumo é agora um fenômeno cultural: compra-se o produto tanto por sua imagem quanto por sua identidade imediata. Passou a existir uma indústria voltada especificamente para criar imagens para bens de consumo e estratégias para a sua venda: a propaganda tomou-se uma mediadora essencial entre a cultura e a economia, e certamente pode ser incluída entre as inúmeras formas de produção estética (por mais que sua existência complique nossos conceitos de produção cultural)”. (Jameson, 2001 :138).
4. F. Jameson e J. Baudrillard: um espelho não vê o outro
‘As imagens que se destacam de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum, no qual a unidade dessa vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral como um pseudônimo à parte, objeto de mera contemplação. A espetacularização das imagens no mundo se realiza no mundo da imagem autonomizada, no qual o mentiroso mentiu para si mesmo.” (Guy Debord in: A sociedade do espetáculo. P.13)
Tanto para Jameson, que entende a imagem como forma final da reificação da mercadoria, como para Baudrillard (“a imagem que nos pensa” “onde tudo é imagem, deixa de haver imagem”) compreender a força da imagem é fundamental para compreender a sociedade pós-moderna (no caso, Jameson) ou contemporânea (Baudrillard).
O americano Jameson e francês Baudrillard (mesmo este com uma certa reticência bebem em Guy Debord, filósofo francês morto em dezembro de 1994 e que influenciou o movimento de 68 na Europa:
“Há muito tempo Guy Debord já havia nos descrito como uma sociedade de imagens consumidas esteticamente”. (Jameson, 2001: 139). Baudrillard cita Debord em várias passagens da sua entrevista a François L’Yvonnet. (Baudrillard, 2003).
Tanto em Jameson, quanto em Baudrillard o social está sendo determinado pelo cultural, mas é mais preponderantemente em Jameson quando o americano concorda com transformação da cultura em uma verdadeira segunda natureza.
“O mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação a tudo que produzem.” (Debord, 1997: 28).
É significativo notar que os dois autores estudados recorrem também com freqüência ao livro Mitologias, de Roland Barthes, assim como utilizando conceitos do estruturalista francês.
5.O niilista e o utópico
Percebe-se um Jean Baudrillard, crítico da contemporaneidade, um tanto confuso,preocupado em não assumir esta ou aquela corrente teórica, ora navegando pelas águas do marxismo (o estrutural-marxismo), ora negando-o e, de certa maneira um tom de ironia em suas palavras. Parece que em certo sentido o pensador francês ignora conceitos como estado, classe, poder etc. Parece “não estar nem aí”, pois como ele mesmo afirma: “o mundo é que nos pensa, é o objeto que nos pensa. ‘
Fredric Jameson, crítico do pós-modernismo, apresenta-se em seu texto teoricamente mais seguro, mais dialético, apostando numa reformulação marxista da realidade tendo como premissa a concepção histórica. Jameson utiliza os conceitos da psicanálise (principalmente Lacan), do existencialismo e da semiótica. O pensador americano, portador de uma herança estruturalista é também um utópico, na medida em que acredita numa luz no fim do túnel.
Bibliografia Básica
BAUDRILLARD, Jean. De um fragmento ao Outro. São Paulo: Zouk, 2003.
. Senhas. Rio de Janeiro: Difel, 2001
. Simulacros e Simulação. Lisboa: ed. Relógio D”água, 1991.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
JAMESON. Fredric. Globalização e estratégia política.ln Contracorrente: o melhor da New Left Review em 2000, Emir Sader (org). Rio de Janeiro: Record, 2001.
Notas
11. F. Lyotard com o livro A Condição Pós-Moderna e David Harvey com o livro também intitulado A condição pós-moderna.
2 “Nietzsche é, portanto, o autor sob cuja sombra tenho evoluído, mas sem o ter desejado, nem mesmo verdadeiramente o saber.” Palavras de Jean Baudrillard na entrevista dada a François L’Yvonnet. No livro De um fragmento ao outro. Editora Zouk. 2003.
3 Em entrevista concedida à revista Época, n° 264.
4 Importante notar no recente livro Publicidade: é possível escapar? (São Paulo: editora Paulus, 2003) de Cláudio Novaes Pinto Coelho a seguinte passagem: “No contexto social contemporâneo a publicidade é, cada vez mais, um elemento que articula, que estabelece vínculos, entre outros elementos; idéias religiosas, políticas, científicas e mesmo as crenças populares são divulgadas mediante a utilização da publicidade. Isto não significa, conforme argumenta o sociólogo francês Jean Baudrillard no livro Simulacros e Simulação, que a publicidade transformou-se na única linguagem da sociedade capitalista, absorvendo as outras linguagens, mas sim, que a publicidade transformou-se no principal elemento da visão de mundo (ideologia) da classe dominante, a burguesia. A publicidade é um componente essencial da hegemonia burguesa.”
5 Em entrevista concedida à revista Época, n° 264.
6 Esta periodização fica evidente e assumida pelo próprio Jameson na página 61 de A Lógica. Cultural do Capitalismo.
7 “Pode-se admirar a linguagem de Debord, mas está sendo transformada em objeto estético, o que não era, mesmo assim, o caso. Palavras de Baudrillard na entrevista citada acima (p. 30)”