Por Ana Marina Godoy
Revista Partes – Ano V – novembro de 2004 – nº 51
Artigo apresentado no 2o Seminário Internacional de Pesquisas em Turismo do Mercosul – Universidade de Caxias – setembro de 2004.
RESUMO:
Sinalizar a presença do design , inclusive o da informação, nas relações do fazer, pensar e vivenciar o turismo e lazer é o principal objetivo deste texto. Apresentar tal tendência permeada por diversos conceitos abstratos e, até, paradoxais na rotina atual, quando definir diferenças não é tarefa simples, é proposta para a abertura de caminhos quanto a temática. Neste artigo é apresentado pela primeira vez o conceito de infograturismo. Este, em especial, tem muito a evoluir. Nasceu da conexão entre infografia e turismo, uma das tantas que os olhares simbólicos são capazes de criar e comunicar. O lazer e o turismo são molas-mestras de toda esta principiante discussão interdisciplinar e, num segundo plano, o marketing, o planejamento e a arte. Convidar a Academia e a sociedade à presentear este tema com outras tendências e pontos de vista é, entrelinhas, razão do expor e do viver desta sinalização.
Palavras-chave: sinalização, turismo, lazer, pós-modernidade, design
Agradeço a colaboração do professor Lyn Jannuzzi, quem me encantou à infografia e colaborou para que este trabalho pudesse ser representado… além de um projeto!
“Esses postais…” Por Fernando Bonassi (23/12/1998)
Estive nesse lugar parado da foto aí atrás, mas só de passagem. Você é o amor da minha vida quando mais me afasto. Tantas coisas para dizer que nem me lembro. Alugo quartos duplos. Durmo em pé. Assim de longe você parece bem grande. Não sei quando volto. Acho que nem saí. Podemos morrer de tudo. Menos de nós mesmos. Do que você me achar por dentro, queime-se. Com cuidado. Tenha fé na sua descrença. Cumprimente todos os desconhecidos. A gente nunca sabe. Nada mesmo. Um beijo. Na boca. Dois. Sem língua. Não. Não vamos começar de novo…”
O lazer e o turismo não são irmãos gêmeos naturais. Talvez de proveta, fabricados pela genética própria de uma sociedade que, para lucrar financeiramente e em instantâneo prazo, alquimiza em produto o que for, precisando, para tanto, de rótulos que soem bem (me refiro ao vidro da proveta…). Além, é claro, de um belo design: forma é conteúdo e influencia diretamente na otimização dos resultados: objetivo de vida do século XXI.
A etimologia da palavra lazer remete à língua francesa quando, no século XIII, foi aparecendo através do termo loisir, que tem sua raiz no latim licere, e este, por sua vez, contém, em sua essência, a idéia de permissão. Lazer vai significando ausência de regras, de obrigações, de repressão ou de censura, e continua por se transformar. É um objeto de estudo vivo e um sistema aberto. Pode-se interpretar o lazer como:
a)ter ou tomar o tempo de fazer ou
b)ter tempo de fazer qualquer coisa de que se goste.
Para Paiva, “o lazer diz respeito àquele tempo de que dispomos para fazer qualquer coisa que nos agrada”, até mesmo fazer nada. E o grande estudioso e teórico do assunto, Joffre Dumazedier, demonstra concordar. Para ele, “é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se ou entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora e após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. Nessa visão, o lazer apresenta três funções bastante claras: a) descanso, b) divertimento, recreação e entretenimento, c) desenvolvimento da personalidade”.
No entanto, na aldeia pós-moderna – extremamente capitalista -, para Paiva, “o emprego do tempo livre com a condição intrínseca de decidir sobre o que fazer foi modificado para reproduzir as necessidades programadas e orientadas para a produtividade e consumo, com o apoio de fortes esquemas mercadológicos”. Surge uma nova dimensão ideológica do lazer que pode fazer com seja entendido até como obrigação: um paradoxo?
