Por Iara Bernardi
Na semana passada a Câmara dos Deputados teve a grandeza de aprovar um projeto de extrema importância para a causa feminina neste país. Trata-se do PL n.º 61, de 1999, que dispõe sobre o crime de assédio sexual.
O projeto, de nossa autoria, foi fruto de intensa discussão de pessoas e organismos envolvidos no movimento feminista brasileiro. Essa discussão começou ainda na legislatura passada e se consubstanciou num projeto apresentado pela então deputada Marta Suplicy, que foi arquivado ao término do seu mandato.
Nosso compromisso de reapresentar o projeto e nosso empenho em vê-lo aprovado foram realizados com muito orgulho e consciência do que representará para o avanço da sociedade brasileira e para um contingente enorme de mulheres a aprovação definitiva dessa proposta.
Mesmo depois dessa aprovação, evidentemente, ainda falta muito o que fazer. Temos que vencer eventuais resistências no Senado e lutar pela sanção integral junto ao presidente da República.
O projeto, porém, ganhou mais altura, mais fôlego. Está a meio caminho para se tornar norma jurídica para dispor sobre um importante e triste aspecto da realidade das mulheres brasileiras: o assédio sexual.
A proposta aprovada na Câmara criminaliza o assédio independente do sexo do agente. Contudo, é necessário reconhecer que a imensa maioria dos casos de assédio realmente ocorre contra mulheres, cometidos por homens. Assim, embora a proposta regule a questão de modo amplo e irrestrito, o projeto foi pensado para legislar sobre a forma mais comum do assédio, que é o do homem contra a mulher e é sob essa ótica que produzirá resultados mais positivos.
Quando tornado lei, o projeto tipificará o assédio sexual no rol das condutas apenadas criminalmente. O agente ficará sujeito a uma pena que pode chegar a até dois anos de detenção.
A esse respeito, é preciso esclarecer que a pena de detenção, não implicará em abarrotar presídios, simplesmente porque a detenção se difere da reclusão. A reclusão, sim, é a pena de prisão em regime fechado. A detenção não. Pode ser em regime aberto, semiaberto ou até mesmo em sistema de pena alternativa, com prestação de serviços a comunidade. Tudo dependerá do Juiz em cada caso concreto, que levará em conta todas as nuanças do caso e as características do réu, conforme determina o Código Penal.
Outro fato importante, que todos – homens e mulheres – precisam estar cientes é que o projeto não implicará em acabar com as cantadas, com a paquera ou com qualquer expressão de desejo ou afeto. Ninguém irá preso por cantar uma mulher ou vice-versa, por dizer galanteios, ou até por assoviar na rua quando alguém passa. Isso tudo não será crime de assédio sexual. Pode ser outro tipo de crime, mas assédio, conforme está tipificado no projeto que a Câmara aprovou, de forma alguma.
O crime de assédio sexual será configurado, isto sim, quando alguém, utilizando-se de ascendência sobre a vítima, utiliza de seu poder para tentar obter favores sexuais, contra a vontade dela. Será crime o assédio, por exemplo, do patrão contra a funcionária, do padrasto contra a enteada, do técnico do time contra a jogadora, do professor contra a aluna. São situações, portanto, que envolvem poder.
Nossa proposta, assim, nada mais faz do que apenar um tipo de comportamento extremamente grave e que, por incrível que pareça, ainda não havia sido tratado pelas leis brasileiras. Simplesmente, muitas mulheres não fizeram denúncias de haverem sofrido assédio sexual, ou estas foram arquivadas, porque não há legislação aplicável ao caso.
Contudo, tal situação irá mudar. A sociedade terá um mecanismo legal para punir o assédio. Temos, portanto, um grande progresso.
No ano passado o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou que a experiência estava demonstrando às Nações Unidas que as mulheres se saíam melhores mediadoras de conflitos do que os homens. Os homens, disse o dirigente, erguem muros. As mulheres constroem pontes.
Acredito que a aprovação do projeto de assédio sexual foi uma ponte construída pelas mulheres rumo a uma sociedade mais justa, na qual, dentre outras coisas, a agressão na forma de assédio é legalmente condenada. Outras pontes precisarão ser erguidas, ainda. Mas o caminho está dado e nos enche de esperança.
Iara Bernardi é deputada federal (PT-SP), vice-líder do PT na Câmara dos Deputados e 2ª vice-presidente nacional do PT.