Pensando na correção de redações na escola por Cristina Ramos |
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Corrigir redações – esse sempre foi um problema crucial nas escolas para os professores e pior ainda, para os alunos. Parece que estou vendo. A professora sentada na cadeira de sua mesa, os alunos começam a levantar-se e a colocar seus textos sobre o móvel, dizendo assim: “Não olhe agora, heim, professora?!” E vão colocando seus trabalhos sob aqueles que lá já se encontram. Sem nenhum medo de errar, afirmo que até nossos alunos de nível superior fazem isso ao entregarem seus trabalhos.Pensando nisto escrevo este artigo que tentará fazer uma breve reflexão sobre o problema de corrigir redações escolares; faço isso após ter lido um livro de Eliana Ruiz, que versa superficialmente sobre o assunto. Tentarei fazer um “entremeio” entre as ideias da autora e as minhas próprias ideias e vamos ver no que vai dar.
Então, como é que se corrige redação na escola? Sempre pensei que o trabalho de reescrita do aluno é decorrente de uma interferência que, fatalmente, o professor fará em seu texto. E aí estava o problema – no modo como o professor intervém no texto do aluno. Minha “grande” sabedoria sabia que a mediação do professor é um dos fatores determinantes do sucesso que o aluno possa ter em seu processo de aquisição da escrita, lógico, entendida aqui como a capacidade de redigir bem, com todos os aspectos que um bom texto requer. Justamente porque pensava na questão interferência positiva do trabalho de correção, procurava encontrar respostas para: . o que é que torna uma correção de redação eficiente? . que tipos de estratégias de intervenção escrita é mais produtivo para o aluno? . como podemos contribuir para uma produção escrita de maior qualidade? . como corrigir uma redação, de modo a levar nosso aluno a progressos significativos na aquisição da escrita? Afinal, até hoje dizemos aos nossos alunos que um dos principais motivos do seu marasmo em sala de aula do nível superior, o fato de ele não querer mais escrever, de não ter ideias fluindo para produzir um texto – todos esses aspectos são frutos da má estratégia do professor ao corrigir redações, principalmente nas séries iniciais. Será isso verdadeiro? Todas essas indagações fizeram-me realizar um trabalho de análise de redações escolares durante o tempo em que estive em Araraquara/SP, cursando o doutorado. Relato, a partir desse artigo, as minhas conclusões precedidas, é claro, de algum embasamento teórico. Vamos pensar um pouco, primeiramente nas condições de produção das redações na escola. Em primeiro lugar, acho que não é a correção de erros gramaticais que induzem o aluno a ser um produtor de bons textos. Acho, numa primeira tentativa de encontrar uma solução, que o que leva ao sucesso a correção de redação e leva o aluno a uma escrita qualitativamente melhor é exatamente a leitura que o professor faz dela. Leituras que tomam o texto todo como uma unidade de sentido são mais produtivas que as que focalizam apenas partes do texto ou unidades menores do que o texto. O que menos interessa, no momento, é a sua análise linguística. Não nos interessa, de modo algum, e aliás condenamos o estilo de correção que consiste em tingir de vermelho o texto e devolvê-lo ao aluno, dando fim ao processo nessa etapa. Eliana Ruiz diz que gostaria de “debruçar-se sobre um trabalho no qual acreditasse, um trabalho que não encarasse a correção como um fim em si mesma e, por isso, não se esgotasse nela”. Acho que o que ela quer dizer é que esse seria um trabalho que tomasse o professor como mediador importante, e a tarefa de correção como alavanca propulsora de um processo que continua, necessariamente no próprio aluno com a retomada de seu texto. E daí, penso que é absolutamente fundamental que a análise esteja voltada para um outro tipo de correção – aquela que visa também (e sobretudo) à reescrita dos textos corrigidos. Sim, porque professor que não solicita a reescrita do texto do aluno (sem nenhum medo de estar errada), precisa passar por uma atualização constante. É nela que está o segredo do “conserto” do sério problema das redações escolares sem conteúdo. Se formos analisar a situação (andei conversando com muitos professores de Língua Portuguesa em São Paulo e aqui, em Rolim de Moura e em outros municípios), veremos