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ENTREVISTA: José Augusto Drummond, doutor em Recursos da Terra pela University of Wisconsin

Professor da UNB defende que emergência das ONGS é “uma consequência da longevidade e do aprofundamento da democracia política”.

 

Elevação das temperaturas do planeta, efeito estufa, secas, tempestades e maremotos. Ambientalistas ou não, pessoas de todo o mundo têm demonstrado grande preocupação com tais problemas. Por conta disso, a discussão de medidas preventivas, estabilizadoras e regressivas, assim como seus principais agentes têm despertado cada vez mais interesse. O professor da Universidade de Brasília (UNB) José Augusto Drummond, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com mestrado em Ciência Ambiental pelo The Evergreen State College (TESC) e doutor em Recursos da Terra pela University of Wisconsin (UW) dos Estados Unidos trabalha com linhas de pesquisa ambiental e escreveu juntamente com Solange Maria Silva Nunes o artigo “O terceiro setor como executor de políticas públicas: Ong`s ambientalistas na baía de Guanabara”. O texto fala de um problema ambiental antigo, mas com um novo agente social combatendo-o. Leia a seguir a opinião do professor sobre o papel das ONGs, problemas ambientais e desenvolvimento sustentável em entrevista exclusiva concedida a Agência Notisa.

 

NOTISA – A que pode ser atribuída a emergência das ONGs na contemporaneidade?
José Augusto Drummond – É uma conseqüência da longevidade e do aprofundamento da democracia política. A vida democrática gera várias formas de participação coletiva (partidos, grupos de interesse, associações profissionais, sindicatos) e chegamos à era das ONGs. Em breve elas serão corriqueiras e não escreveremos mais sobre elas com tanta atenção e preocupação. As ONGs vêm ocupando um nicho entre o que os indivíduos não conseguem fazer sozinhos, o que os órgãos governamentais prometem mas não conseguem fazer, e entre aquilo pelo qual os partidos não mais se interessam. Elas funcionam bem nesse terreno que inclui problemas coletivos de difícil resolução, trabalho voluntário, preparação técnica, bons recursos humanos, responsabilidade social etc.

 

NOTISA – Em seu artigo, o senhor (e a professora Solange) afirma que as ONGs são “catalisadoras dos movimentos e das aspirações sociais e políticas da população brasileira“. Por quê?
Drummond – Não quisemos dizer que elas são as únicas catalisadoras, e sim que elas vivem um momento em que apresentam vantagens claras sobre outras organizações. Essas vantagens advêm daqueles traços mencionados antes, mais a eficiência e a produção de resultados. A população quer mais resultados do que discursos e as ONGs, mesmo as que sobem em palanques ideológicos, dependem da produção de resultados para sobreviverem.

 

NOTISA – O texto do artigo cita alguns autores que criticam a atuação das ONGs. Em sua opinião, a atuação das ONGs tem resultados negativos para a sociedade?
Drummond – Não vemos nada especificamente “maligno“ nas ONGs, muito pelo contrário. Elas têm oxigenado o tecido ético e político e colocado desafios para partidos, sindicatos e associações um tanto encarquilhados. Supor, por exemplo, que as ONGs podem “profissionalizar“ a militância política e social de uma forma “maligna“ significa ignorar o quanto muitos partidos políticos e sindicatos optaram exatamente por esse caminho da profissionalização dos seus quadros, às custas de suas identidades originais de organizações voluntárias e, muitas vezes, erodindo a sua legitimidade original e sendo obrigados a reconstruí-la com argumentos favoráveis à profissionalização. As ONGs quase sempre têm um corpo de técnicos e administradores que precisam explicitamente ser sustentados pelas atividades das mesmas – isso é transparente. Veja, por exemplo, como a profissionalização da militância propriamente partidária colocou o PT na necessidade de encontrar recursos vultosos para se sustentar enquanto organização. Em outro exemplo, em todo o mundo o sindicalismo é um caminho para os trabalhadores largarem os seus empregos e fazerem carreiras sindicais. A última vez que o Lula pegou em um torno mecânico, por exemplo, deve ter sido em 1975. Desde então ele é um profissional do sindicalismo e da vida partidária. Algo de errado nisso? Não. Então, nada há de errado na profissionalização das ONGs.

