Renato Mafra*
Diferentemente de outros cientistas sociais, sociólogos e antropólogos, que se negam a escrever ou falar sobre assuntos de interesse, digamos, “popular”, vou aceitar o desafio que me coloquei de escrever pelo menos uma crônica sobre os “reality shows” tão em moda no Brasil ultimamente.
Para isto, vou pensar nestas linhas um pouco sobre a pergunta que o meu pai me fez, assim que acabou o BBBrasil, com o Kléber faturando as 500 pratas:
“Porque o Kléber ganhou?”
Na hora que ouvi esta pergunta não sabia exatamente o que responder, depois, mais precisamente no dia seguinte, consegui formular algumas alternativas, ou pelo menos uma, que tenta responder a tal indagação.
Vamos começar pela seguinte analogia: você já assistiu um jogo de futebol em que os times que estavam jogando não eram de sua preferência? Acredito que pelo menos uma vez na vida você já esteve nesta situação, não? Pois então, para qual time você decidiu torcer, para o mais forte ou para o mais fraco?
Penso que 90% das pessoas, quando tem que escolher entre um time mais inexpressivo ou um time de maior expressão nacional, acabam escolhendo o time mais fraco para torcer. Vou dar um exemplo recente: Lembram quando o São Caetano, time do interior paulista que ninguém conhecia, chegou à final do campeonato do ano 2000 contra o Vasco? A grande maioria do torcedores brasileiros, flamenguistas ou não, “adotaram” o São Caetano como o time para o qual iriam torcer, considerando que o Vasco era mais forte, ou pelo menos, tinha muito mais tradição no futebol brasileiro do que o, até então, singelo São Caetano.
Voltando para o caso do BBBrasil, acredito que aconteceu a mesma coisa, ou seja, os telespectadores brasileiros, com o poder de decisão que cada um assumiu perante a televisão, um poder quase divino de decidir os destinos das pessoas, procurou compensar as “injustiças da vida” ao escolher o participante do BBBrasil que levaria os 500 mil reais.
Um garotinho de aproximadamente 7 anos, respondendo a pergunta de uma determinada repórter, disse que estava torcendo para o Kléber ganhar. Quando a repórter perguntou porque ele estava torcendo para o Kléber, o pequeno garoto falou: “Porque ele é bonzinho”.
Pois então, aí esta a principal chave para entender o porque da vitória do Bambam. O Kléber foi “perseguido” e rechaçado por todos os seus competidores dentro da casa do BBB; esteve no “paredão” por quatro vezes, em uma destas oportunidades, recebeu o voto de praticamente todos os seus adversários, era considerado “burro” e ingênuo. Não entrava em confronto direto com ninguém, respondia a todas as agressões ou provocações, tentando sempre conquistar a amizade e simpatia dos demais competidores, mesmo diante de demonstração da mais pura antipatia, como nos casos em que o Adriano e o Bruno, simplesmente ignoraram as tentativas do Bambam de fazer alianças com eles.
Diante deste quadro, o que fez o público brasileiro? Saiu em defesa daquele que passou a imagem de bonzinho, bobinho, ingênuo e consequentemente mais fraco competidor. Cada paredão em que os participantes da casa do BBBrasil colocavam o Kléber, foi uma oportunidade que o público teve de, digamos, compensar a “fraqueza” e a perseguição seguida de humilhação que o Bambam sofria entre as quatro paredes levantadas pela Globo.
Em outras palavras diria que foi um sentimento de “justiça compensatória”, que moveu cada um daqueles brasileiros que ligou para votar a favor do Kléber.
Fenômeno muito semelhante aconteceu durante a primeira “Casa dos Artistas” onde a vencedora foi uma “pobre” menina, com cara de “Cinderela”, abandonada pelo falecimento precoce de sua mãe. A Bárbara transmitiu ao público um ar de menor abandonada e carente. Conclusão, seguindo a mesma lógica que se deu com o Bambam, o público simplesmente “adotou” a namorada do Supla e decidiu que o prêmio deveria ficar com ela.
Veja bem, alguém, na posição de telespectador, pensou algum dia que o prêmio, seja o da Casa dos Artistas ou do BBBrasil, deveria ficar com a pessoa mais rica, mais forte, mais inteligente dentre as que participaram deste programa? Aposto que não, muitos pensam imediatamente em votar a favor daquele que demonstre ser o que mais necessita do prêmio ou o mais “coitadinho”.
O resultado não poderia ter sido outro, rechaçado e até humilhado em determinadas circunstâncias pelo pessoal da casa, Kléber recebeu a acolhida do telespectador, que como um Deus com o telefone na mão, decidiu “dar de comer a quem tem fome,” ou ainda, “exaltar os humilhados”.
Penso que os tais “shows da realidade” nos dão um raio-x, mesmo que singelo, que nos permite observar alguns traços da cultura brasileira. Dentre estes traços identifico, além do óbvio voyeurismo, alguns dos princípios do cristianismo que norteiam o imaginário brasileiro.
Apesar da antipatia de alguns intelectuais por este tipo de programa, penso que eles são uma oportunidade que o estudante do comportamento humano tem de observar as relações e dinâmicas de sociabilidade. Em nossas pesquisas não podemos isolar os seres humanos, da mesma maneira com que se isola os ratinhos de laboratório, mas já que a Globo e o SBT os isolou por nós, porque não aproveitar a oportunidade e “dar uma olhadinha”?
*O autor é Cientista Social e mestrando em Antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.