que a frequência de produções realizadas pelos alunos varia muito. Há casos em que eles escrevem, em média, um texto diferente por semana. Mas há também aqueles, menos comuns, em que o total de textos não passa de dois por bimestre. Na mesma pesquisa viu-se que o professor corrige redações numa frequência diversificada: uns corrigem todos os textos produzidos, outros fixam um determinada número para ser corrigido por bimestre, independentemente da quantidade produzida pelos alunos nesse intervalo de tempo e outros, ainda, além de corrigir, avaliam quantitativamente, por meio de nota ou conceito, algumas produções. Em razão dessa diversidade, a frequência com que as revisões ocorrem é bastante variável: assim como há textos cuja reescrita simplesmente não é realizada – não se sabe por que motivos, se pessoais ou não – há casos de textos que são reescritos e corrigidos mais que duas vezes. Outras vezes, os próprios colegas revisam o texto dos demais, quer dizer, a correção do professor não é o fator mais importante. Tal atitude faz com que falhas sejam apontadas numa leitura conjunta, normalmente em duplas ou grupos pequenos. Segundo Ruiz, a reescrita individual ocorre em algum momento do processo e das mais variadas formas: 3
seja por meio da reelaboração de todo o texto (reescrita total) numa segunda versão – procedimento comum a todas as escolas; seja através de apagamento de trecho(s) da versão original e inserção da(s) forma(s) substitutiva(s) in loco, nessa mesma versão (reescrita parcial sobreposta à original) – procedimento típico de uma escola somente; seja na forma de uma “errata” simplificada, em sequência ao texto da primeira versão, onde se apresenta(m) apenas a(s) forma(s) substitutiva(s), a título de segunda versão (reescrita parcial não sobreposta à original) – procedimento típico da escola de redação.
Mas … como se dá essa variação? Aí entra o aspecto pragmático, penso eu. Os professores acham que o trabalho de refazimento pode tornar-se uma atividade maçante, principalmente para os alunos que têm dificuldades acentuadas de produção. As revisões 2 e 3, parecem-me, são uma tentativa de tornar a tarefa de revisão menos trabalhosa e, por certo, mais rápida. Mas como poderemos fazer isso? Acho que há algumas estratégias: a) fazendo o aluno proceder à reescrita de todo o texto, quando é grande o número de problemas (é lógico que isso deve acontecer em todas as escolas), e à “errata”, quando o número de problemas é pequeno; b) fazendo o aluno proceder à revisão in loco sempre, por economia de tempo e trabalho e trabalho; ou quando só um determinado tipo de infração foi selecionado para ser trabalhado na reescrita – como ortografia, por exemplo (metodologia da análise linguística); ou ainda, quando as infrações são poucas e/ou mais localizadas. Enfim, dependendo dos objetivos, que devem ser bastante específicos, o modo de reescrever o texto diversifica-se. Parece-me claro até agora que, tratando do assunto reescrita, já estamos falando em correção. Alguns professores afirmam que fazem um trabalho de reescrita coletiva no quadro-negro, ocasião em que discutem oralmente, com todos os alunos da classe, um ou mais textos selecionados especialmente para esse fim (já vimos essa sugestão no livro de Wanderley Geraldi, O Texto na sala de aula)4. Seria interessante que, esse texto, escolhido para leitura e análise por toda a sala, seja retirado do conjunto de produções realizadas pelos alunos da classe e reproduzido de alguma forma – mimeografado, fotocopiado, transparência ou cópia no quadro – sabemos que isso tudo é muito trabalhoso e parece-me estar escutando os professores dizendo: “Não temos mimeógrafo, não há dinheiro para cópias,”… – para que seja reescrito pelo grupo, auxiliado pelo professor. Algumas vezes, o texto é “maquiado”, adulterado pelo professor, isto é, revisado na maior parte dos problemas que apresenta, e reescrito de forma que se mantenham os problemas de apenas um tipo específico – assim, de nada valeu a metodologia. Os problemas não-focalizados serão, provavelmente, aqueles que estão sendo revelados temporariamente em virtude desse trabalho de reescrita coletiva e seleção metodológica de um aspecto de linguagem específico para fins de análise. Assim, nessa conjuntura, o ensino gramatical é tratado das mais variadas formas. Assim como há os que insistem