Para Beni,
“a mobilidade urbana, implica número tão elevado de deslocamentos motorizados, que os congestionamentos, os ruídos e a contaminação atmosférica parecem ter-se incorporado, irremediavelmente, à vida os grandes conglomerados urbano-industriais, provocando a necessidade vital de outra mobilidade: a do fim de semana, para o necessário relaxamento e descanso. Aí surge outro problema intenso: o tráfego intenso nas rodovias de ligação com o litoral ou outros locais procurados nos finais de semana provoca novo congestionamento, oferecendo risco de vida a seus usuários. Irritabilidade, tensão nervosa e estresse são adquiridos justamente quando se buscam descanso e entretenimento”.
Ou seja, passa a ser uma preocupação ter qualidade de vida, e o lazer ganha novo foco, se torna mais uma estressante competição social, uma disputa (de status, inclusive): quem faz melhor? Quem planeja e consome um lazer mais caro? Quem é mais sábio e aproveita, de fato, um tempo que é escasso e, por isso, deve ser investido e apaixonadamente vivido com sucesso? Tais termos passam a ser obrigações e suas idéias originais se deturpam.
Situando o “tempo” e o “uso do lazer” entre os demais indicadores relevantes para aferir o estado social da nação a partir de um núcleo universalmente partilhado, Wanderley Guilherme dos Santos coloca em xeque e propõe reflexão sobre o lazer no Brasil, afirmando que o mesmo está para muitos como uma questão privada. O alcance do lazer turístico fica fora de cogitação para a maior parcela da população, conforme demonstram os dados censitários referentes à População Economicamente Ativa (PEA).
“A população economicamente ativa (PEA) é o conjunto de pessoas em idade de trabalhar, de ambos os sexos, que constituem a mão de obra disponível para a produção de bens e serviços. Dito por outras palavras, a PEA compreende as pessoas que trabalham (ocupadas) e as que procuram ativamente um trabalho (desocupadas), incluindo aquelas que o fazem pela primeira vez (…) Segundo recomendações internacionais, a PEA é considerada como a população que participa na atividade econômica e que tenha 15 anos de idade e mais. A análise da PEA que é apresentada nesta secção seguiu esta recomendação. No entanto, o boletim do censo foi desenhado para captar também pessoas com idades entre 7 e 14 anos. A participação laboral deste último grupo é analisada num quadro separado”. www.ine.gov.mz/censo2/08/brochura/08forcade.htm, acesso em 26 de maio de 2004.
Dentro desta perspectiva, DUMAZEDIER complementa:
“embora pesquisas tenham demonstrado que a necessidade de lazer cresce com a urbanização e a industrialização, este crescimento está longe de ser igual em todas as camadas sociais. Neste sentido, as cidades de países subdesenvolvidos se constituem num campo privilegiado de estudos, já que nelas há marcantes diferenças sócio-econômicas e coexistem as manifestações de cultura popular com as da cultura difundida pelos meios de comunicação de massa”.
As linhas tênues da pós-modernidade incentivam, a princípio, uma névoa sobre os conceitos e definições tanto de lazer como de turismo. Confusões sobre seus significados são comuns, mesmo entre os técnicos, os acadêmicos e/ou os bacharéis da área. Percebe-se, empiricamente, que não se trata da mesma coisa, mas dar corpo às suas diferenças é tarefa quase que hercúlea, enquanto que, apontar o conjunto em comum entre turismo e lazer, é simples, tanto nas salas de aula como em ambientes e conversas informais.
Segundo Urry,
“o turismo é uma atividade de lazer que pressupõe seu oposto, isto é, um trabalho regulamento e organizado. Constitui uma manifestação de como o trabalho e o lazer são organizados, enquanto esferas separadas e regulamentadas da prática social, nas sociedades “modernas”. Com efeito, agir como um turista é uma das características definidoras de ser “moderno” e liga-se a grandes transformações do trabalho remunerado. É algo que passou a ser organizado em determinados lugares e a ocorrer em períodos regularizados”.
