Por Emerson Souza Gomes
Revista Partes – Ano V – novembro de 2004 – nº 51
Tem se propagado a falsa crença de que o cidadão deve abdicar de direitos e garantias fundamentais estatuídos na Constituição Federal como intangíveis, para que se possa minorar a impunidade e a insegurança pública. Deveras, a ordem social vê-se acoimada pelo fenômeno das organizações criminosas que em determinadas regiões de centros urbanos já constituem poder paralelo ao Estado, e que, sistematicamente, vem se ramificando para outros pólos do país. Da mesma forma, a impunidade é um fator que fomenta o descrédito da sociedade para com as suas instituições, em especial, para com a Justiça. Mais pernicioso, entretanto, é o fato da corrupção – mal endêmico -, aparecer ultimamente aliada ao crime, causando, dentre outras, indignação pública.
É de se considerar que os direitos e garantias fundamentais, em especial os individuais, consubstanciam o resultado de uma luta histórica do homem para preservar a sua dignidade. Nesta ótica, que requer mais do que uma visão contemporânea da questão direitos fundamentais e bem comum, demovendo-nos portanto a acontecimentos como a Revolução Francesa e a redemocratização do país, suprimir direitos individuais não só seria um retrocesso ímpar, mas, igualmente, a confissão expressa de que o Estado e a sociedade brasileira fracassaram no seu ideário por Justiça Social.
Há que se denotar, no entanto, que quando não há comida no prato e o bandido perscruta a porta, a ideologia se transforma em pragmatismo: o problema tem que ser resolvido a qualquer custo, em princípio fazendo cair por terra qualquer discurso indulgente. Sobretudo, se corrupção, fome e criminalidade, são traços marcantes no vernissage deste século em países ditos terceiros no mundo, não se há que, da mesma forma, ser indulgente com os poderes do Estado que, invariavelmente, demonstram-se paliativos à questão social, indiferentes ao brado do povo ou – com eloqüência a falta de unidade nacional – de um povo que habita as vielas do país, postulando por reforma agrária, trabalho, serviço social, dentre outros direitos que a mais das vezes são vistos como favores.
É importante uma visão holística da indevassabilidade dos direitos fundamentais individuais, sob pena de se recorrer ao imediatismo provocado pela falta de consciência política e social, pela demagogia inculta, pela indignação, como também, pela condição sócio-econômica que se socorre, também condena. Ineludível que um movimento de inclusão social, desvestido de filantropia e arregimentado em políticas públicas que invistam aprioristicamente em dignidade, em soberania e em cidadania – dentre outros pontos nevrálgicos, é o único azimute a ser traçado para que não cheguemos a concretizar exemplos extremos que a ficção nos proporciona, como a imposição de câmeras de tv dentro de casas , microchips em seres humanos, ou que pululem ações sectárias, discriminatórias – que coloquemos um muro na favela!
Políticas públicas focadas em infra-estrutura social demonstram resultados, senão imediatos, progressivos, afastando assim o mito de que somente em um prazo de retorno, seremos alhures o país do futuro. Destarte, apenas de contorno, nota-se que a questão de abrirmos mão de direitos e garantias fundamentais por conta de segurança, passa não de través, mas “acerta em cheio” aspectos que envolvem a ordem social e econômica, colocando em xeque o quanto acreditamos nos potenciais do país, em quanto medeia nossa ousadia para nos impormos com autoridade frente ao processo de globalização de capitais, à economia de mercado, aos termos neoliberais.
Outrossim, anterior ao cidadão abrir mão de qualquer direito, a longa manus do Estado é que deve levar o tapa. Se circunstâncias contingenciais postulam por medidas de igual potência, como em se fazer guerra por paz, imediatamente a qualquer discussão sobre reescrevermos a Constituição para admitirmos, por exemplo a pena de morte e a violabilidade da vida privada, ou, antes de sedimentarmos inteligências jurídicas que sob o pálio de prover segurança, restringem direitos em manifesta inconstitucionalidade, todas as possibilidades do direito vigente devem ser aplicadas, como no caso da intervenção no governo de estados e municípios, medida constitucional extrema, mas que como verdadeiro teste de governabilidade, se justifica, sobretudo, pela absolutismo dos direitos individuais.
Em uma analise globalizante, os países apartados no terceiro mundo global, não podem legar tal estigma aos seus cidadãos, tutelando-os um direito de terceiro mundo, a despeito de usufruírem uma Justiça de tal índole. Esta, que desmistificada, mais acalenta o sonho brasileiro de ser um funcionário público graduado, do que alenta aos seus recorrentes, a não ser àqueles que no tempo se comprazem na impunidade, inclusive o próprio Estado, seu cliente contumaz. Se a impunidade é demeritória para as instituições, a maior delas, o Estado Brasileiro, no âmbito dos seus poderes deve velar por uma conduta, deveras, escorreita. Bem assim, a impunidade é um fator de desvalorização dos direitos humanos, e não o contrário, como impropriamente se quer inculcar. Neste brado humanizante, requer-se o investimento em ações antidiscriminatórias, o reconhecimento de que o Brasil é a pátria dos contrastes (geográficos, regionais, culturais, sociais, econômicos), e que nestes, principalmente, a etnia impinge diferenças econômicas e sociais, sendo premissa para a exclusão social, combustível do crime. Não se tenha nisso ser dispensável aperfeiçoar o sistema penal, visto que a perfeição não é estanque, inclusive repensando-se a imunidade processual parlamentar e a federalização dos crimes contra os direitos humanos. Estes por sinal, consoante Pugliese, mais que federalizados devem ser bem definidos sob pena de uma reforma inane. Quer-se, para bem dizer, fixar que a impunidade postula por soluções para o crime, bem como, fixar que a impunidade a que o cidadão clama que seja expurgada, encontra solução em infra-estrutura social e em investimento no Poder Judiciário e não em se fulminar direitos individuais.
Em última análise, os direitos e garantias fundamentais individuais, talvez sejam a última casamata a ser implodida, o último abrigo da cidadania e esteio à esperança de consolidarmos uma civilização, onde a maior herança ao mundo possa ser alinhar a história peculiar de um país que prosperou sem submissão de outros povos, mas sim, através (oxalá!) do respeito à dignidade, aquilatando a Justiça, …a história da nação da América Latina, chamada ….BRASIL!!