em aulas específicas de análise morfológica e sintática, com fixação na metalinguagem, há os que as abolem totalmente da sala de aula. Neste último caso, a análise linguística de textos lidos e produzidos pelos alunos constitui-se lugar privilegiado de reflexões de cunho gramatical. Vamos entrar, agora, com reflexões específicas sobre a correção, nome corriqueiro que se dá àquela tarefa comum, típica de todo professor de Português de ler o texto marcando nele, geralmente com a tradicional caneta vermelha, eventuais “erros” de produção e suas possíveis soluções. Vamos pensar, então, no ato de corrigi-los. Já disse que, para mim, correção é o texto que o professor faz por escrito no (e de modo sobreposto ao) texto do aluno, para falar desse mesmo texto. São muitas as estratégias utilizadas pelo professor para intervir no texto do aluno. Eu, entretanto, exposto o que penso sobre correção, vou analisar somente as intervenções escritas vulgarmente chamadas de “correção”, que se preocupam com alguma infração textual apenas e tão somente. Não farei nenhuma distinção semântica entre problema e infração, apesar de concordar que a última se aproxime mais do conceito de “erro” usado na escola, uma vez que a idéia de erro implica a noção de norma e não se encaixa, portanto, no tipo de categoria mais geral que estou buscando caracterizar. Pécora (1983) fala em problema de redação, enquanto Costa Val (1994) utiliza igualmente o termo infração. Embora ache que essas nomenclaturas mereçam um pouco mais de reflexão, vou adotá-la, assim como esses estudiosos, cuja pesquisa tem como objeto de estudo os textos escolares. Acredito que o conceito de problema ou infração não pode ser definido apenas em termos de produção textual, pois falar em problema de redação implica falar de problema de leitura, isto é, de recepção do texto. Embora uma sequência linguística tenha sido produzida num momento específico, chamado de produção, essa ocorrência só poderá ser considerada problemática se provocar um estranhamento no momento da leitura. Isso pode ser provado pelo fato de que não raras vezes, os produtores de texto fazem eventuais alterações (tanto no mesmo momento da leitura quanto posteriormente) a cada vez que leem e monitoram sua leitura. Inserido no produtor há, portanto, um leitor, que se confunde com ele no ato da produção e leitura – os papéis são trocados, o produtor transforma-se em leitor e vice-versa – são o mesmo indivíduo. Faço questão de, sempre que posso, lembrar meus alunos que, se lerem dez vezes os seus textos, dez vezes modificá-los-ão. Acho que vale a pena lembrar de Hipócrates e sua história do homem que entra num rio várias vezes: nunca o homem será o mesmo que entrou pela primeira vez e o rio ter-se-á modificado tantas vezes quanto for penetrado. Conforme diz Ruiz (2001:28), o autor é o primeiro leitor de si mesmo. Essa frase parece muito complicada, mas não é. Fica fácil entendermos a afirmação da autora, se tomarmos Bakhtin (1997) e suas concepções de outro e de acabamento, dentro do princípio dialógico que funda a sua concepção de linguagem. Para tal autor, o dialogismo é a condição da constituição do sujeito e do sentido do texto. Trocando em miúdos, o autor de um texto, isto é, o acadêmico, no momento da escrita, transforma-se em sujeito do discurso e deixa-se dominar pelo outro, que é, na realidade quem escreve o texto. Assim, como diz Bakhtin, todo discurso é elaborado em função do outro, pois é o outro que condiciona do discurso do eu. Assim, o que atribui um sentido totalizante ao texto, portanto, é a virtualidade, o acabamento que é atribuído ao eu-autor-acadêmico, pelo outro. Desse modo, é na hora da leitura, atividade inerente a todo processo de produção de textos, que surgem problemas de produção. Isso acontece quer intrinsecamente, pela interferência do outro, constitutiva do eu que escreve e que lê o próprio texto enquanto o produz, quer ocorra em momento posterior e diverso do momento da criação, pela atuação do eu que lê o próprio texto, por ele dado como acabado, ou pela interferência de um outro, que lê o texto do eu. Sendo assim, penso que se pode considerar problema de produção textual, toda e qualquer sequência linguística que gere um estranhamento para o leitor, não apenas em função do tipo do texto, mas também dos objetivos visados na interlocução e