Para Beni, “o turismo é um fator socioeconômico importantíssimo que intensifica e aperfeiçoa a mobilidade humana”: passamos de uma sociedade em que as pessoas apenas se mudavam de casa para uma que produz turismo de e em massa. “Não existe praticamente lugar da geografia em que não se observe a influência desse fenômeno em maior ou menor intensidade”. Afinal, “uma das formas mais importantes de mobilidade é o Turismo. O turismo de massa conferiu fisionomia marcadamente móvel e dinâmica ao mundo (…) Os fins de semana se converteram num fator de mobilidade trepidante, uma espécie de válvula de escape em busca da tranqüilidade da praia ou do campo. Para o homem contemporâneo, o descanso é uma necessidade é a oportunidade de encontrar a si mesmo, seu semelhante e a natureza. Ele tem necessidade vital de sair da cidade, porque está cada vez mais desumanizada. A especulação econômica tornou muitas delas inabitáveis por falta de áreas verdes. Além da monotonia, o ritmo de trabalho durante toda a semana exige também uma ruptura libertadora que o capacite para o desenvolvimento de outros aspectos fundamentais da vida, como o descanso, o desfrute e a contemplação da natureza, a formação cultural, o trabalho social livre” (ajudar e cuidar do outro faz bem à alma!), “o entretenimento, a prática de esportes” (antidepressivo natural!). Ao que URRY complementa: “Os lugares são escolhidos para ser contemplados porque existe uma expectativa, sobretudo através dos devaneios e da fantasia, em relação a prazeres intensos, seja em escala diferente, seja envolvendo sentidos diferentes daqueles com que habitualmente nos deparamos. Tal expectativa é construída e mantida por uma variedade de práticas não-turísticas, tais como o cinema, a televisão, a literatura, as revistas, os discos e os vídeos, que constroem e reforçam o olhar”. Estas são práticas de lazer. Nesse caso, nota-se que o lazer pode ajudar a construir o turismo ou práticas de turismo. Trabalhar juntando o útil ao agradável é fundamental para o equilíbrio psicofísico humano. A arte de descansar faz parte da arte de trabalhar, diz o provérbio. O que entra em cena é a motivação.
“A motivação foi e é estudada sob diferentes enfoques que podemos considerar internos das pessoas: necessidades biológicas, emocionais e psicológicas, ou externos à pessoa: estímulos que vêm do meio ambiente, como gostar ou não de música, jogar bola, gostar de alguém”. (MULLER, 2001)
Para Feijó, motivar é:
“o processo de mobilizar necessidades pré-existentes que sejam relacionadas com os tipos de comportamento capazes de satisfazê-las. Quando a pessoa percebe a relação de conveniência entre sua necessidade e o comportamento que lhe foi apresentado, naturalmente se interessará por ele, tentando reproduzi-lo. A motivação foi processada e o treinamento realizado”.
“Conhecer o processo da motivação do ser humano, segundo Feijó (1992), exige do avaliador, um bom conhecimento das necessidades humanas e a compreensão de como a dinâmica das necessidades humanas atua no processo da motivação é conhecer o segredo essencial do motivar. Conhecer aquilo que é básico na motivação significa conhecer o elemento energizador (…)” (MULLER, 2001).
Quando alguém decide dispor seu tempo livre para práticas de lazer,é interessante que exista um convite simbólico a isso por parte dos locais convidativos a tais atividades, bem como das organizações gerenciadoras, sejam públicas ou privadas, parques ou cidades, etc. Muito do incentivo pode surgir ou ser estimulado pelo simbólico, através de grafias, de visuais, paisagismos, sinalizações e através do infograturismo: a infografia do, para e pelo turismo (e lazer).
A proposta de uma nova linguagem, codificação, simbologia próprias da turismologia. O design visual do turismo muito se traduz através da sinalização turística (:infografia adaptada?).
O mundo atual é uma imensidão de produtos, rótulos, marca e sinestesias diversas. Com ou sem conteúdo. E a imagem, em si, passa a ser um conteúdo, revelando mensagens, codificando. A grande tendência como arma de sedução, além da informação, é a Grafia Informativa, seja em qual esfera ou área do saber for. Esta é….
A sinalização turística consiste na aplicação de elementos visuais em um ambiente com a intenção de orientar as pessoas quanto às suas possibilidades de ação. O Instituto Brasileiro de Turismo, Embratur, através de seu sítio eletrônico, sugere que
Na elaboração dos projetos de Sinalização de Orientação Turística, devem ser observados diversos aspectos no sentido de atender aos deslocamentos dos turistas. Garantir a padronização, a legibilidade, a visualização, entre outros, é fundamental para a eficácia da sinalização, sendo por isso recomendado que a metodologia apresentada a seguir seja mantida em todos os tipos de projetos desenvolvidos, independente do grau de abrangência e do número de atrativos a serem destacados.
No entanto, dentro do pós-moderno, a sinalização turística é capaz de ganhar funções anexas, tais como exibir, incentivar, seduzir…um instrumento estético e/ou de marketing. O Marketing trabalha diretamente com a idéia de persuasão – o que não significa enganação, mas sedução e convencimento. Para tanto, um item fundamental é a construção do carisma como ferramenta de conquista, seja de um executivo da área ou de um empreendimento turístico. Mostrar com beleza o que é a realidade; interpretar com poesia (objetiva e com termos de executivos, por vezes) o que se saboreará como principal mais tarde. Não basta comunicar e passar informações, deve-se provocar paixão.
O turismo, por definição, já é evasão, sonho, saída do cotidiano e da mesmice. O Marketing turístico vem para impulsionar o consumo desta necessidade pós-moderna: sair da rotina e, com isso, ganhar equilíbrio psicossomático. Administrar a ponte entre pedido e produto, formas de consumo expostas pelo mercado, os fornecedores, a divulgação e a qualidade durante todo o processo é tarefa do Marketing.
Incentivar o consumo do lazer e do Turismo é sugerir terapia e/ou saúde, inclusive através de métodos visuais, capazes de encantar os olhos e a alma. A atividade turística deixou de ser vista como um capricho para ser percebida como necessidade. Não de um mesmo grau como as necessidades fisiológicas, mas nem por isso menos importante. Alguém saudável precisa consumir Turismo (e Lazer) para manter essa condição. O Marketing turístico começa a perceber essa nova concepção e a explorar seu objeto como um produto – ou meio – de saúde.
Se o mundo sugere perfis de consumidores sedentos por emoções fortes, adrenalina e momentos de paixão o Turismo pode ser a forma de trazê-los à realidade. Servir o pedido de forma equilibrada (a favor da saúde) e satisfazendo o cliente e/ou o consumidor é a grande arte do momento. O Turismo não pode ser uma (nova) droga e sim um condutor à plenitude. E mais do que uma válvula de escape deve ser cultivado como um hábito, com a ajuda do Marketing turístico, desativando o estresse e posturas nocivas à saúde. Assim se promoverá, de fato e estavelmente, uma atividade – a princípio – sazonal.
A informação, matéria-prima para a sedução ao consumo do lazer e do turismo, deve ser, também, saudável. Ou seja, verdadeira, tratada e emitida de modo agradável e possível de ser captado pelo receptor sem dúvidas quanto ao que simboliza.
Segmentos de mercado por motivação (como ecoturismo, enoturismo, turismo religioso, entre outros) não faltam. O essencial é tanto o (potencial) turista como o profissional de Marketing saberem qual o perfil daquela pessoa; descobrirem a vocação turística a ser praticada e que poderá trazer os resultados esperados. Tanto por parte do destino quanto do destinante, calculando, escolhendo e induzindo os fluxos a favor da atividade turística sustentável.
Além disso, saber qual a demanda que se quer para aquele produto turístico e o porquê de seu querer são fundamentais para que exista um foco para onde convergirão os esforços. Muito mais do que inspiração, a “sociedade do conhecimento” exige planejamento, cálculo, reflexão e experimento.
Escolher o profissional que será o responsável pela informação turística – seja de um hotel, de um evento, de um município, de um restaurante ou outro empreendimento – é tarefa atual, exigente e necessária. Ele deve ser, acima de tudo, capaz de cumprir com o que se contrata ou propõe, o que inclui estar atualizado e ter formação condizente, além de bom portfólio. Só imagem não resolve; ser conhecido, apenas, também não resolve. A imagem e o conteúdo devem existir em performance excelente e transformadora, reveladas num profissional ou em uma equipe (multidisciplinar, idealmente).
Consultores de viagens estão dividindo o mercado com agências por se especializarem nas minúcias de seus clientes – com condições financeiras de contratar serviço nada popular. Com ferramentas (de pesquisa) podem perceber qual o melhor modo de transformar uma vontade ou um sonho em realidade sinestésica, tendo como contribuir para a auto-estima daquele que contrata, desde que planejando de forma ética. Valor este muito saudável e que, de brinde, traz o lucro.
Com apurada visão crítica, URRY enxerga desenvolver-se
“uma tropa de turistas profissionais que tentam reproduzir novos objetos do olhar do turista. Esses objetos se localizam em uma hierarquia complexa e mutante. Isso depende do inter-relacionamento, por um lado, da competição entre os interesses envolvidos no fornecimento de tais objetos e, por outro lado, das mutantes distinções de gosto, ligadas à classe, ao gênero e às gerações, no que se refere à população potencial de visitantes”.
Os espaços turísticos também são clientes a serem entendidos e mapeados.
As cidades, em geral e globalmente, têm se desenvolvido obedecendo essas premissas. Percebendo ou não.
A visão de um jornalista do norte-americano The Economist, em 1857, resumia o padrão típico do desenvolvimento urbano; o interessante é que continua em vigor tal pensamento:
“A sociedade tende cada vez mais a fracionar-se em classes – e não simplesmente classes, porém classes localizadas/colônias de classes. É a disposição a associar-se com iguais, em certa medida com aqueles que têm interesses práticos semelhantes, em medida ainda maior com aqueles que têm gostos e cultura semelhantes e, acima de tudo, com aqueles com quem julgamos estar em um patamar de igualdade moral, qualquer que possa ser nosso padrão”. (20 de junho de 1857/ The Economist).
Existe toda uma intencionalidade na estética das cidades, incluindo-se aí o que tange ao lazer e ao turismo. Ela pode ser uniforme e harmônica ou não, o que é mais comum. Uma espécie de “design de informação” urbano permeia, antes de tudo, qualquer planejamento de/para lazer e/ou turismo com foco na sinalização. A cidade, em si, já carrega um jeito de se expressar e quase que verbaliza sua (suposta) personalidade. Ambientar uma sinalização de lazer e/ou turismo coerente e significativa num contexto de gráfica informativa já preexistente é um dos desafios impostos pelo século XXI. Não se trata mais, apenas, de escolher materiais ecologicamente corretos ou cores que não agridam à natureza (humana, inclusive): o desenvolvimento sustentável passa a abarcar a idéia de adaptabilidade, flexibilidade e administração do já construído com o que será construído em meio, junto, com este. Isso traz à tona o que pode ser verdadeiramente entendido como design turístico pós-moderno: a atividade do projeto, além do planejamento e da gestão puros.
Tal ramificação do design teria, sim, maior ênfase quanto ao design visual: projeto de objetos (e situações?!) que serão apreendidos principalmente pela visão.
Designer é quem faz o design. Neste sentido, o turismólogo pode contribuir, dentro de uma equipe multidisciplinar, para que o turismo seja codificado e simbolizado de maneira expressiva e interessante para o lazer e para as atividades turísticas, em geral.
Neste cenário, emissores e receptores não são engessados. Podem trocar de papel, inclusive. E podem, simplesmente, fazer o que o meio pede – verbalizando ou não – ou o contrário: aquilo que lhes convêm (como arte, por exemplo), usufruindo de autoridade sobre a criação, a interpretação, a simbolização de informações.
O Turismo é muito mais do que viajar e pede passagem. É simbolizado por marcas, códigos, e comunica. A comunicação se dá por códigos, pictogramas e/ou ícones são os símbolos-padrão quando se trata de sinalização turística.
A mensagem turística deve seguir critérios de seleção e ordenamento, não só técnicos, mas também artísticos. Isso passa pela escolha dos tipos de placas e sua padronização – ou não -, por exemplo. A preocupação com os critérios de posicionamento (para pedestres e/ou veículos), a definição de suportes, o dimensionamento, a diagramação, se serão interpretativas ou direcionais, são aspectos simbólicos e efetivos/ativos da mensagem. Devem ser pensados pelo planejador.
