Requiem para Campos & Espaços
por Silas Corrêa Leite
Ano III n.37 setembro de 2003
In Memoriam de Haroldo Eurico Browne de Campos
“Está uma tristeza. Parece que acabou algo
que não sei o que é. O interesse de
Haroldo de Campos pela derrota da
segunda lei da termodinâmica era como
uma guerrilha: um dia, guiava Dante Alighieri
para o limbo da língua portuguesa; no outro,
atacava o hebraico para roubar uma jóia da
Bíblia…”(Tom Zé)
A três dias de fazer setenta e quatro anos
Desnace em Sampa Haroldo de Campos
O poeta-crítico-pétreo-pan-Haroldo
Falta múltipla de órgãos – de soldo
(Não conheci crítico de Haroldo de Campos
Que fosse melhor do que ele em escambos
Os seus críticos brucutus eram mais hilários
Em que pese alguns vazios e ordinários)
Porque falar de Haroldo de Campos funda
Uma dicotomia sobre o que em nele abunda
Recriações que transcria e coisa-sente
Todo o fazer poético de soma em nova mente
Estava em Haroldo um pan-não-ser que era
Derrama de orquidários em íntima primavera
Que ele traduzia numa performance sangria
Como o que em de tudo do que toca se alumia
Formado em Direito pelo Largo São Francisco
Era rápido ultrapássaro e alado além de arisco
Noigandres um totalconcretismo crisantempo
Espaço curvo nasce um que foi ele sendo imenso
Desmorreu agora como se em cada tanta poesia
Calibre grosso almanaque enluado alquimia
Presença pública meio Ezra, John Cage, Octávio Paz
Todo mosaico que criou em seu ser de si Campos jaz
Personagem de uma novela de Borges – Umberto Eco
Cachalote com barbas de Netuno – Cortázar Júlio
Impactou imagens e palavras e fez um pandareco
Levando as línguas multidimensionais de embrulho
O cosmopolitismo em sua própria infinitude
Foi seu labor sintaxista metódico alaúde
Neobarroco pós-moderno seu concretismo monstro
Aboliu os versos para ser tantras nosotros
Valores gráficos e fônicos nas imagens relacionais
Pregou a eliminação dos laços lógicos-sequenciais
Num jogo de dados em que foi Joyce e gerou Xisto
Meio Mallarmé e tudo muito mais que in-previsto
Intelectual de ofício e operário das pás lavras
Carajá de eldorados transcriou Homero e Dante
Possesso se fez em planos-pilotos com rompante
De ser ele mesmo sendo muito além das clavas
Galáxias e epifanias pós-utópicas consumou-se
Na intertextualidade de ser poeta sem cabresto
E à deriva em alma nau reverberou o de-quê
Butim essência do que eternizou-se em arresto
Teórico, experimentador, mó, salubre porto, lagar
Insightas foi Maiakóvski nas domésticas ibéricas
Workaholic pensou adjetivos além de táxi lunar
Questionário e renúncia de multimídias coléricas
Apaixonado pelo confeito de palavrear as odes
Múltiplas facetas explicando a língua pra língua
Dialética pluridimensional de berros e bodes
Divergiu esmiuçou a miopia oficial à míngua
Atacou brumas sazonais tempestades em copos de egos
Rara envergadura dionisíaca meio oiticica entre cegos
Deixou o arquipélago Gullar ser menor sendo contrário
Mas serviu de palco-travessia para escadas do ser vário
O signo ficante dele ainda oxigena ensaios e vertentes
O contexto de antes dele inventar o inexistente
Nesse finismundo com seus anormais sentidos
Xadrez godê de porta-lapsos em pães dormidos
A sua metalinguagem foi a sua vida inteiriça
Amarrando caibros de palavras em caixilhos de outras liças
Meio morfologia macunaímica foi também tupi-davídico
Banto pedro malazarte em andaimes e ofícios
As palavras têm ofídios diria ele todo operando o textual
Nas rupturas da água ser vinho e açúcar ser sal
Ideograma exato de um ser que foi humanus e ente
Arco-íris branco de seu prisma prumo sempre
Em pedra e luz e chão e jades agoras cinzas é
Um novo O Que Fez numa lira de poetna-capilé
Deixou seu legado e todos os nomes dos navios
Avante crusoés que seus poemas são vaus em rios
Pois morto Haroldo de Campos descansa sua sina
Água, terra e ar no Cemitério da Vila Alpina
De Sampa que foi mago – em desvairada paulicéia
Pois a sua causa mortis não foi por falta de idéia
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Não conheci nenhum crítico de Haroldo de Campos
Que foi melhor do que ele em estilo, criames e trampos!
Silas Corrêa Leite – de Itararé-SP, Poeta, Jornalista, Educador, autor de Trilhas & Iluminuras, Poemas, Editora Grafite-RS
Pós-graduado em Educação, Literatura e Comunicação (ECA/USP)
(Poema-Homenagem)
Canto da Série “Sampa Geração 450” – 2003/2004 (Inédito)
E-mail: poesilas@terra.com.br