Morreu no dia 6 de março, às 5h30, o governador paulista Mário Covas. Ele estava com 70 anos e tinha dois filhos e quatro netos com a primeira-dama Lila Covas. O governador enfrentava o câncer desde 1998, quando, ao assumir publicamente a doença, angariou a simpatia e a solidariedade de praticamente todo o País. (Veja artigo do Lula). Desde o dia 22 de janeiro, Covas estava licenciado do governo para tratamento médico.
A exemplo do amigo e correligionário Sérgio Motta, que morreu em 1998 depois de um longo período entrando e saindo de hospitais, Covas nunca se furtou a criticar as atitudes do igualmente amigo Fernando Henrique Cardoso à frente da Presidência da República. Também como Serjão, Covas resistiu o quanto pôde à doença que lhe tirou a vida, trabalhando até o limite de suas forças.
Depois de eleger-se governador em 1994 com 8.661.960 votos, em 1998 Covas quase perdeu a vaga no segundo turno para a petista Marta Suplicy. Dois anos depois, anunciou publicamente que adiaria uma cirurgia para dar seu voto à hoje prefeita Marta, que disputava a vaga com Paulo Maluf (PPB), um histórico desafeto político. Não foi a primeira nem a última atitude de Covas que causou comoção.
Personalidade marcante – Uma das marcas do governador era ser amado e odiado praticamente com a mesma intensidade. Em 1999, Covas ganhou destaque na imprensa ao enfrentar diretamente professores grevistas que bloqueavam a entrada da Secretaria Estadual de Educação. Na mesma época, bateu boca com estudantes que atiravam ovos contra ele e seus assessores. A atitude dividiu opiniões. Mas Covas, sem fazer jus à fama de indeciso dos tucanos da política, mais uma vez marcou posição.
Covas e a política
1961 – Disputa a eleição para a prefeitura de Santos com o apoio do então presidente da República, Jânio Quadros.
1962 – Aos 32 anos, é eleito deputado federal pelo Partido Social Trabalhista (PST)
1963 – É escolhido vice-líder do PST na Câmara
1964 – Na eleição indireta para presidente da República depois do golpe militar, Covas vota no marechal Juarez Távora, que não concorria ao cargo. No mesmo ano, torna-se líder de seu partido
1965 – Com a instauração do bipartidarismo, Covas filia-se ao MDB
1966 – É reeleito deputado federal
1967 – Torna-se líder do MDB na Câmara
1968 – É preso pelo Exército dias depois da decretação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em 13 de dezembro, e solto na véspera do Natal
1969 – Em janeiro, Covas tem seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Em março, passa dez dias preso em São Paulo, num quartel da Aeronáutica
1975 a 1979 – Trabalha na iniciativa privada com gerenciamento de projetos enquanto não recupera seus direitos políticos
1978 – Inelegível, coordena a campanha do amigo Fernando Henrique Cardoso ao Senado
1979 – A Anistia devolve-lhe os direitos políticos. Com a volta do pluripartidarismo, ingressa no PMDB
1982 – É eleito pela terceira vez deputado federal por São Paulo
1983 – Ocupa o cargo de secretário estadual dos Transportes no governo Franco Montoro por dois meses, até ser nomeado prefeito de São Paulo pelo governador
1984 – Destaca-se como um dos principais líderes da campanha pelas Diretas
1986 – No mesmo ano em que sofre seu primeiro enfarte, é eleito senador com mais de sete milhões de votos
1988 – Em junho, renuncia à liderança do PMDB na Constituinte e, ajuda a fundar o PSDB
1989 – Fica em quarto lugar no primeiro turno das primeiras eleições diretas para a Presidência da República desde 1961
1990 – É derrotado por Luiz Antônio Fleury Filho, do PMDB, na eleição para o governo do Estado
1994 – Em março, Covas é internado no Instituto do Coração (Incor) devido a uma erisipela na perna direita. Meses depois, é eleito governador de São Paulo ainda no primeiro turno
1996 – Demite os secretários do PFL que faziam parte de seu governo depois de o partido optar pelo apoio a Celso Pitta (PPB) nas eleições municipais da capital paulista
1997 – Em setembro, anuncia que não pretende disputar a reeleição ao governo do Estado
1998 – Em março, volta atrás e decide concorrer a um novo mandato no Palácio dos Bandeirantes. No segundo turno, das eleições, vence com facilidade o adversário do PPB, Paulo Maluf. Em dezembro, já reeleito, é substituído pelo vice, Geraldo Alckmin, durante o período de recuperação da cirurgia para a retirada de um tumor benigno na próstata. Na mesma intervenção é detectado um câncer na bexiga, que é retirada
1999 – Covas só toma posse no dia 10 de janeiro, com o fim de sua licença médica
2000
Agressão – Em maio, é agredido com uma bandeirada na cabeça durante uma manifestação de professores no ABC paulista. No mês seguinte, ao tentar entrar na Secretaria da Educação, na Praça da República Covas é atingido por pedras e paus atirados por professores que acampavam diante do prédio e sofre um ferimento na testa e outro no lábio superior. Nas duas ocasiões, reagiu pedindo respeito em voz alta e com o dedo em riste.
Apoio a Marta – Em outubro, com novos focos de câncer diagnosticados, adia a data de sua internação para a noite do dia 29 e confirma publicamente seu voto em Marta Suplicy (PT) no segundo turno para a prefeitura paulistana.
2001
Afastamento – No dia 22 de janeiro, Covas anuncia oficialmente seu afastamento do governo. Alckmin assume o cargo interinamente. Três dias depois, mesmo afastado, Covas participa de inauguração de obras na Castelo Branco e enfrenta protestos. No dia 25 de fevereiro, durante o carnaval, quando já planejava um retorno ao cargo, Covas passa mal em Bertioga, no litoral paulista, e é levado de helicóptero ao Incor, onde morre em 16 de março.
