Mídia e Política: a metamorfose do poder
por Davys Sleman de Negreiros
Revista Partes ano II fevereiro de 2003 n.30 www.partes.com.br/ed30/reflexao.asp
Resumo: Nada, portanto, é mais revelador do fato de a mídia não ser apenas um poder auxiliar, conforme pensa quem a chama de quarto poder. Pelo contrário, a mídia não age apenas como mediadora entre os poderes, mas como um dispositivo de produção do próprio poder de nomeação e, no limite, também de funcionamento da própria esfera política.
Palavras-Chaves: Mídia e política, Modernização das campanhas, Eleições midiatizadas, midiatização da política.
Pode-se aceitar o argumento de que a propaganda/marketing, os mídias e as estatísticas (as polêmicas pesquisas de opinião) impõem-se na medida em que se retrai a cena tradicional da política. Na cena brasileira, faltam principalmente os partidos, pelo menos quando se pensa teoricamente. Estes, desde o final dos anos 50, entraram em crise de representatividade, acelerada pelo Movimento de 1964. A reabertura política reencontrou, com o nome de partidos políticos, máquinas burocráticas que giram na órbita de seus interesses, ou, então, pequenas agremiações com palanques despolitizados, francamente televisivas. Esse fato torna-se compreendido, no caso brasileiro, quando realizamos uma retrospectiva de todo o movimento dos partidos políticos no Brasil que, demonstrando todas as dificuldades políticas e institucionais da nossa acidentada trajetória republicana: originalmente oligárquica (1889/1930), oscilou historicamente entre a ditadura (1937/1945 e 1964/1985) e o populismo (1946/1964), até chegar ao atual experimento democrático. Neste processo histórico foram experimentados nada menos do que seis sistemas partidários distintos sem praticamente nenhuma continuidade formal ou política entre eles, o que impediu não só a existência de partidos fortes, como também inibiu a formação de uma cultura cívica aberta e receptiva à ação dos partidos e favorável à constituição de identidades partidárias estáveis e consistentes ao longo do tempo. Só para se ter uma idéia da falta de tranqüilidade e de continuidade do sistema republicano brasileiro, do “período compreendido de 1930 a 1990, tivemos 1(um) golpe ou tentativa de golpe a cada 3 (três) anos”. Assim podemos afirmar que há um vácuo de representatividade e que num determinado momento foi preenchido pelos mídias, tendo como consequência, segundo Muniz Sodré, que
De modo geral, persiste a preocupação de que, no espaço público configurado pela mídia, a política tende a perder o seu conteúdo próprio e os partidos políticos, sua identidade como mediadores de interesses entre a sociedade e o Estado. Como destaca Garcia Canclíni, ao ocupar o lugar das mediações que seria próprio da política, os mídias estabeleceriam uma nova diagramação dos espaços e intercâmbios urbanos. A contaminação da política pela comunicação não se esgota no deslocamento de poder ocasional pelo monopólio tendencial do ato de publicizar ou na criação de temas/atores/cenários. A questão da adequação da política às regras e à gramática da mídia, de imediato, coloca-se no centro da análise. Ao aceitar a premissa de incorporação da comunicação como componente e momento da política contemporânea, uma vez que a mídia monopoliza tendencialmente a enunciação pública, pode-se considerar que a política para incorporar a comunicação (midiática) deve resignar-se às regras e formatações derivadas da mídia, posto que isso não só facilita sua realização, como até se torna inevitável. Longe de ser homogêneo quanto às avaliações e prescrições, o resultado das pesquisas desenvolvidas convergem, porém, para um aspecto: a centralidade da mídia e sua influência no cenário da política que passaram a caracterizar as novas democracias latino-americanas a partir da década de oitenta.
A Midiatização da Política Ao afirmarmos a centralidade da mídia, tanto no Brasil como em outras democracias latino-americanas da década de oitenta, os estudos corroboram o fenômeno cunhado por Sartori, de videopolítica, definido pela introdução da cultura audiovisual nas relações sociais e, particularmente, nas de poder. Do ponto de vista institucional, a importância da videopolítica dependeria diretamente de seu contrapeso, os partidos políticos: quanto menor o grau de institucionalização partidária, maior o espaço aberto para a expansão e penetração da videopolítica. É possível concluir que, mesmo nas sociedades fortemente institucionalizadas, a videopolítica, em grau mais ou menos acentuado, é presença certa sem limite de fronteiras no cenário “espetacularizado” da contemporaneidade ocidental (DEBORD, 1997). Landi (1990; 1992) aprofundou a discussão sobre a vídeopolítica na América Latina introduzindo o debate sobre a presença de diversos tipos e graus de intervenção sobre a cultura política, que vão além de uma campanha eleitoral e incluem jornais, entrevistas, debate, publicidade, horário gratuito político eleitoral (HGPE) e os comentários. Critica ele as velhas e esquemáticas teorias da manipulação informativa, para as quais todo o poder e o sentido da mensagem estão contidos no projeto do emissor. A sua perspectiva adota, em suma, o caminho inverso das análises maniqueístas, advertindo que a tendência colonizadora da tv na política encontra tensões e contrapesos que compõem um quadro mais complexo do que aquele das profecias apocalípticas (LANDI, 1990:46). Contra os males da “satanização” da mídia, afirma que a presença da televisão mantém-se nas transformações profundas da cultura e em certas características do sistema político (LANDI, 1990:38) e chama a atenção para a necessidade do estabelecimento de novas políticas voltadas para a inovação na utilização da técnica como desafio aos comunicadores:
Em decorrência desses fatores, Landi entende que a televisão garante sua presença devido às transformações profundas na cultura e no sistema político. A videopolítica gera um espaço aberto, em que o poder da TV se espraia sem contrapoderes visíveis, colocando em jogo as estruturas e as formas de ação da política. Nos países da América Latina, atua de maneira diferente daquela dos Estados Unidos e de forma peculiar em cada País. Mas algumas alterações comuns podem ser notadas nas campanhas eleitorais, como a introdução do marketing político e das pesquisas de opinião, a diminuição da militância voluntária e a necessidade de volumoso capital. A primazia do aparecer e a personalização da imagem possibilitam trazer à cena políticos de fora dos tradicionais centros urbanos. Outra consequência da videopolítica é o desenvolvimento de partidos de baixo tono ideológico, de agregação pragmática de reinvidicações e interesses. Aqui se consideram os partidos políticos culturalmente despreparados para absorver as mudanças trazidas com a introdução da mídia, particularmente da televisão na política. Um analista das relações entre os novos espaços culturais e a democracia, Roncagliolo, considera que
Seguindo nesta mesma trilha, Bernard Manin na obra “As metamorfoses do governo representativo”, elabora uma arqueologia do governo representativo, dividindo-o em três momentos: Parlamentarismo; Democracia dos partidos e Democracia do público. Por meio da análise de cada um destes momentos, contribuiu não somente para a discussão das transformações sofridas pela forma da representação ao longo de sua constituição, mas também com informações sobre o papel exercido pelos meios de comunicação para o (re)desenho da representação. No Parlamentarismo, segundo o autor, a escolha do representante estava relacionada à confiança e aos vínculos locais do candidato, sendo que os eleitos eram sempre os “Notáveis”. O representante eleito votava na Assembleia conforme sua consciência. Não existia uma relação direta entre a opinião pública e a expressão eleitoral. As discussões entre os representantes estavam restritas ao Parlamento. Este modelo se esgotou a partir da ampliação do corpo eleitoral e de um vasto número de cidadãos que passaram a ter o direito do voto. Por outro lado, a denominada Democracia dos Partidos surgiu em decorrência do aumento do eleitorado, gerado pela extensão do direito de voto, que impediu, assim, o povo de manter relações pessoais com seus representantes. Os cidadãos passavam a votar não mais em quem conheciam, mas em um candidato que carregasse as “cores” de um partido. Os partidos políticos, juntamente com as suas burocracias e sua rede de militantes, surgiram exatamente para mobilizarem esse eleitorado mais numeroso. Este tipo de representação era o governo do ativista e líder partidário, ou do “chefe político”. Nessa forma de governo, também há outra característica singular, o povo vota em um partido e não em uma pessoa. O fenômeno da estabilidade do comportamento eleitoral é uma prova disso.
