Fátima Teixeira
“Não me deitem à margem, não me deitem à margem, senão quando quiser visitar os amigos terei que ir ao cemitério”. (Alencar, personagem da minissérie “Os Maias” de Eça de Queiroz)
Existem várias formas das pessoas manifestarem suas ideias a respeito da velhice, que se refletem nas atitudes e reações frente as diferentes situações cotidianas que envolvem a pessoa idosa.
Para ilustrar a afirmativa inicial, comentarei dois exemplos tirados da minha experiência profissional na área de atendimento ao idoso em órgão público.
Há alguns dias recebi o telefonema de uma mulher que, justificando-se preocupada com a segurança de uma vizinha, solicitava providências do setor público para o caso. Disse tratar-se de uma senhora idosa que vive só e, segundo ela, por estar esclerosada permite a entrada de pessoas suspeitas em sua casa, podendo colocar em risco a vizinhança.
Para obter maiores informações decidi ir com uma colega de trabalho até o endereço fornecido para verificar a situação daquela idosa e as possibilidades de atendimento.
O endereço pertencia a um bairro considerado de classe média da cidade, embora a casa fosse de construção antiga e bastante modesta. Tanto o portão de entrada quanto a porta da casa não estavam trancados e assim que batemos duas pessoas saíram. A mais velha, muito receptiva, logo nos convidou a entrar, mesmo sem saber quem éramos e o que desejávamos.
Parecia contente com a visita e comportou-se como se já nos conhecesse e nos esperasse. Possuía um aspecto frágil, talvez pela magreza do corpo e por uma corcunda causada, provavelmente, por problemas de coluna. Vestia uma roupa de algodão estampado com saia franzida, mangas bufantes e detalhes em renda, como se vestiam as adolescentes de antigamente. Os cabelos grisalhos e lisos estavam desalinhados, mas pareciam limpos e as unhas apresentavam-se compridas e sujas.
A outra senhora um pouco mais nova mostrou-se desconfiada com a nossa visita, manteve a expressão séria e respondia com evasivas as nossas perguntas.
Ao entrarmos na sala, convidou-nos a sentar. Haviam poucos móveis, somente um sofá, uma poltrona, uma pequena mesa lateral e uma cadeira. Não notamos sujeira, apenas um cheiro forte de umidade, certamente devido a infiltrações e goteiras, resultado da falta de manutenção e conservação da casa.
Disse chamar-se Rosa* e ter completado 80 anos, informando dia, mês e ano de nascimento. Esses dados foram confirmados pela outra senhora que, cautelosamente, apresentou-se como Teodora* e vizinha de bairro que vez ou outra lhe faz companhia.
Esta não era a primeira vez que Rosa recebia visita de assistentes sociais, daí sua receptividade, mas mesmo sem ela nos perguntar, nos apresentamos dizendo com clareza de onde éramos, o motivo da visita e o nosso interesse em ajudá-la.
Contou-nos que vivia sozinha na casa de propriedade de seus pais e teve apenas um irmão que havia falecido muito jovem. Curiosamente, estes fatos foram relatados como se o tempo não tivesse passado e tudo acontecido recentemente. Disse realizar todos os serviços domésticos, embora com certa dificuldade devido a problemas na coluna que lhe causam fortes dores nas costas.
Não avalia a dimensão do perigo em viver sozinha, pois acredita-se protegida por uma vizinhança de amigos de muitos anos. Negou que permite a entrada de estranhos, a não ser algumas pessoas que vão ao seu quintal colher plantas e ervas para chás ou uso medicinal.
Sobrevive com uma pensão administrada por uma prima que encomenda pratos prontos num restaurante próximo. No entanto, não possui seu endereço ou telefone para estabelecer qualquer contato. As demais necessidades são supridas por vizinhos e transeuntes que ela aborda da varanda de entrada de sua casa.
Disse não precisar de nada, somente de paz para morrer na casa na qual passou toda a sua vida.
Prometemos voltar para novas conversas e notamos que o semblante de Teodora estava mais lívido e Rosa agradeceu nossa atenção.
O segundo caso também foi um telefonema relatando o caso de uma pessoa idosa. Referia-se a uma outra mulher, igualmente sozinha, moradora em quarto de cortiço num bairro próximo ao centro da cidade. Descreveu as condições insalubres em que vive a idosa, pois o quarto fica num porão. O aluguel é mantido por parentes, porém ela necessita trabalhar para garantir a alimentação, remédios e demais necessidades.
Ao contrário da primeira situação, esta senhora não solicitava ações do órgão público, mas sim informações e recursos para que ela mesma pudesse ajudar aquela idosa na busca de soluções para seus problemas.
Atendi a este caso procurando obter maiores detalhes e passar todos os recursos disponíveis e possibilidades viáveis, colocando-me a disposição para novos contatos e informações.
As duas situações descritas têm como problemática principal o abandono e a exclusão social a que estão submetidos os velhos, especialmente as mulheres, cuja expectativa de vida é maior, principalmente nos grandes centros urbanos. A grande e fundamental diferença entre as duas atitudes relatadas está no entendimento de que a responsabilidade pela mudança dessa situação não depende somente de políticas e ações do poder público. É necessário que ocorra uma mudança de mentalidade para se olhar a velhice com mais respeito e que impulsionem as pessoas para atitude mais solidárias.
Exercer a cidadania também significa conhecer os problemas do bairro, dos vizinhos e colaborar dentro de nossas possibilidades para as suas soluções. Os idosos, de uma maneira geral, necessitam de atenção para se sentirem queridos, valorizados e inseridos na família e na comunidade. A simples conversa com pessoas de outras faixas etárias ajudam-nos manter contato com a realidade e colaboram para a manutenção da saúde mental.
Este ano de 2001, designado o Ano Internacional do Voluntariado, é bastante apropriado para cada cidadão refletir sobre qual ação concreta pode desenvolver para impedir que os idosos permaneçam ou sejam deitados à margem da sociedade.
*Nomes fictícios para preservar o sigilo profissional.