NOÇO PORTUGUÊZ RUIM
Por Vicente Martins
Os professores não tomam os erros ou desvios ortográficos dos seus alunos como ponto de partida para um trabalho de orientação pedagógica em direção à escrita escorreita e ideal, referenciada pelas instituições de ensino, principalmente na produção, revisão e avaliação das redações escolares. Para o trabalho com a língua escrita, a máxima latina errare humanum est deve ser princípio de ensino.
Os erros ou desvios (aos olhos dos linguistas) podem ser, no processo de alfabetização ou de desenvolvimento de linguagem, hipóteses importantes para que as crianças ou jovens , no decorrer da formação escolar, consigam ultrapassar as barreiras da língua e possam se comunicar, principalmente por escrito, como as instituições requerem da sociedade letrada.
A escrita ortográfica depende muito da memória. Por que não explorar mais a memória de trabalho dos educandos? Em geral, as crianças demoram um pouco a estocar todo um conjunto de traços das letras do alfabeto, sobretudo quando minúsculas. Caberia um esforço dos pedagogos em propor e desenvolver uma didática que favoreça a assimilação das formas ortográficas da língua culta.
Um detalhe a considerar: o traçado das letras, a despeito do nosso automatismo, não é tão fácil. Vejamos, por exemplo, letras, quando minúsculas, como p, b, d, q, que trazem os mesmos traços (segmento da reta, semicírculo) , mas são simétricas, com alterações na rotação, direção, sentido, enfim. Olhemos para elas e chegaremos à conclusão de que são tão misteriosamente simétricas e que, por isso mesmo, induzem os alunos à escrita espelhada.
A supressão de algumas letras ou de seus traços grafêmicos, observada nos textos escolares, pode traduzir também a omissão que as crianças (e alguns de nós, adultos, e eu diria, muitos de nós professores) fazemos na produção da fala. Conscientes ou não. Se a supressão ocorre na fala, aí também devemos trabalhar a articulação dos fonemas da língua. Se a omissão das letras ocorre apenas na escrita, um caderno de caligrafia pode em muito ajudar a esse processo de automatismo (como os antigos foram e são, de forma inspirativa, sábios em se tratando de desenvolvimento da linguagem!). Aprender pela repetição, como ensinaram os antigos, ajuda muito no processo de automação das formas ortográficas.
Levamos para a escrita muitas neutralizações da fala, tipo assim: para a forma verbal “vamos”, a gente normalmente diz “vamo”, apagando o “s”, morfema, no final da palavra. Quando a supressão é d sílaba inteira (mas observemos o ambiente fonológico da ocorrência, se no início, no meio ou no fim da palavra), nos assustamos um pouco, mas cabe à criança fazer suas próprias descobertas e, com certeza, logo mais fará a correção lingüística no ensino fundamental, em particular, a partir da 1ª série, esta, uma série que deve cumprir a função de alfabetização e letramento escolar.
Os docentes devem encarar a ortografia como parte da educação lingüística que se desenvolve na escola. É compreensível, todavia,que nós, ansiosos, desejemos, tão logo, o aprendizado, por parte dos alunos, da escrita ortográfica do Português, por vezes, eqüívocas, já que muitas letras do alfabeto representam um só som da fala (fonema) e vice-versa. É preciso que os professores e os pais tenham paciência no desenvolvimento da língua escrita dos educandos.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral.