por Fatima Teixeira
Simone de Beauvoir em seu livro “A Velhice” escreve: ” Morrer prematuramente ou envelhecer: não há outra alternativa”… (1990:347)
O envelhecimento é um processo natural e inevitável, sendo assim, a velhice é uma fase que, como a infância, a adolescência e a juventude, faz parte do ciclo biológico e natural da vida. No entanto, trata-se de uma construção social e histórica devido às variadas formas pelas quais o processo de envelhecimento é entendido e vivido nas diferentes sociedades.
Na França do século XlX por exemplo, a velhice passou a ser tratada como um problema social, isto porque, mais da metade da população com idade acima de 65 anos vivia em precárias condições de vida. O crescimento rápido da classe operária, a expansão do sistema capitalista do trabalho e o conjunto de procedimentos que passaram a orientar a ordem social vigente, foram as causas principais do agravamento da situação do idoso, que não possuía salário ou pensão e vivia sob a dependência dos filhos ou de instituições assistenciais. Nessa época foram criados os primeiros asilos construídos com recursos de fundos privados, doações de famílias de banqueiros e industriais. Pesquisas apontam que 40% dos asilos na França foram construídos no século XlX. (Lenoir,1996:82)
Como vemos a velhice enquanto representação social, vem atrelada, à participação do indivíduo no sistema produtivo. Frequentemente, o grau de respeito e de reconhecimento social das pessoas idosas está relacionado à produtividade.
O tratamento dado à questão da velhice na França se constituiu na formulação de políticas sociais, resultando numa mudança da estrutura social na década de 60 do século XX, traduzida em prestígio aos aposentados e transformação da imagem das pessoas envelhecidas em sujeitos respeitados.
No Brasil, o processo de mudança da imagem da velhice , teve início no final da década de 60 e as leis voltadas para a proteção da pessoa idosa datam de 1973 com a concessão pelo Ministério do Trabalho e o INPS a aposentadoria –velhice para homens a partir dos 60 anos e mulheres com idade acima dos 60 anos.
A Renda Mensal Vitalícia foi instituída em 1973, oferecendo 60% do salário mínimo para pessoas com mais de 70 anos.
A Constituição Federal de 1988 por meio de sua Política de Assistência Social, conferiu ao idoso e a pessoa portadora de deficiência a possibilidade de uma renda de sobrevivência. Trata-se de um salário para os não contribuintes e está previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, (Lei no 8742/93 artigos 20 e 21), como benefício de prestação continuada. Este benefício veio a substituir a Renda Mensal Vitalícia em 1996.
Na década de 60 surgiram no Brasil os primeiros programas institucionais para atender o idoso. Porém, tiveram maior desenvolvimento nos anos 80, devido ao crescimento real desta faixa da população, mas sobretudo, pela construção de uma imagem do idoso e do envelhecer diferente da ideia tradicional. A imagem veiculada, em geral, identificava a pessoa idosa apenas por suas fragilidades físicas, intelectuais decorrentes do avanço da idade e principalmente a falta de produtividade relacionada ao trabalho remunerado, contribuindo para a marginalização do idoso e privando-o de ocupar um espaço na sociedade.
Em 1985, a cidade de São Paulo viu surgir, a partir da organização do segmento, o Conselho Municipal da Condição do Idoso, sendo reconhecido pelo poder público como categoria social merecedora de atenção e espaço na cidade. Em 1989 foi criado o Grande Conselho Municipal do Idoso, dando continuidade ao processo de participação e lutas, na reivindicação de políticas para efetivarem os direitos concedidos e garantir ações que propiciem a melhoria da qualidade de vida de todos.
Não é difícil para qualquer um de nós constatarmos que a aposentadoria, principal benefício previdenciário e relacionado diretamente à velhice, representa a retirada da vida produtiva e a diminuição de rendimentos. Significa, quase sempre, o empobrecimento e a redução de satisfações outras que não as indispensáveis para a sobrevivência. Isto ocorre justamente numa fase da vida, na qual o cidadão que dedicou a vida ao trabalho, poderia utilizar o tempo disponível para a realização de desejos e novos projetos de vida. Assim, se vê obrigado a adiar para um futuro cada vez mais inatingível, a possibilidade de concretizar alguns sonhos acalentados ao longo da vida.