A informação poderá ser entendida como uma unidade significativa e o design da informação como um ramo do design que tem como objetivo facilitar a relação do ser humano com a grande quantidade de informação desses tempos; tanto para a criação quanto para o adequado acesso a ela, dentro da “sociedade do conhecimento”.
Visitantes, turistas, excursionistas: todos bárbaros?
Os forasteiros pós-modernos não são vikings ou piratas: são pessoas que vêm pra consumir o cotidiano de um lugar, experimentar aquilo que uma comunidade faz questão, muitas vezes, de não dividir com outras, não expor, segredar ao máximo ou, em outros casos, preferia que não existisse daquela forma… O turista ou o visitante, então, aparecem como “estranhos no ninho”, esquisitos que acham o máximo o que lhes é exótico e, ao mesmo tempo, para a população local, tão banal e sedento por mudança. O deslumbrado diferente pode até, mesmo que de forma dolosa, estragar a trajetória autóctone ao intervir sem ser convidado pelos verdadeiros anfitriões.
“Os relacionamentos turísticos surgem de um movimento das pessoas para várias destinações e sua permanência nelas. Isso envolve necessariamente alguma deslocação através do espaço, isto é, a viagem, e um período de permanência em um lugar ou novos lugares (…); a viagem e a permanência se destinam a localidades fora dos lugares normais de residência e de trabalho. Os períodos de residência em outros lugares são breves e de natureza temporária” . (URRY)
Por isso, a intervenção deve ser evitada. Só assim a sustentabilidade, tanto ambiental como a cultural, será mantida.
O estranho deve deixar clara a sua atuação, intenção e papel, evidenciando a sua própria definição naquele momento: viajante. Deve manifestar que existe uma clara intenção de voltar ao seu local de origem dentro de um período relativamente curto.
“A subjetividade envolve nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade” (Woodward in silva,p 55)
Mesmo assim, cai-se numa outra armadilha: sabendo desta situação, se a comunidade receptora não estiver preparada, pode se sentir, inconscientemente, descartável: é aproveitada para prazer momentâneo; interpretando ser usada ao invés de estar usando e tirando proveito, conforme a teoria capitalista da “indústria sem chaminés” prega. Para a comunidade local, nestes casos, não há prazer.
Para conscientizar – que difere do significado de doutrinar – os receptores sobre as conseqüências e os impactos – positivos, inclusive – da atividade turística, o lazer pode aparecer e servir como ferramenta. Será o lazer o interlocutor maior e o grande facilitador na comunicação entre uma cultura (exterior) e outra (interior). O turismo deve fazer surgir o prazer e o lucro para além de um momento e para todos os envolvidos.
Consciente, enganado ou se divertindo ao se vestir como um personagem, “o olhar é construído através de signos, e o turismo abrange uma coleção de signos”, explica URRY, que prossegue e exemplifica: “Quando os turistas vêem duas pessoas se beijando em Paris, o que seu olhar capta é uma “Paris intemporal em seu romantismo”. Quando se vê uma pequena aldeia na Inglaterra, o que o olhar contempla é a “velha e boa Inglaterra”. Conforme Culler, “o turista s interessa por tudo como um sinal da coisa em si…No mundo inteiro esses exércitos não declarados de semióticos*, isto é, os turistas, se inflamam, à procura dos sinais das demonstrações de francesismo, de comportamento italiano típico, de cenas orientais exemplares, de estradas rápidas típicas norte-americanas e/ou de pubs tradicionais ingleses (…). O olhar do turismo é direcionado para aspectos da paisagem do campo e da cidade que os separam da experiência de todos os dias. Tais aspectos são encarados porque, de certo modo, considera-se como algo que se situa fora daquilo que nos é habitual. O direcionamento do olhar do turista implica, freqüentemente, em diferentes formas de padrões sociais, com uma sensibilidade voltada para os elementos visuais da paisagem do campo e da cidade, muito maior do que aquela que é encontrada normalmente na vida cotidiana. As pessoas se deixam ficarem presas a esse olhar, que então é visualmente objetificado ou capturado através de fotos, cartões-postais, filmes, modelos, etc. Eles possibilitam ao olhar ser reproduzido e recapturado incessantemente”, conforme o breve conto que inicia este artigo. Ciclicamente, de formas similares e não idênticas, as experiências se consolidam e se repetem. Não importa a autenticidade, mas, sim, a adrenalina ou a serotonina. Tudo podendo ser resolvido em laboratórios (?).
