Mulheres de água
(Sobre razão e sensibilidade.)
por Adilson Luiz Gonçalves
Ano III n.43 março de 2004
www.partes.com.br/ed43/cotidiano.asp
Já se foi o tempo das “Mulheres de Atenas”, embora alguns dinossauros sociais machistas ainda insistam em considerar o sexo feminino com mero coadjuvante do sexo masculino. Como todo preconceito, esse tipo de postura esconde fobias e inseguranças de várias espécies ou, simplesmente, uma incomensurável e patológica estupidez, cultivada ao longo dos séculos.
Enquanto os homens superaram leis rígidas e antiquadas, como as que estendiam punições, de um, por gerações de seus descendentes, a mulher permaneceu julgada, culpada e sentenciada, por milênios, por uma falta atribuída a que seria a primeira delas: Eva!
Mas, mesmo quando o rigor dos costumes antigos limitava ainda mais sua liberdade, a História registrou, com destaque, personagens como: Esther, a Rainha de Sabá, Catarina da Rússia, Cristina da Suécia, Catarina de Médicis, Joana d’Arc, Elizabeth I, Maria Stuart, Vitória, Leopoldina, Anita Garibaldi e muitas outras. Recentemente, também mereceram, e merecem, destaque: Elizabeth II, Indira Ghandi, Rosa Luxemburgo, Marie Curie, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, etc. É certo que também temos os exemplos de Lucrécia Bórgia, Golda Meir e Margareth Tatcher; mas são raros os registros de guerras declaradas por mulheres, embora o excesso de músculos, a libido descontrolada e a falta de comunicação entre neurônios de muitos homens (de que adianta tantos a mais, se mal utilizados) as tenham colocado como pivôs de muitas.
Donas de uma infinita tolerância e capacidade de seduzir e superar conflitos, algumas mulheres só erram quando tentam comportar-se imitando o pior dos homens, por acreditarem que essa é a única forma de serem respeitadas por eles. Talvez por isso, muitos se assustem e façam o caminho inverso…
Ocorre que, apesar do espaço conquistado, com muito esforço e competência, ainda são elas, e as crianças, as maiores vítimas dos vários tipos de violência no mundo. Infelizmente, a maioria dos homens ainda não aprendeu a dar-lhes valor, nem por carregarem a Humanidade no ventre, cuidando-a com a própria vida; nem por serem protagonistas sociais igualitárias por si só.
Ainda existem mulheres sendo educadas e tratadas como seres inferiores, e punidas segundo tradições que só servem para subjugá-las aos homens. Estes lhes negam cidadania e autonomia, como se existissem apenas para gerar seus filhos – de preferência, homens -, alimentá-los com seu peito, suor e sangue, saciar-lhes com seu corpo, tolerar suas infidelidades e prantear-lhes a morte, secando por eles. Civilizações primitivas ainda as mutilam sexualmente, apedrejam, ocultam e inibem, com violência, seu potencial criativo, sua inteligência e sua autodeterminação, dando a seus pais e maridos poder de vida e morte, esquecendo que sequer existiriam sem elas. Para eles, não são os homens que não sabem se controlar, são as mulheres que os fazem “se perder”! E ainda se consideram guardiões da fé e exemplos de civilização, mesmo quando assumem a condição de “macho”, portando-se como predadores no cio; desprezando tudo o que delas receberam de graça: amor, dedicação, altruísmo e coragem. Coragem, inclusive, para assumir a família quando esses morrem em guerras injustificáveis, se prostram diante de um fracasso ou, simplesmente, abandonam suas responsabilidades familiares ou paternas. E ainda há as que suportam tudo isso e ainda encontram força para defender suas iguais na “cova dos leões”, tentando sobrepujar pela razão as “certezas” inquestionáveis dos poucos, mas extremamente intolerantes, que vivem e reinam em nome da rigidez de tradições anacrônicas, e da deturpação, conveniente, da pureza e grandeza de princípios religiosos. Talvez por isso, no Antigo Testamento, Deus tenha relutado tanto quando seu povo lhe pediu líderes seculares e reis!
Nesse contexto renitente, a outorga do Prêmio Nobel da Paz à advogada iraniana Shirin Ebad pode ter segundas intenções, como alguns alegam, mas tem o mérito inalienável de exaltar as qualidades de quem enfrenta o muro de pedra do conservadorismo radical com a água da justiça, do idealismo, do respeito à vida e da razão com sensibilidade.
Sua luta demonstra que o homem pode se orgulhar de seu poder e sua rigidez de pedra, mas a mulher, como a água, sabe contornar, adaptar e, sutil e pacientemente, procurar o melhor caminho para moldar a rocha; e que o homem usa da pedra para criar obstáculos e diferenças, enquanto a mulher, como a água, tende ao equilíbrio.
Todos lembram da sabedoria de Salomão, na passagem da disputa das mulheres pela mesma criança, mas poucos reconhecem o infinito amor da mãe verdadeira, ao abrir mão da maternidade em nome da vida do filho! Essa infinita capacidade de amar e perdoar, muitas vezes, ainda lhes é motivo de condenação e punição pela pedra erguida e atirada, por quem foi doutrinado a acreditar que não tem pecado, ou que, assim, o está expiando.
Há um ditado que afirma que: “Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher!”; mas, geralmente, e infelizmente, toda a grande mulher está sozinha!
Por esses e inumeráveis motivos, e independentemente dos demais nomes indicados, o Nobel da Paz está em excelentes mãos!