Sabemos que já existem algumas leis com o objetivo de corrigir injustiças e amenizar o cenário atual da velhice e dos aposentados.
Um exemplo é a legislação em vigor que permite aos maiores de 65 anos e portadores de deficiência a concessão de meia entrada em eventos culturais, artísticos e esportivos promovidos pelo município, ou órgão da administração indireta. Esta concessão vem inserir a população idosa nos espaços culturais e sociais da cidade e, além de tira-lo do isolamento involuntário no qual é colocado, também fazem parte dos padrões de vida digno do cidadão. Essas iniciativas devem ser apoiadas e divulgadas para o conjunto da sociedade, a fim de que alcance o idoso que não possui renda suficiente para patrocinar seus momentos de lazer.
Outra questão importante é se garantir em leis a eliminação de barreiras arquitetônicas que prejudicam o direito de ir e vir, não somente dos idosos, mas também dos portadores de deficiência. A poucos dias observamos que o Centro Cultural Vergueiro, espaço de inúmeros e interessantes eventos culturais da cidade, não possui rampas de acessos adequados à portadores de deficiência física em ao menos um de seus auditórios.
A isenção de encargos e tarifas públicas como o IPTU para os aposentados e pensionistas que ganham até três salários mínimos, veio a beneficiar inúmeros idosos que sentiam-se angustiados por ocasião da efetivação desses pagamentos, precisando muitas vezes recorrer com grande constrangimento ao auxílio dos filhos ou familiares.
A utilização gratuita nos transportes coletivos a partir dos 65 anos, bem como assentos reservados para idosos e portadores de deficiência, constituiu-se em uma resposta positiva do poder público para o segmento idoso. Porém, esta conquista ainda necessita ser entendida por motoristas, cobradores, população em geral, e pelas próprias empresas de ônibus como um direito a ser respeitado, a começar pelo pequeno espaço reservado para a permanência dos mais velhos. É grande a queixa dos idosos sobre os maus tratos a que são submetidos por alguns motoristas representados por freadas bruscas, arrancadas violentas no veículo, sem contar a falta de paciência ou má vontade para aguardar a subida ou descida das pessoas que já estão apresentando algumas dificuldades, como o equilíbrio por exemplo, comuns nesta fase da vida.
Na verdade, juntamente com as leis de proteção à pessoa idosa há a necessidade de se adequar a cidade e os recursos públicos para enfrentar essa nova realidade. É se suma importância a promoção de campanhas educativas que sensibilizem toda a sociedade para tratar os mais velhos com respeito e dignidade.
Na cidade de São Paulo, o idoso tem dificuldade em caminhar nas calçadas descuidadas e em atravessar avenidas ou ruas. Os semáforos, cronometrados e sincronizados para atender a necessidade do escoamento do trânsito de veículos, estão calculados para o andar ágil dos jovens, desorientando os pedestres que já não acompanham o ritmo acelerada da metrópole.
A situação ideal seria a de que, ao envelhecer, o cidadão pudesse desfrutar de uma Previdência Social, cujos recursos fossem suficientes para lhe oferecer uma velhice tranquila e que o direito ao atendimento à saúde lhe fosse assegurado com qualidade.
Uma vez que ninguém deseja morrer prematuramente, só nos resta a alternativa envelhecer. Como?
Dentro de um processo onde toda a sociedade colabore para:
– a transformação da imagem social da velhice, a começar dos idosos da nossa própria família, respeitando e enxergando os mais velhos como cidadãos com direitos e deveres;
– a criação de políticas públicas apropriadas para dar a necessária proteção à pessoa idosa, não na perspectiva da compensação, mas entendida como um direito;
– resgatar no idoso a condição de sujeito para assumir sua própria vontade, fazer as coisas que gosta, realizar os seus próprios desejos, viver e exercer a sua cidadania.
Referências Bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1990.
LENOIR, Remi. Iniciação à Prática Sociológica. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 1998