viagem como lazer
A motivação e a ansiedade, precursoras do fato turístico viagem, despertam o imaginário e as expectativas que a antecedem, favorecendo a criação de pré-olhares. É uma tentativa de domínio e de controle otimizado do sonho; a busca de uma garantia antecipada de prazerosas emoções: uma sinestesia orquestrada perfeitamente, quase que produzindo e satisfazendo o real, que é a vivência da viagem em si. A recordação é o prolongamento dela e será proporcional ao nível de satisfação e envolvimento com a experiência turística real. O imaginar pode ser um lazer. O recordar também. E o turismo é uma das grandes molas propulsoras dele.
“Os lugares objeto do olhar se prendem a motivações que não estão diretamente ligadas ao trabalho remunerado e oferecem normalmente alguns contrastes distintivos com o trabalho, remunerado ou não (…) Uma promoção substancial da população das sociedades modernas adota práticas turísticas. Novas formas socializadas de provisão são desenvolvidas, a fim de se poder lidar com o caráter de massa do olhar dos turistas, que se opõe ao caráter individual da “viagem”. (Urry,1997)
A sinalização turística deixa de ser algo exclusivamente utilitário para ser parte do entusiasmo. Não deve perder sua essência, mas é complementada. Suas características básicas devem existir: ser eficiente indicador, promotor de segurança, orientar os usuários, direcionando-os e auxiliando-os a atingir os destinos pretendidos. Os princípios que deve seguir, segundo a Embratur, são: legalidade; padronização; visibilidade, legibilidade e segurança; suficiência, coerência e continuidade; atualidade e valorização; manutenção e conservação. Princípios estes que obedecem à Estética, inclusive.
Segundo o manual do Instituto Brasileiro de Turismo – Embratur – para sinalização turística:
A avaliação das questões urbanas é a mais complexa, por tratar-se de uma situação em permanente mudança, uma vez que está ligada às características socioeconômicas, culturais e políticas da sociedade. Nessa avaliação, também devem ser considerados a lei de uso do solo e os sistemas viário e de transporte, que revelam as especificidades dos deslocamentos e estabelecem os trajetos, ordenando a utilização das vias e calçadas. A compreensão global da cidade, bem como das necessidades básicas de sua população, também é condição essencial a ser avaliada e preservada. Assim, é preciso que as atividades turísticas inseridas nesse meio sejam incorporadas à dinâmica local existente. Os atrativos turísticos podem se apresentar sob várias formas e por isso são tratados de maneira distinta. Do mesmo modo, uma cidade pode ter parte ou a totalidade do seu núcleo urbano preservado, enquanto outras, por apresentarem menor concentração, constituem um sítio específico. Existem ainda municípios que contam com atrativos localizados de forma dispersa, ou até totalmente isolados em contextos urbanos ou em áreas rurais. Para que a atividade cultural e turística não seja vista pela população local como geradora de conflitos, em cada caso é necessário avaliar as interferências nas funções cotidianas da cidade ou do meio rural, minimizando-se os possíveis efeitos negativos. A participação dos segmentos da sociedade local no processo de seleção e valorização dos atrativos, favorece e referenda sua divulgação e inserção em rotas e circuitos turísticos, reforçando seu potencial de sustentabilidade. Assim, é preciso lembrar que cada situação apresenta condições específicas e elementos próprios que justificam uma solução única para cada região ou local. Apesar disso, é possível estabelecer um processo metodológico para a elaboração de projeto de Sinalização de Orientação Turística. Esse projeto, no entanto, deve ser sempre compatível com os estudos de sinalização de orientação de trânsito global dos municípios ou das vias rurais.
Isso reforça a idéia de “cliente” que cada espaço turístico é, merecendo atenções específicas e simbólicas próprias. Facilitar a circulação, por exemplo, é objetivo primeiro da sinalização turística, garantindo acesso, inclusive. Mas o como isso será transmitido, simbolizado e encantado a fim de atingir o grau máximo de sucesso, é o que fará diferença: tarefa de planejadores.