 

NOTISA – No artigo há um enfoque na despoluição da Baía de Guanabara. Esta região foi vítima, como expõe o mesmo, de vários programas que se mostraram ineficazes e que renderam apenas prejuízos. Ainda segundo o texto, o papel das ONGs na tentativa de recuperação ambiental desta área é questionado. De maneira geral, pode-se considerar que as ações dessas entidades na Baía de Guanabara têm sido eficazes?
Drummond – Até onde acompanhamos, o papel das ONGs na despoluição da baía de Guanabara estava sendo positivo, mas a sua escala era necessariamente pequena. Precisa ser lembrado que se trata de um dos corpos de água mais agredidos do país, há séculos, por milhões e milhões de pessoas, e que as ONGs envolvidas são todas de pequeno porte. Além do mais, pode impressionar muito o volume de dinheiro repassado para elas, mas na verdade, é pouco dinheiro diante das necessidades de recuperação ambiental da baía. Falta atuação das prefeituras em torno da baía, do governo estadual, do governo federal e (por que não?) da própria Petrobrás, uma contumaz agressora da baía.

 

NOTISA – A sua pesquisa entrevistou ONGs, órgão públicos e moradores de comunidades beneficiadas pelas ONGs. Como são as relações sociais mantidas entre ONGs e Órgãos Públicos e entre ONGs e moradores. Quais são os maiores conflitos?
Drummond – ONGs e órgãos públicos podem se dar muito bem ou muito mal entre si. Quando os governantes e técnicos têm compromisso em prestar serviços públicos eficientes e reconhecem que os seus órgãos não conseguem fazer isso, ou não conseguem fazer tudo, fazem parcerias com ONGs. Quando não se comprometem ou consideram que o estado tem que fazer tudo sozinho, são hostis às ONGs. As comunidades beneficiadas, em geral, querem que os serviços sejam prestados e não se importam com quem exatamente dá os pontos finais nos projetos. Além do mais, as ONGs que fazem trabalhos sociais geralmente sabem trabalhar muito bem com o ceticismo das comunidades em relação aos governos e aos seus programas, pois via de regra, empregam metodologias de envolvimento das comunidades, exatamente para fazer com que estas acreditem no seu próprio potencial e transformem o seu ceticismo em cobrança.

 

NOTISA – Desenvolvimento sustentável representa uma luta no mundo inteiro. As informações midiáticas sobre calamidades naturais provocadas pela poluição assustam as sociedades. Você acredita que a recuperação ambiental e a manutenção do desenvolvimento econômico podem realmente caminhar juntas? Qual a importância das ONGs nessa ação?
Drummond – Em um país rico há uma certa folga para combinar recuperação ambiental e desenvolvimento, pois as chamadas necessidades básicas estão em grande parte atendidas. Em um país mais pobre, ou com bolsões de pobreza, sempre haverá a tentação de usar de forma irracional os recursos naturais do vale do rio “X” agora, para gerar renda, emprego, lucros, exportações etc, e deixar a prudência ecológica para o futuro, na ocupação do vale do rio “Y”. Isso se houver um rio “Y” depois de um rio “X”, e isso o Brasil ainda tem de sobra. Mas a grande verdade é que lucros, empregos e renda produzidos pelo uso irracional dos recursos naturais, embora imediatos e vultosos, não asseguram desenvolvimento, que hoje depende de atividades intensivas de conhecimento e de informação (inclusive trabalhadores altamente qualificados), e não de recursos naturais e trabalho “bruto“.

 

NOTISA – O senhor considera possível a supressão dos interesses políticos em favor da recuperação ambiental? Como ela aconteceria?
Drummond – Na democracia não devemos falar de “supressão de Interesses políticos“ no campo ambiental ou em qualquer outro. Plantar soja, cortar árvores, construir hidrelétricas, extrair petróleo, operar minas etc. são atividades legais e legítimas, em torno das quais se formam interesses políticos fortes e igualmente legítimos. Em um sistema democrático, os interesses ambientalistas (que alguns gostariam de “suprimir“) precisam se organizar para colocar limites a esses outros interesses, que não devem reinar absolutos.

 

Agência Notisa (jornalismo científico – science journalism)

 

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