Por Paulo de Abreu Lima
Enviai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a face da terra. Parece ser tão árdua e, às vezes, impossível tal tarefa – especialmente em tempos de terrorismo, que a oração passa a ser uma expressão necessária (pelo menos para aqueles que crêem em algo que ultrapassa as relações de produção e mercado). O que enfim seria necessário para renovar a face da terra? Mudanças políticas…econômicas…educacionais…éticas… espirituais…individuais…? Com certeza estes aspectos estão envolvidos nas mudanças necessárias. Duas frases do Dalai Lama me chamam a atenção e me orientam para uma reflexão acerca do tema mudança, um tema que não é só individual mas também coletivo, isto é, social. Afora o apreço natural e sincero que muitos nutrem pela figura especialmente piedosa e simpática que é Tenzin Gyatso, com certeza ele representa um jeito diferente e muito especial mesmo de observar e compreender nossa vida e o ser humano. Diferente deste nosso jeito ocidental – tão onipotente e presunçoso. E não há dúvida que sua contribuição é inestimável e de um esforço muito grande na tentativa de mudar e reconstruir este nosso mundo.
“Se você quer transformar o mundo, mexa primeiro em seu interior”
Não estamos muito acostumados a dar ouvidos aos nossos movimentos internos, aos nossos processos internos. É muito mais cômodo encontrar causas e razões externas do que olharmos para o nosso próprio interior e encontrarmos aquilo que não queremos. Mudar o nosso interior parece ser a tarefa mais árdua que existe. Partindo do princípio de que ao nascermos, nossa estrutura de personalidade carrega traços comportamentais básicos que nos acompanhará para o resto da vida e que, ao mesmo tempo, esta mesma estrutura divide espaço com um sistema dinâmico que será responsável em gerenciar processos de adaptação e mudanças na nossa vida, organizando os sistemas de conhecimento, sentimentos e socialização, não é difícil imaginar realmente o quanto é doloroso e complexo o processo de mudança. Porque mudança é perda, no sentido de ajuste da posição confortável em que eu me encontrava, embora, sempre estamos nos ajustando na cadeira ou poltrona ou nos diversos tipos de relações e valores que mantemos. Mas é incômodo e indesejável, quando este ajuste acontece em função do outro. Mexer no interior, portanto, é mexer nos ajustes e posições que já estamos acostumados e acomodados. E nós, ocidentais, como bons materialistas somos muito apegados, e como diz o Dalai Lama em outra frase interessante: O apego é cheio de parcialidade. O amor e a compaixão são imparciais.
“A responsabilidade de todos é o único caminho para a sobrevivência humana ”
O terrorismo patrocinado por qualquer instituição (árabe, irlandesa, latina, não importa) é execrável. É execrável também a condição de partilha e dominação que o mundo sempre esteve sujeito – nações mais pobres nas mãos de nações mais ricas. Valeria a pena uma análise histórica e geopolítica para entendermos o tabuleiro do jogo de dominação entre as nações do mundo inteiro nos últimos duzentos anos. Não me sinto autorizado a fazê-lo. De qualquer modo, uma pergunta que fica é a seguinte: O que é mais execrável, ações terroristas chocantes e assustadoras ou ações políticas e conscientes de grandes nações que construíram suas vidas baseadas em relações de exploração? As conseqüências da globalização, ou mesmo seus interesses, não parecem, efetivamente, direcionados para que as relações entre as nações e as condições de vida das mesmas sejam melhoradas e, com certeza, a divisão de riquezas deve acontecer para isso. Não o que parece que tem acontecido com a evolução do que se chama de globalização. Os diversos mercados regionais (atuais ou em processo de formação) como Comunidade Europeia, Nafta, ALCA, etc. não parecem ter uma preocupação real com mudanças concretas nas relações de consumo da maioria da população – especialmente excluídas. De certo modo até está, quando se diz nos meios produtivos que a massa de população de baixa renda é muito importante para a economia, pois ela representa muito capital ativo para o consumo, e isto é importante para a indústria. Mas é só isso. A indústria e a economia estão preocupadas apenas com o crescimento econômico. Com o crescimento da riqueza. No fundo a grande questão é: e para quem ficará esta riqueza? Este é o grande problema. E é como diz o Dalai: a sobrevivência humana é responsabilidade de todos; e não apenas de líderes. Vale a pena lembrar uma observação a respeito do livro O despertar da Águia, de Leonardo Boff que, penso, encaixa e clareia bem a questão que está sendo abordada: “…a transição do homem para a humanidade, do local para o global, do bem comum humano para o bem comum planetário, se faz primordialmente pelo mercado. E este é competitivo e não cooperativo .” Eu realmente não sei se o mercado deve ser apenas cooperativo ou só competitivo. No fundo ele deveria ser os dois. Pois é próprio da natureza humana brigar, o movimento de conquista. O problema é que a maneira como esta briga tem sido travada nos últimos séculos parece ser muito injusta, ou seja, algumas nações têm se aproveitado de vantagens e condições que outras não têm (geografia, organização política, econômica, cultural, etc.). Uma vez ouvi que quando Deus criou o Universo não havia deixado nenhuma partilha ou espólio para povo algum. Por que uns se acham mais no direito que outros? A questão é muito complicada, mas vale o alerta do Dalai de que a solução deve ser compartilhada.