Roberto Carlos Morais Santiago (*)
Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, o Sr. Anísio Santiago começou a produzir a cachaça Havana, em sua propriedade rural, localizada na serra dos bois, entre os Municípios de Salinas e Novorizonte, região Norte de Minas Gerais que, ao longo das últimas décadas, passou a ser referência nacional no segmento cachaça artesanal.
De excepcional qualidade, pois o seu processo de produção é artesanal e atinge no máximo 15 mil litros/safra, a cachaça Havana é tida pelos especialistas como uma das melhores e mais famosas do Brasil.
A cachaça Havana, sem dúvida alguma, contribuiu para elevar o status quo desta bebida genuinamente brasileira que, hoje, vem tendo o seu consumo aumentado de forma significativa. Beber cachaça, hoje, é tão elegante quanto beber uísque, vinho, vodka ou outra bebida considerada mais tradicional. Indubitavelmente a cachaça está para o Brasil como o uísque está para a Escócia e a vodka está para a Rússia. São verdadeiras bebidas nacionais.
Ao longo do tempo a cachaça Havana tornou-se a mais elitizada do gênero no Brasil, sendo reverenciada por personalidades como Ronald Reagan (ex-presidente dos EUA), François Miterrand (ex-presidente da França), Fidel Castro (atual ditador de Cuba), Hélio Garcia (ex-Governador de Minas), dentre outras não menos importantes.
Inúmeras reportagens em TV, jornais e revistas foram feitas em forma de reverência a essa cachaça que, sem dúvida alguma, tornou-se um mito. Poucos produtos nacionais, de produção tipicamente artesanal, conseguiu tanto respeito e admiração pelos consumidores apesar de sua produção restrita.
Entretanto, recentemente, a empresa cubana Havana Club Holding S/A, notificou o Sr. Anísio Santiago proibindo-o de comercializar o seu produto com o nome Havana alegando que é proprietária da marca.
De fato, consultando o site do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI (www.inpi.gov.br), do Ministério da Indústria e Comércio, há o registro da marca Havana Club em nome desta empresa, concedido em 27/12/1994.
Porém, em 30/06/1989, o Sr. Anísio Santiago, através de sua empresa Indústria e Comércio de Aguardente Havana Ltda. solicitou o registro da marca Havana tendo o seu pedido considerado inviável em 26/06/1990 e arquivado em 30/01/2001, pelo INPI.
Ressalta-se que a empresa Havana Club Holding S/A, dona da marca Havana Club, comercializa rum (bebida caribenha). Não comercializa cachaça. Não há concorrência entre as bebidas. Por que, então, o INPI não concedeu o registro da marca aguardente Havana ao Sr. Anísio Santiago? Tecnicamente é possível haver o registro das duas marcas, cada um na sua especialidade.
Na verdade, quem causou essa confusão toda foi o INPI, que faz o registro de marcas pelo nome genérico. Ora, existem inúmeros tipos de bebidas como cachaça, rum, tequila, uísque, champanhe, cerveja, refrigerante, suco, etc. O INPI, simplesmente, aceita o registro de marcas abrangendo todos os tipos de bebidas de forma genérica.
E, mais, o Sr. Anísio Santiago requereu o registro de sua marca. Ele tem o direito de comercializar o seu produto como o nome Havana, tendo em vista que a comercializa desde 1943, antes mesmo da própria existência do INPI. É uma tradição, é um direito adquirido. Se o INPI não concedeu o registro não se sabe qual o motivo. No mínimo cometeu uma heresia.
Diante dos fatos, não restou outra solução buscar os seus direitos na justiça, onde já está tentando reaver a marca Havana que utiliza desde a década de 40 do século passado. Acredita-se que a justiça reaverá o direito de usar a marca Havana ao Sr. Anísio Santiago, porque sabe-se que foi ele quem criou a marca Havana através da sua cachaça.
Quando a empresa cubana Havana Club chegou ao Brasil para comercializar o seu produto, já existia no mercado brasileiro a marca Havana. O Sr. Anísio Santiago apenas cometeu o erro de não registrar a marca no INPI já na década de 1950 ou 1960, evitando os problemas que estão ocorrendo..
Enquanto se aguarda a manifestação do Poder Judiciário, o consumidor que queira degustar a cachaça Havana, momentaneamente, terá que adquirir a CACHAÇA ANÍSIO SANTIAGO, já disponível no mercado até que se resolva o problema.
Paralelamente, seria importante que a imprensa, as autoridades mineiras e, sobretudo, o povo de Salinas, não aceitem que a marca cachaça Havana seja excluída do mercado, mesmo que, atualmente, o produto esteja sendo comercializado com o nome do seu criador, pois trata-se da cachaça mais tradicional de Minas e do Brasil. A cachaça Havana faz parte da cultura mineira.
O Governo de Minas e a Assembleia Legislativa do Estado, que tem estimulado a produção de aguardente artesanal de qualidade através do Pró-Cachaça, deveria se posicionar e exigir que o INPI concedesse o registro da marca Havana ao Sr. Anísio Santiago tendo em vista que o seu produto é referência no Estado.
A AMPAQ – Associação Mineira dos Produtores de aguardentes de qualidade, também, deveria se posicionar a respeito, tendo em vista que é uma associação que defende a produção artesanal de cachaça de qualidade em território mineiro.
O povo de Salinas, através dos seus representantes (Prefeitura e Câmara dos Vereadores) e os produtores de aguardente de cana do município, através da ASPAQ – Associação Salinense dos Produtores de Aguardente de Qualidade, deveriam fazer um manifesto junto ao INPI exigindo o registro da marca aguardente Havana, tendo em vista que a bebida já faz parte do patrimônio cultural do município. Hoje, aguardente Havana e Salinas são sinônimos. A cachaça é o principal cartão de visita do município. Não é sem razão que o município é considerado a capital nacional da cachaça de produção artesanal, tendo a cachaça Anísio Santiago/Havana como precursora.
(*) Economista, é neto de Anísio Santiago
E-mail: rcmsantiago@globo.com