A história do marco zero da cidade de São Paulo, da praça que leva o nome da matriz de todas as nossas igrejas, é a mais triste e acidentada. Desde o século XVI quiseram os moradores da Vila de São Paulo de Piratininga lançar a pedra fundamental da igreja matriz. No início do século XVII, tudo estava ainda por fazer. E assim se fez. Uma capela foi erguida e terminada em 1612, mas em 1746, quando São Paulo preparava-se para receber seu primeiro bispo, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira (governou até 1748), ele teve que tomar posse na antiga Igreja de São Pedro, que ficava onde hoje localiza-se o prédio da Caixa Econômica Federal e o edifício Rolim, na Praça da Sé. Isso porque, naquela época, a Sé já estava imprestável, embora São Paulo tivesse se tornado, oficialmente, sede de diocese (1745). Essa informação contrasta com uma carta, datada de 1766, em que o Governador Morgado de Mateus diz ao primeiro ministro de D. José I, o futuro Marquês de Pombal, que a Sé é um dos templos mais suntuosos da cidade. Possivelmente, isso significa que a elevação da cidade a sede de diocese tenha trazido melhorias de vulto para o templo. E também que o governador exagerava um pouco…
Reconstruída, A Sé resistiu por muito tempo. Saint-Hilaire (Viagem à província de São Paulo, p.157), considerou-a muito menos imponente que a Igreja do Carmo. Daniel Kidder, que a conheceu nos tempos da Regência, deixou dela uma pequena descrição: “A catedral diocesana é bastante ampla, e, por ocasião de nossa visita cerca de vinte clérigos cantavam a missa. Era grande a assistência, com acentuada predominância de mulheres” (Reminiscências de viagens e permanências no Brasil, p.191).
Em 1913 definiu-se o terreno para a construção da atual catedral, em área mais extensa que a daquela antiga ermida, demolida em 1911. Pois São Paulo havia sido elevada a sede de arquidiocese por decreto do Papa Pio X e desejava uma catedral de grandes proporções.
Demorou a construção da nova Sé. Somente nos anos 50 pôde estar realmente finda. Seria ocioso descrever aquilo que escapa ao interesse eminentemente histórico desse artigo, a saber: traços arquitetônicos, características das torres, detalhes dos interiores etc. Pode-se observar que seu aspecto é tão sinistro, à noite, particularmente para quem olha da Praça João Mendes, ou mesmo daquele desvão que é a atual Rua Senador Feijó (que já foi Rua da Freira), que dá saudades, em quem conhece a nossa história, da antiga igrejinha que ali havia, simples e singela. Mas uma metrópole tinha que ter… catedral!
A cripta, no subsolo, é o que mais impressiona. Lá estão os mausoléus de Tibiriçá e do Regente Feijó. Além de religiosos de boa cepa ali sepultados.
E a Catedral da Sé também teve a sua importância na vida política recente do país. Em tempos de despotismo militar, assumiu o arcebispado D. Agnelo Rossi (1964-1970), inaugurando a fase da teologia da libertação e da opção preferencial pelos pobres. Desde 1970, sobressaiu-se a figura humana sem par do cardeal arcebispo D. Paulo Evaristo Arns, que dedicou todo o seu tempo e o seu esforço ao combate à ditadura militar, denunciando os crimes, as torturas e cedendo a Sé catedral para as manifestações políticas e ecumênicas pelos desaparecidos políticos e pela anistia. Mobilizou-se por ocasião dos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho.
Naquela que foi a maior mobilização popular da história do Brasil, as “Diretas Já”, a Sé foi o local dos grandes comícios, e na porta da catedral ficaram os manifestantes velando a noite inteira pela vitória da emenda Dante de Oliveira. Voltaram tristes e decepcionados…
D. Paulo foi sucedido por D. Claudio que, na época das greves do ABC paulista, de Lula e seus companheiros, vira sua igreja, em São Bernardo do Campo, tornar-se o local das assembléias de trabalhadores, ao abrigo dos helicópteros das forças armadas. D. Claudio tem, hoje, outra tarefa difícil: recuperar o templo da Sé Catedral, que foi interditado e exige reformas.
A Sé teve uma história acidentada. Sua tradição foi demolida duas vezes. Com o templo do século XVII. E com a Igreja do século XVIII. Mas num dos momentos mais trágicos de nossa existência enquanto país, o seu engajamento em prol dos humildes e vencidos desta vida devolveu-lhe todo o seu vigor, toda a sua história.