Por outro lado, essa estabilidade eleitoral deriva, em grande medida, da determinação das preferências políticas por fatores socioeconômicos. Neste tipo de governo as clivagens eleitorais refletem as divisões de classe, até porque os setores sociais que se manifestam por meio das eleições estão em conflito entre si, em consequência de uma realidade social existente antes da política. Assim, a representação, fundamentalmente, passa a ser uma consequência da estrutura social. Outro aspecto que também influencia a estabilidade do comportamento dos eleitores é o fato de, nesse tipo de governo representativo, serem os partidos que organizam tanto a disputa eleitoral quanto os modos de expressão da opinião pública (manifestações de rua, petições, campanhas pelos jornais). Todas essas formas de expressão são estruturadas ao longo das clivagens partidárias. Os vários órgãos de imprensa mantêm laços com um dos partidos políticos, gerando assim, uma imprensa politicamente orientada, o que faz com que as pessoas escolham a sua fonte de informação de acordo com as suas inclinações partidárias. Como consequência, os fatos ou assuntos são percebidos pela ótica do partido em que votam. Concluindo, o autor sugere que o que está em declínio “são as relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado” (MANIN, 1995:07). São estas modificações no próprio campo político que geram uma nova metamorfose do modelo de governo representativo, constituindo um novo “tipo-ideal”, elaborado por Manin, denominado de Democracia do Público. Porém, nos últimos anos, a partir dos anos 70 principalmente, tem-se observado uma nítida modificação nas interpretações dos resultados eleitorais. Antes as preferências políticas podiam ser explicadas pelas características sociais, econômicas e culturais dos eleitores, neste momento a do governo do público, os resultados eleitorais tendem a variar significativamente de uma eleição para a outra, ainda que se mantenham inalteradas as condições socioeconômicas e culturais dos eleitores. Nesta etapa, diz ele, observa-se o declínio dos partidos e dos programas partidários, pois se transferiu a posição de principal fórum de debates do partido e do Parlamento para os meios de comunicação e, nesse processo, os candidatos passaram a cortejar o eleitor diretamente por meio dos meios de comunicação de massa, dispensando a mediação da rede de militantes do partido e estabelecendo uma nova relação entre políticos e eleitores por meio do uso intensivo de técnicas de comunicação que enfatizam a personalidade do candidato. A personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na explicação dessas variações: a existência de um eleitor sem vínculos partidários e que tende a votar de acordo com os problemas e questões postas em jogo em cada eleição e não em programas político/partidários acabou gerando o que se caracteriza como “volatilidade do voto”, ou seja, as pessoas tendem a votar de modo diferente de uma eleição para outra, dependendo da personalidade dos candidatos e dos temas importantes postos em debate. Cada vez mais os eleitores tendem a votar em uma pessoa, e não em um partido, em decorrência da presença dos mídias no campo político, o que tem aumentando, consequentemente, a importância dos fatores pessoais no relacionamento entre o representante e o seu eleitorado. Podemos notar esse aspecto no seguinte relato:
Nessas novas circunstâncias, de eleitores volúveis orientados pelos assuntos, há maior necessidade de informação acurada sobre a agenda programática dos representantes. A dependência do noticiário de TV tem sido acusada de ter ajudado a erodir o sistema eleitoral, pois os candidatos estariam sendo forçados às banalidades da política da imagem, pelo aspecto de corrida de cavalos (horse race) da campanha, realçado pelo noticiário de televisão, ou seja, a mídia (em especial a TV) contaminou a política impondo sua organização e dinâmica. Outra característica da Democracia do Público é que os canais (jornal, televisão, rádio e institutos de sondagem), onde se forma a opinião pública, são relativamente neutros, no sentido de não estarem diretamente ligados a partidos políticos em competição, embora possam apresentar preferências políticas. A neutralidade relativa dos mídias na democracia do público é um contraponto para a falta de neutralidade na democracia dos partidos, em que os meios de informação estavam atrelados aos partidos. Manin argumenta que atualmente isto não acontece, pois as informações são veiculadas pelos diferentes meios de forma homogênea, não existindo uma diferença gritante entre o que é noticiado em um ou outro veículo. O elemento novo aqui é que, embora os indivíduos formem opiniões divergentes sobre os objetos políticos, estas opiniões são construídas sobre elementos identicamente apresentados a todos e são percebidas de forma relativamente homogênea. Isso permite que a identificação entre eleitor e candidato se forme a partir de preferências sobre os objetos e não a partir de preferências partidárias. Uma consequência desta relativa neutralidade na divulgação de informações é a volatilidade do voto, a existência de um novo eleitor indeciso: o sujeito informado, interessado pela política e relativamente instruído. Em função da amplitude do número de eleitores e de temas, os representantes ou candidatos têm que debater no público, constituindo, desse modo, um novo local para a apresentação dos políticos e para o debate: os mídias. Assim, as Assembleias deixam de ser o local por excelência da discussão do político e passam a dividir este espaço com as mídias. Observe-se, no entanto, que, para Manin, ao contrário de outros autores, estes dados indicam uma alteração na prática política, que não significa, porém, uma crise de representação, uma vez que:
Em suma, observa-se o deslocamento dos partidos políticos como sujeitos da democracia. Apesar do registro da fragilização dos partidos políticos, excepcionalmente, nesta abordagem vislumbra-se uma perspectiva favorável a seu desempenho, sob a condição de que estes consigam adaptar-se aos novos tempos.