das condições de produção e de recepção desse mesmo texto. A questão, agora, é saber de que estranhamento se trata. Não pense o leitor que vou enveredar-me pelos caminhos daquele martelinho que vai desmontando os problemas gramaticais – falta de acento, uma falta de concordância, falta de ponto e vírgula. Nada disso. Quando digo estranhamento, sigo literalmente o significado da palavra. Estou falando da ocorrência, no enunciado, de algum elemento inesperado pelo leitor (maduro ou não) em face de suas expectativas em relação à própria enunciação do texto como um todo e não daqueles embaraços advindos das dificuldades típicas de leitura relacionadas à falta de informação do leitor sobre o tema, ou ainda à sua falta de intimidade com as formas de dizer (formas lexicais ou estruturas linguísticas). Isso tudo, no meu ponto de vista, é importante, mas secundário. Para poder resolver seu problema de interpretação, o leitor recorre, além dos dados co-textuais (do texto), a dados contextuais, isto é, a seu conhecimento de mundo, conhecimentos prévios e conhecimentos de outros textos. Isso, para o leitor, é fundamental, pois são esses dados que lhe permitem buscar pistas ou segui-las, pistas essas fornecidas pelo próprio texto, que lhe permitirá a identificação de um necessário preenchimento de lacunas, ou a percepção de indícios nele presentes para a significação pretendida pelo autor. Em se tratando de correção de redações produzidas por alunos de nível fundamental e médio, o leitor-professor muito dificilmente irá deparar com desalinhamentos, até porque isso exigiria dos nossos produtores aprendizes um conhecimento apurado das estratégias de dizer – e este não é o caso. Parece-me que o estranhamento de leitura típico da tarefa de correção com a qual lidam os professores pode ser entendido em termos da noção de lacuna, isto é, pela falta de transparência intrínseca de todo o texto. Como já deixamos subentender, todo texto é, em princípio, aberto de significados, podendo esse grau de abertura ser maior ou menor, em cada caso. É esse o motivo de nossa afirmação acima sobre a importância do contexto. Quando lê uma redação escolar, o professor certamente depara com lacunas de várias ordens, tal qual um leitor comum. E isso o faz buscar no contexto e no co-texto as informações que lhe permitem seguir as pistas deixadas pela redação acerca de sua significação. Porém, ao assumir o papel de corretor, que institucional e socialmente lhe é atribuído (quando ele se coloca como um leitor diferenciado), o professor tenta, por meio da correção, exigir do aluno produtor uma postura de transparência total, solicitando que este resolva todas as opacidades do texto, atitude impossível não só para o aluno como também para qualquer produtor de textos. Assim, acho que deveriam ser as estratégias textuais o tipo de chave por excelência mais elicitado pelo professor-corretor durante a intervenção escrita. Além de serem também aquelas que o aluno produtor-leitor deveria lançar mão ao revisar o próprio texto em nome de uma maior legibilidade, isto é, da menor opacidade possível – e desejada – desse texto, considerado as condições tanto de produção (o nível e a maturidade linguística desse aluno) como de recepção (o grau de exigência do professor). Após pensarmos um pouco sobre os “defeitos” mais comuns encontrados pelo professor na correção de redações escolares, vamos refletir sobre algumas possibilidades de correção que, sendo lógicas e coerentes, não causam transtornos para o aluno no decorrer de sua existência. Na realidade, o que estou propondo ao leitor é que a correção seja encarada como uma leitura, vista do turno do professor, isto é, a versão original, aquela que os professores normalmente consideram como objeto de correção. O que se tem visto é que nessa leitura inicial das produções o trabalho de correção tem o objetivo de chamar a atenção do aluno para os problemas do texto. A tarefa de corrigir é, assim, uma “operação caça-erros” já que, quando intervém por escrito, o professor dirige a sua atenção para o que o texto tem de “ruim”, não de “bom”; são os “defeitos” e não as “qualidades” que, com raríssimas exceções, são focalizados. Assim, as correções consistem no trabalho de marcar, no texto do aluno, as possíveis “violações” linguísticas nele cometidas contra uma suposta imagem do que venha a ser um bom texto. Por essa razão pode-se dizer, sem dúvida alguma, que a leitura feita pelo professor, via correção, não é a mesma que a leitura realizada pelo leitor comum. Quando lemos alguma coisa, partimos do princípio de que aquilo nos faz algum sentido, isto é, tem coerência. Koch e Travaglia (1990:21) afirmam que a coerência está ligada à possibilidade de se estabelecer algum sentido para o texto, ou seja, é ela que faz com que o texto faça sentido para os usuários. Está ligada, portanto, ao princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Infelizmente, não é isso que geralmente acontece quando um professor corrige uma redação. É por isso que se transforma, no momento da leitura, em um “caçador” de erros, pois lê nessa expectativa – a de encontrar falhas e, assim, fazer jus a seu papel instituído de corretor. Observa-se, entretanto, o uso de expressões como bom, muito bom, ok, com a finalidade de reforçar positivamente a escrita do aluno em determinado trecho. Isso é interessante e confirma que “caçar erros” é esta uma preocupação permanente dos professores. Vamos tentar descrever as diferentes formas de intervenção empregadas pelos professores, resultado de pesquisas que há tempos venho fazendo em produções, tomando como referência a tipologia de redações mencionada por uma autora italiana, Serafini (1989), que muito se aproxima da que encontramos nos textos considerados.
A correção indicativa: ocorre na maioria esmagadora dos casos pesquisados. Todos os professores fazem uso dessa estratégia, com maior ou menor frequência. Nesse tipo, as correções ocorrem tanto na margem do texto do aluno (conforme Serafini), como no próprio corpo da redação (como encontrei nos textos analisados). São estratégias indicativas no corpo do texto: o professor circunda (ou sublinha) a palavra em que ocorre o problema; o professor circunda (ou sublinha) a sequência de letras onde se localiza o problema; o professor circunda (ou sublinha) a forma problemática; o professor traça um “X” no local de ocorrência do problema; o professor traça sinais acompanhados de expressões breves, na sequência linguística próxima à ocorrência do problema . São estratégias indicativas na margem do texto: o professor traça um “X” na direção da linha onde ocorre o problema; o professor traça um asterisco, na direção da linha onde ocorre o problema; o professor traça linha(s) vertical (is) paralela(s), chave(s) ou colchete(s), na direção do trecho onde ocorre o problema. Agora é possível dizer em que consiste a correção indicativa: é simplesmente apontar, por meio de alguma sinalização (verbal ou não, na margem e/ou corpo do texto), o problema de produção detectado. Por uma questão de rigor metodológico, eu não diria (conforme disse Serafini) que nesse tipo de correção o professor “altera muito pouco”, simplesmente porque ele “não altera nada”, somente indica o local das alterações a serem feitas pelo aluno. Esse é o tipo de correção mais largamente empregado pelos professores-sujeitos, seja como único recurso de correção, seja como reforço às demais formas interventivas.
A correção resolutiva: segundo Serafini (1989:113), consiste em reescrever todos os erros, reescrevendo palavras, frases e períodos inteiros. Nela, o professor realiza uma delicada operação que requer tempo e empenho, isto é, procura separar tudo o que no texto é aceitável e interpretar as intenções do aluno sobre trechos que exigem uma correção; reescreve depois tais partes fornecendo um texto correto. Neste caso, o erro é eliminado pela solução que reflete a opinião do professor. Encontrei muito pouco desse método de abordagem no conjunto de redações analisadas. E assim como pude verificar nas correções indicativas, nas de cunho resolutivo há uma variação na forma de intervenção que vale a pena ser mencionada. De um modo geral, elas se concentram mais no corpo do texto do que na margem ou “pós-texto”. Estratégias resolutivas no corpo do texto:
Estratégia de adição: o professor acrescenta forma(s) no espaço interlinear superior à linha em que ocorre o problema.
Estratégia de substituição: o professor reescreve a forma substitutiva no espaço linear superior à linha em que ocorre o problema.
Estratégia de deslocamento: o professor reescreve, em outro lugar do texto, a forma problemática (além de indicar o item a ser deslocado).
Estratégia de supressão: o professor risca a forma de supressão. Estratégias resolutivas na margem do texto: O professor escreve a forma alternativa na direção da linha em que ocorre o problema. Estratégias resolutivas no “pós-texto”: O professor escreve, no “pós-texto”, a forma alternativa à forma problemática. Como se pode observar, as resolutivas concentram-se no corpo do texto, sendo pouco frequentes as resoluções nas margens e menos ainda no “pós-texto”. Além disso, vale a pena frisar que, na maior parte dos casos de correção resolutiva, há igualmente indicações, a título de reforço. No último caso citado ocorre apenas um deslocamento – em vez de fazer a operação in loco, o professor opta por fazê-la no “pós-texto” do aluno. A análise nos permite dizer que, agindo dessa maneira, o professor nada mais faz do que meramente apontar para o aluno os locais onde ele deve operar no texto, seja substituindo, seja retirando, seja acrescentando ou deslocando formas. Estou constantemente chamando a atenção dos leitores para o fato de existirem meios e meios de correção de redações dos alunos na escola, frisando sempre que é um trabalho árduo, desde que feito com seriedade e compromisso com o futuro daquele ser humano em relação ao uso da língua escrita.. Pretendo encerrar minhas análises sobre os tipos de correções propostos, para passar às reflexões sobre a relação do pesquisador analista no diálogo correção/revisão, trabalho que realizarei em outro número desse mesmo periódico. A terceira estratégia de correção de redação apontada por Serafini é a chamada correção classificatória:
Tal correção consiste na identificação não ambígua dos erros através de uma classificação. Em alguns desses casos, o próprio professor sugere as modificações, mas é mais comum que ele proponha ao aluno que corrija sozinho o seu erro (…) Frente ao texto:
“Ainda que eu ia a praia todos os verões…”. o professor sublinha a palavra ia (como no caso da correção indicativa) e escreve ao lado a palavra modo. O termo utilizado deve referir-se a uma classificação de erros que seja do conhecimento do aluno (obviamente, neste caso, o modo do verbo é a fonte do erro). (Serafini, 1939:114) Poucos dos professores analisados adotaram a correção classificatória (preferem a resolutiva). Mas os que o fazem utilizaram um conjunto de símbolos (letras ou abreviações), escritos em geral à margem do texto, para classificar o tipo de problema encontrado. É lógico que o comportamento docente que precede o uso dessa estratégia é previamente combinado com os alunos, que conhecem tais símbolos, os quais variam de professor para professor. Abaixo, farei um quadro demonstrando os símbolos encontrados nas redações analisadas. Vale a pena ressaltar agora que, como ocorre nos casos de resolutiva, nos de correção classificatória, a indicativa também marca presença, exercendo uma função de reforço expressivo altamente significativa no processo interlocutivo professor/aluno. O trabalho de interpretação dos símbolos foi difícil e tive que recorrer ao auxílio dos professores usuários. Vou listar apenas alguns dos símbolos encontrados nos textos analisados, o que não quer dizer que os professores consultados não usassem outros, naquela ocasião.
Fica evidente que, nesse trabalho do conjunto de símbolos, houve algumas dificuldades. Algumas classificações me pareceram muito claras, outras não, o que me permite discordar de Serafini quando diz que a classificatória “consiste numa identificação não-ambígua dos erros”.
A correção textual-interativa: é o quarto e último tipo de correção encontrado nas redações analisadas. Trata-se de comentários mais longos do que os que se fazem na margem, razão pela qual são geralmente escritos em sequência ao texto do aluno (no espaço que aqui chamei de “pós-texto”). Tais comentários são como “bilhetes” que, muitas vezes, extensos demais para o tipo redacional, estruturação e temática, mais parecem verdadeiras cartas. Eles têm duas funções básicas, conforme pude perceber: falar acerca da tarefa de revisão pelo aluno (ou, mais especificamente, sobre os problemas do texto), ou falar, metadiscursivamente, acerca da própria tarefa de correção pelo professor. Os “bilhetes” se explicam, pois em face da impossibilidade prática de se abordarem certos aspectos relacionados ao trabalho interventivo escrito por meio dos demais tipos de correção apontados. Se resolver ou indicar no corpo, assim como indicar ou classificar na margem não parecem satisfatórios, o professor recorre a essa maneira alternativa de correção, relativamente aos tipos apontados por Serafini. Utiliza, daí, aquele espaço em branco que sobra abaixo da redação na folha de papel, que não foi preenchido pela escrita do aluno. O que percebi nitidamente nessa estratégia, obviamente em relação aos textos analisados é que, quando falam da revisão, os professores tematizam ora o comportamento verbal do aluno, ora seu comportamento não-verbal. Percebe-se, também que, quando o professor não está interessado em falar dos problemas do texto em si, mas, sim, de outros aspectos relacionados à tarefa de revisão, é por depois motivos que o faz: ou para elogiar o que foi feito pelo aluno (aprovando como foi feito o que o que foi feito), ou para cobrar o que não foi feito. Um exemplo:
Maria Laura, faça as correções com calma, utilizando o dicionário, se for preciso. Sua história está bem estruturada, mas é preciso cuidar da pontuação. SN Roberta, você entendeu bem a proposta e criou fatos para ligar as duas histórias. Refaça, com cuidado, as correções. Um beijo e um queijo, N Vale a pena ressaltar que o “bilhete” escrito pela professora para Maria Laura, teve resposta, logo abaixo: “Vou tentar melhorar”, escreve a menina e a professora ainda continua o processo escrevendo: “Melhorou. Corrija o que falta. Gosto de ver a sua dedicação ao estudo de Português”. SN
Os “bilhetes” de SN não fazem referência apenas à estruturação da narrativa de M. Laura, mas também e, sobretudo, ao seu empenho no trabalho de produção e revisão de texto. Pela resposta que esta dá em sequência ao texto da professora, percebe-se que este é o aspecto da correção que mais lhe toca, já que retomado em sua fala e reflete a troca de turnos que ocorre na interlocução aluno/produtor/professor/aluno-revisor. Os “bilhetes”, na realidade, tentam ir além das formas corriqueiras e tradicionais de intervenção, para falar dos problemas do texto. A correção textual-interativa é, pois, a forma alternativa encontrada pelo professor para dar conta de apontar, classificar ou até mesmo resolver aqueles problemas da redação do aluno que, por alguma razão, ele percebe que não basta via corpo, margem, ou símbolo. Após essa descrição geral das diversas formas de intervenção escrita a distância (em ausência, portanto) do professor no texto do aluno, na próxima série de artigos, procederei ao relato do exame das reescritas (revisões) elaboradas, as quais também analisei, tentando sequenciar meu trabalho. Quando assim procedi, queria saber qual a natureza das alterações realizadas pelos alunos em suas redações a propósito de correções resolutivas, indicativas, classificatórias ou textuais-interativas. Continuarei minhas reflexões em outra oportunidade.
ABAURRE, M. Bernadete M. et alii. 1997. Cenas de Aquisição da Escrita. O sujeito e o trabalho com o texto. Campinas: Mercado de Letras. ALVES, Rubem, 1997. O que eu quero é fome. In: ALVES, Rubem. Cenas da vida. Campinas: Papirus, pp. 53-6. JESUS, Conceição A. de. 1995. Reescrita: para além da higienização. Dissertação de Mestrado. Campinas: IEL, Unicamp. KATO, Mary. 1986. No mundo da escrita. São Paulo: Ática. MARCUSCHI, Luiz A. 2001. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez. SERAFINI, Maria T. 1989. Como escrever Textos. Trad. de Maria Augusta Bastos de Mattos. São Paulo: Globo. |
Notas:
1.Os textos que serviram de análise para este artigo foram escritos por alunos de Ouro Preto do Oeste-RO, retirados de trabalhos realizados por alunos do Curso de Pedagogia do PROHACAP/UNIR, do mesmo município.
2.Preocupações coincidentes com Eliana Ruiz.
3.Ruiz cita, aqui, o resultado de pesquisa realizada em várias escolas da cidade de Campinas, no estado de São Paulo.
4.Editora Ática, São Paulo.
5.Não há como mostrar os textos analisados por contingências de espaço no jornal.
6.Transcrito literalmente das redações dos alunos.
Publicado originalmente em
Revista Partes ano II março de 2003 n.31