Por Luiz Inácio Lula da Silva
Como cidadão brasileiro eu me envergonho toda a vez que o IBGE divulga os indicadores sociais do meu país. Como é possível explicar aos meus filhos por que uma minoria de brasileiros vive no Primeiro Mundo enquanto a esmagadora maioria é condenada às condições de Quarto Mundo? O fato é que os anos passam, os governos se sucedem e o Brasil não muda: continua sendo um dos países mais desiguais e injustos do mundo. Há pelo menos duas décadas a distribuição de renda permanece inalterada no país. Ou seja, os 10% mais ricos da população concentram em suas mãos 50% da riqueza do país, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 14% – aproximadamente o que ganha, sozinho, 1% dos mais ricos do país. A questão é saber por que esse quadro persiste e como fazer para alterá-lo.
Antigamente as pessoas de boa fé acreditavam que a pobreza era uma sentença divina. É evidente, porém, que a pobreza do povo brasileiro não é obra do Espírito Santo, mas o resultado de políticas e ações de vários governos que privilegiaram – e privilegiam – exclusivamente os interesses das elites que sempre mandaram neste país. Convém deixar claro que nada tenho contra a riqueza, principalmente quando ela é ganha com o suor do trabalho honesto e engenhoso, que se irradia para toda a sociedade, e não nas maracutaias e na corrupção governamental. O que não aceito é que mais de 80% da população brasileira não possam ter acesso à riqueza.
Evidentemente o brasileiro pobre não se encontra nas mesmas condições em que estava no início do século. O avanço da ciência e particularmente da medicina melhoraram as condições e alongaram a vida de todo o mundo. Vacinas, água encanada, e até mesmo alguns ensinamentos básicos de higiene e profilaxia diminuíram a mortalidade infantil, mesmo nos redutos mais modestos. E isso se deu praticamente em toda parte. Essas melhorias também estão registradas nos indicadores sociais do IBGE, mas não representam nenhum mérito dos atuais governantes, como procurou fazer crer parte da imprensa.
A diferença aparece quando se analisa o que cada governo faz para mudar o que não se resolve de forma espontânea: a divisão mais justa da riqueza. Basta perguntar, por exemplo, por que os anos de estudo do trabalhador brasileiro aumentaram tão pouco e são hoje menos da metade dos anos de estudo de um trabalhador dos países avançados? Ou por que cerca de 40% dos lares brasileiros não têm nenhum acesso a saneamento básico? Ou, ainda, por que as mortes violentas dos jovens brasileiros têm aumentado tanto? Do ponto de vista técnico não há nenhum segredo em promover a distribuição de renda e melhorar todos esses indicadores. Basta investir mais no social, possibilitando condições essenciais de vida aos pobres – como acesso ao emprego, à alimentação, à educação, à saúde – que eles vão adquirir cidadania e melhorar de vida.
Naturalmente, para fazer isso o Orçamento Público deverá atribuir menos recursos para os banqueiros, latifundiários e clientes dos governantes de plantão, canalizando-os para obras de saneamento, infraestrutura, programas de saúde, habitação popular e outras iniciativas que beneficiam diretamente os mais pobres. Também a propriedade agrária não poderá continuar tão concentrada e deverá ser melhor distribuída por meio de uma reforma agrária que dê condições de trabalho aos pequenos agricultores. Os programas de bolsa escola, renda mínima, juntamente com a elevação do salário mínimo, são outros exemplos de políticas que ajudarão o cidadão brasileiro a conquistar uma condição de vida mais digna.
Os gastos sociais do governo FHC não chegam a 13% do PIB, incluindo os da Previdência Social, que representam nada menos de 60% desse total. Tirando a Previdência, os gastos sociais desse governo são de apenas 6% do PIB, o que é muito pouco para um país com tamanha dívida social e extrema desigualdade.
As saídas, portanto, existem e não são nenhum bicho de sete cabeças. O problema é de ordem política. É de escolhas de rumo para o Brasil. O governo FHC escolheu o caminho da subordinação da economia do nosso país à globalização neoliberal. Vendeu a sua opção como se fosse inevitável e prometeu que, com ela, haveria desenvolvimento e justiça social. Não conseguiu nem uma coisa nem outra. Os resultados estão aí, expostos pelo próprio IBGE: o Brasil continua campeão em concentração de renda, desigualdade e injustiça social. E todo o mundo já sabe que esse caminho neoliberal não é o único: é possível uma outra globalização na qual os interesses do capital estejam subordinados aos interesses da sociedade.