“El partido de masas, que según los prognósticos emitidos hasta la posguerra sería la forma dominante de organización política en el mundo contemporáneo, está a punto de ser un recuerdo del pasado más que un espejo del futuro”. (MOUCHON, 1999:107) A singularidade desta perspectiva é, portanto, a ênfase na necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos políticos de mediação e agregação de interesses nas sociedades complexas nas quais vivemos, em que pese a centralidade da mídia e a fragilidade institucional dos partidos políticos tanto no Brasil como na América Latina. A influência dos mídias no campo político, especificamente nas campanhas eleitorais, até porque estas são um dos objetos desta Dissertação, tem sido item recente de estudos comparativos internacionais; as campanhas eleitorais são descritas por parte da literatura mais informada ora como uma processo de “americanização”, ora como um processo de “modernização”. De acordo com os autores Paolo Mancini & David Swanson, as campanhas eleitorais são assuntos difíceis de se estudar e o que acontece com elas reflete, oportunidades, tradição, personalidades, cultura política e outras coisas. Além disso, nenhuma campanha é exatamente como outra, e, certamente, nenhuma campanha eleitoral de uma Nação é exatamente igual a outras de outros países, assim como os métodos e práticas usados nas campanhas eleitorais vêm mudando constantemente. Porém,
Os autores acreditavam, desse modo, que as práticas de campanha mereciam ser examinadas, em parte, como ponto inicial para considerar as mudanças fundamentais que poderiam estar ocorrendo nas democracias ao redor do mundo. Nesse sentido supunham que a adoção de métodos de campanha americanizada poderia refletir em um amplo e não parcial processo que estaria produzindo mudanças em muitas sociedades, mudanças que seriam difíceis de se atribuir a uma simples causa e que iriam além da política e da comunicação. Dessa forma,
Desse modo, as inovações nas campanhas eleitorais dos últimos anos, que parecem ser práticas que foram primeiramente desenvolvidas nos Estados Unidos, resultam fundamentalmente, como já foi notado por Manin, em outra parte deste trabalho, da transformação da estrutura social e da forma das democracias nos países onde as inovações têm sido adotadas. Estas transformações fazem parte do processo de modernização. Então, quanto mais avançado esteja o processo de modernização em um País, mais provável será encontrarmos inovações nas campanhas eleitorais sendo adotadas e adaptadas. Por tudo isso, faz-se necessário, neste momento, definirmos os conceitos de americanização e de modernização, de acordo com Mancini & Swanson. O conceito de “americanização” é usado para referir-se descritivamente a elementos das campanhas eleitorais e a atividade profissional conectada a elas. Isso foi primeiramente desenvolvido nos Estados Unidos e agora está sendo aplicado e adaptado de várias formas em outros países. Esse fato tem ocorrido por duas razões: primeiro, devido ao grande interesse que as campanhas americanas recebem da cobertura jornalística de todo o mundo; segundo, pelo grande número de especialistas de campanhas que visitam os Estados Unidos para estudar e conhecer o processo eleitoral. Além disso, a publicação de livros e manuais sobre o assunto tem ajudado a espalhar os métodos das campanhas americanas para outros países; como também, essa profissionalização é apoiada pelo frequente envolvimento de consultores políticos americanos em campanhas de outros países. Em decorrência, a disseminação destes elementos tem naturalmente sido descrita como campanha política americanizada em outros Países. Já o conceito de “modernização” diz respeito a um contexto de mudanças mais amplas e induzidas por variáveis que vão muito além da esfera política ou da esfera da comunicação e que dizem respeito à transformação estrutural da sociedade e das formas da democracia. Deste modo, colocando os dois conceitos defronte, a americanização das campanhas eleitorais deve ser entendida restritivamente como um conjunto de indicadores específicos de um processo mais geral de modernização da sociedade, cuja difusão vem sendo notavelmente acelerada pelo fenômeno da globalização dos mídias que, malgrado as diferenças nacionais de cultura política, vêm crescentemente unificando e estabelecendo agendas e comportamentos políticos, econômicos e culturais em escala mundial. Entre as principais características apontadas por aqueles dois autores no processo de modernização das campanhas eleitorais e a sua americanização estão a:
1) personalização da política: expressa pelo predomínio da relação entre os eleitores e os candidatos individuais em detrimento aos laços tradicionais de confiança e de ideologia entre os partidos que, desta forma, perdem substância enquanto agregação simbólica e estrutura organizada.
Os candidatos, nesse caso, parecem competir por eles mesmos ao mesmo tempo em que sua imagem pessoal, construída pela mass media, toma o lugar das ligações simbólicas que antes eram asseguradas pelos partidos políticos, ou seja, não existindo mais uma identificação do candidato com o partido;
2) cientifização da política: o conceito elaborado por Habermas (HABERMAS, 1984), é usado neste contexto para exprimir a crescente preponderância nas campanhas modernas do time da campanha formado por especialistas e técnicos que cada vez mais controlam não só a produção de informações, como também sua interpretação com vistas à tomada de decisões críticas no desenvolvimento da campanha.
“A expansão da função dos técnicos (experts) nas campanhas reflete, por um lado, os métodos sofisticados e as habilidades que são dadas como necessárias para a condução de uma campanha na política contemporânea dentro do ambiente da mídia (incluindo as habilidades associadas com as pesquisas de opinião pública e outros métodos para monitorar os desejos e as vontades dos eleitores, criando fortes propagandas de televisão, cobertura favorável, positiva e freqüente da mídia para o candidato e obtenção de fundos financeiros) e, por outro lado, o grande enfraquecimento do papel dos partidos, que não são mais capazes, por exemplo, de suprir as necessidades de fundos e de pessoal competente”.(WATTENBERG, 1984:131) Assim, os publicitários, marqueteiros, pesquisadores, cientistas políticos, relações públicas e jornalistas ganham crescente relevo no interior da campanha e tomam decisões que antes eram processadas dentro do aparato dos partidos pelas lideranças políticas e executadas por entusiastas e militantes. Dessa forma, o objetivo da “cientifização” é simplesmente a vitória eleitoral, e não encontrar alternativas úteis à política pública. Este objetivo parece resultar do inevitável enfraquecimento das organizações partidárias e das mudanças que podemos notar nos sistemas políticos;
3) estrutura autônoma da comunicação: um dos traços mais salientes da modernização é o desenvolvimento de uma poderosa e autônoma comunicação de massa, cuja influência penetra em todas as dimensões da vida social, política, econômica e cultural. No caso brasileiro, a concentração oligopolista da Rede Globo tem sido enfatizada com especial destaque pela sua influência na política no período da transição democrática, firmando uma tradição de estudos de mídia e política que passou a conferir centralidade à presença dos mídias, especialmente da televisão no cenário político da representação contemporânea.
A mídia, em consequência, tende a assumir funções políticas antes exclusivas de organizações partidárias ou de órgãos de imprensa controlados por partidos ou governos, tais como a socialização política e a divulgação de informação para o público sobre política e ação governamental. A autonomia da comunicação de massa torna os políticos mais dependentes da mídia e provoca, em consequência, a profissionalização da comunicação política dos partidos e líderes políticos, bem como do próprio governo na tentativa de manipular a mídia independente;
4) distanciamento dos partidos em relação aos cidadãos: nas sociedades contemporâneas a fragmentação social e a diferenciação dos interesses políticos impedem ou dificultam a relação direta entre líderes e partidos políticos e os seus eleitores, assim como a apreensão de suas preocupações e demandas correntes por meio do contato pessoal. Entre os efeitos deletérios desta nova situação encontra-se o progressivo declínio da rede de militantes e ativistas e a perda do sistema de comunicação interpessoal que articulava os eleitores às organizações partidárias.