A fim de sair dos “efeitos pós-modernos”, colaterais ou não, o ato turístico (a princípio) de viajar é consumido pelo objeto da cultura: o consumidor, também conhecido como viajante. As “contra-indicações” apresentadas pela vida pós-moderna podem ser minimizadas e até extintas pela atividade turística feita em parceria com o lazer. Estas adversidades são:
a) o individualismo;
b) competitividade exacerbada;
c) encasulamento, o não se relacionar e ter mundo próprio;
d) busca pela impossível auto-suficiência;
e) ergonomia e conforto para trabalhar e executar todas as atividades com facilidade em casa;
f) tecnologias em todas as áreas e aspectos da vida doméstica;
g) descartabilidade de valores, coisas e pessoas;
h) doenças mentais e psicossomáticas oriundas de um cotidiano desregrado e que incita à perda do contato com o que é natural, desconfiando de tudo e todos, não sabendo distinguir o real, o hiper-real e o virtual.
A sociedade pós-moderna é um grande tabuleiro de xadrez, um labirinto, uma colcha de retalhos, enfim: uma era fascinante na evolução humana. Parece ser um universo do “vale tudo”, desregrado. Mas a Física afirma que até o caos é organizado, numa anarquia, a princípio, sem sentido.
Relacionar e relacionar-se são artes e necessidades humanas negadas pelos hábitos pós-modernos, em geral. Reeducar costumes pode otimizar o planeta. “Assim como as demais atividades de lazer, o turismo pode ser uma simples ocasião de consumo conformista ou de desenvolvimento pessoal e social crítico e criativo”. (Marcellino, 2002)
A percepção da vida como um jogo e/ou um mero negócio e/ou uma experiência imagética transformam as viagens em meros ensaios ao invés de serem instrumentos reveladores de interpretações e (re)criações do olhar. Sempre incompletos. Durante e sobre tais incomplitude e insatisfação,
“O homem reage aos estímulos internos e externos com seus pensamentos a respeito das sensações e emoções que o mesmo oferece. Do perceber até o adotar uma posição ou comportamento, por mais imediato que seja, exigiu dele uma certa reflexão sobre o acontecido (no contexto), seleção da resposta a ser dada (tomada de decisão), e a ação (comportamento propriamente dito)”. MULLER,2001
Mas tanto faz se através de um vídeo game ou numa viagem de carro em alta velocidade, imaginando estar num circuito de Fórmula Um.
Para que o ser humano não perca o prazer em evoluir, aproveite a vida, produzindo e transformando o mundo, pode utilizar o turismo como prática sustentável e salutar, desenvolvendo, a partir dela, o lazer, a fim de experimentar o viver em todas as suas nuances e a espetacularização autêntica do (fato de) ser, sem se consumir e perder autoridade sobre o próprio viver, podendo viajar o olhar a partir do seu vivenciar.
Referências bibliográficas
BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do Turismo. Editora Senac: São Paulo: São Paulo, 1999.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. Editora Perspectiva: São Paulo, 2001.
GASTAL, Susana. Turismo na pós-modernidade. Edipucrs: Porto Alegre, 2003.
OLIVEN, Ruben G. Aantropologia de grupos urbanos.Petrópolis: Vozes, 2002.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2a. edição, Petrópolis: editora Vozes, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação – um vocabulário crítico. Editora Autêntica: Belo Horizonte, 2000.
URRY, John. O olhar do turista. Editora Senac-SP: São Paulo, 1997.
ZILIOTTO, Denise Macedo (org.). O consumidor – objeto da cultura. Editora Vozes: Petrópolis, 2003.
www.ine.gov.mz/censo2/08/brochura/08forcade.htm acesso em 26 de maio de 2004.
http://www.embratur.gov.br/hotsite-sinalizacao/conteudo/principal.html acesso em 7 de agosto de 2004.
Referências incompletas:
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução.
MULLER, Ursula. Percepção do clima motivacional nas aulas de Educação Física. Edunisc: 2001.
Wanderley Guilherme dos Santos (em “O estado social da nação”, 1985).