Por outro lado, com a ascendência crescente dos especialistas de campanha os partidos programáticos foram compelidos a abandonar suas bases ideológicas pelas bases de opinião que, obviamente, são aferidas através de sondagens e pesquisas sob a responsabilidade de empresas especializadas. O resultado final destas mudanças é o crescente distanciamento dos partidos da vida cotidiana e dos seus eleitores;
5) transformação do cidadão em espectador: finalmente, com a centralidade da televisão nas campanhas políticas modernas – seja em países onde o acesso a TV é paga pelos partidos (como nos Estados Unidos) ou onde é regulado, gratuito e igualitário ou proporcional à força do partido na Câmara (Brasil, França e Inglaterra) – o evento político deslocou-se das ruas e praças públicas para a sala dos eleitores. Podemos ter um exemplo deste fato neste relato sobre o caso da Argentina.
Nada, portanto, é mais revelador do fato de a mídia não ser apenas um poder auxiliar, conforme pensa quem a chama de quarto poder. Pelo contrário, a mídia não só fornece os temas sobre os quais os públicos/eleitores devem pensar, colocando-os em categorias semantizadoras determinadas; como também, não age apenas como mediadora entre os poderes, mas como um dispositivo de produção do próprio poder de nomeação e, no limite, também de funcionamento da própria esfera política. Assim, parece estar havendo um consenso de que a antiga fórmula da centralidade política das comunicações foi substituída por uma proposta de centralização das comunicações na atividade política. Dessa forma, tanto no nível do intercâmbio político como no do simbólico, o funcionamento do sistema político nas democracias da sociedade moderna está sendo cada vez mais determinado pela mídia. |
Notas Frase proferida pelo Prof. Dr. FRANCISCO DE OLIVEIRA/USP, no “Projeto Fórum de Debates – Periferia, Subdesenvolvimento e Radicalização Anti-Democrática“, 02/09/1998 – Teatro Florestan Fernandes – UFSCar, São Carlos-SP. Citação coletada do Jornal do Brasil/Idéias, 03/01/1987. CANCLÍNI, Garcia N. “Del espacio público a teleparticipación”. In Culturas híbridas. Mexico, Grijalbo, 1990; e “Consumidores e cidadãos”. RJ, UFRJ, 1995. Notar o trabalho clássico de SARTORI, Giovanni. Videopolítica in Rivista Italiana de Scienza Política, vol. XIX, nº 2, 1989. Um outro autor que também defende a linha propagada por Manin é Patrick Champagne “O aparecimento, o desenvolvimento e, sobretudo, a difusão dos novos meios modernos de comunicação (…) implicaram um deslocamento progressivo do centro de gravidade do espaço político que passou das assembléias parlamentares para a mídia.” Quando Manin se refere à opinião pública está falando de manifestações, petições e da nova forma de expressão que é a sondagem de opinião. Esta discussão remete ao que Bourdieu denomina de uniformidade da oferta. Segundo o autor, a concorrência e a lógica de mercado, que são características expressivas do campo jornalístico, levam à homogeneidade do campo, pois trabalham com as mesmas fontes, as mesmas restrições, as mesmas pesquisas de opinião, os mesmos anunciantes. Entre vários podemos citar: NOVARO, Marcos. “O debate contemporâneo sobre a representação política”. Novos Estudos Cebrap 42, julho 1995: 77-97; COSTA, S. “Do simulacro e do discurso: esfera pública, meios de comunicação de massa e sociedade civil”. Comunicação&política nova série IV, nº 2, maio-agosto 1997: 117-36; DEBORD, G. “A sociedade do espetáculo”. RJ, Contraponto, 1997. Nesse sentido, Manin também descreveu as transformações da sociedade (modernização), porém fazendo a relação com as mudanças no contexto da representação de governo, enquanto os autores Mancini & Swanson relacionaram com a questão das campanhas eleitorais.
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