Uma outra visão…
Morre um ícone do neoliberalismo brasileiro
por Julian Rodrigues
Do ponto de vista da luta política que a esquerda trava contra os conservadores é fundamental a distinção entre adversários e aliados. A despeito do clima de comoção causado pela morte de um político com a importância de Covas, é preciso que pelo menos a esquerda não caia na reprodução do senso comum, reforçando a falsa imagem de um político, que, antes de tudo, foi nosso adversário ferrenho.
Mário Covas, líder do MDB, fundador do PMDB e do PSDB foi um político liberal, que durante os anos da ditadura militar se opôs a esse regime, sendo linha de frente da oposição burguesa. Nesse período, o projeto das classes dominantes era de cunho nacional-desenvolvimentista, e Covas tinha identidade com ele. Nunca foi, contudo, um reformista radical ou um defensor de reformas sociais no capitalismo.
Em 1983, Covas foi nomeado prefeito biônico da capital de São Paulo, pelo então governador peemedebista Franco Montoro.
Eleito deputado constituinte em 1986, Covas teve atuação destacada liderando seu partido, e, de fato, foi importante para garantir a efetivação de alguns direitos sociais na Constituição. Mas, não rasguemos a história: Covas foi constituinte nota 5,5 – atribuída pelo DIAP – votando contra algumas reivindicações históricas dos trabalhadores.
Em 1988, Covas lidera a fundação do PSDB, pretensamente para romper com as práticas do populismo desenvolvimentista e corrupto de Quércia, que hegemonizava o PMDB, desfraldando a bandeira da social-democracia, da ética, do parlamentarismo e das reformas sociais.
Não demorou muito para o PSDB cumprir seu verdadeiro papel histórico no Brasil: o partido ‘novo’, que conseguiu galvanizar as elites e as classes médias urbanas com um discurso modernizador e com uma imagem desvinculada das oligarquias tradicionais, vindo a se tornar o principal responsável pela devastação neoliberal na década de 1990.
Nessa transição foi importante a campanha presidencial de 1989. Covas era o melhor, o mais ‘confiável’ candidato do ponto de vista da burguesia, mas por diversas razões, acabou não emplacando. Durante um certo momento na campanha, Covas chegou a ultrapassar o liberal de carteirinha Afif Domingos e ameaçou se tornar um candidato com chance para ir ao segundo turno, o que acabou não ocorrendo. A frase mais forte dita por Covas na campanha de 1989 – sua síntese programática – foi a seguinte: ” O Brasil precisa de um choque de capitalismo”.
No segundo turno, o impasse: o PSDB levou quase um mês para vir apoiar Lula, e mesmo assim, só o fez porque apoiar Collor teria um custo político enorme. Covas só subiu no palanque petista nos dois últimos comícios da campanha. (Pesquisas feitas depois, mostraram que o eleitorado tucano se dividiu mais ou menos ao meio: metade votou em Collor, metade em Lula.)
Durante o governo Collor, o PSDB foi a “noiva” mais requisitada da política nacional. A maioria do PT se esforçava para, a todo o momento, fazer alianças com os tucanos e atestar seu caráter progressista, ignorando, por exemplo, o apoio do partido à política privatista do governo federal. Por outro lado, Collor, com a crise de seu governo aumentando, precisava do charme do PSDB para trazer credibilidade ao seu ministério. Desde o início do governo Collor, Fernando Henrique (então senador, e longe de se tornar FHC) operava para terminar sua carreira com glórias, viajando pelo mundo (como faz agora): queria ser chanceler de Collor.
No famoso episódio da “quase-entrada” dos tucanos no governo collorido, realmente Mário Covas teve um papel fundamental. Contra a maioria dos próceres tucanos (Fernando Henrique, Tasso e Pimenta da Veiga à frente), Covas jogou todo o seu prestígio para impedir que o PSDB fizesse essa bobagem. Homem de partido, com visão política mais acurada e pretensões maiores, Covas entendeu que se o PSDB viesse a entrar naquele governo, suas chances futuras de vir a ser poder no Brasil seriam ínfimas. Ironia do destino: o pusilânime Fernando Henrique deve suas duas presidências a essa atitude de Covas.
Eleito governador em 1994 – com o decisivo e equivocado apoio do PT no segundo turno – Covas tratou de desfazer as ilusões daqueles que pensavam ser ele um político de centro ou de centro-esquerda. Seu primeiro governo foi exemplar na aplicação rígida, extremamente ortodoxa, do receituário fiscalista neoliberal. Privatizações, concessões de estradas, sucateamento do serviço público, desmonte da educação, caos na saúde, pedágios selvagens. São Paulo se livrou do projeto desenvolvimentista burguês e corrupto do quercismo e entrou a pleno vapor na era o neoliberal.
Não é casual o fato de Covas ser um dos políticos mais badalados pela imprensa, a ponto de ter uma imagem pública tão positiva: ele foi um fiel seguidor do ‘pensamento único’, defensor dos interesses do grande capital. O fato mais paradigmático do governo Covas foi a entrega, no final do ano passado, do Banespa aos banqueiros do Santander, depois de anos de uma intervenção consentida do Banco Central que aumentou a dívida do Banco em 212%.
E a propalada ética de Covas também é outro mito construído com a ajuda da grande imprensa e, infelizmente, de setores da esquerda. Vários escândalos ocorreram nos dois governos Covas e foram parar debaixo do tapete. O caso mais célebre foram as irregularidades descobertas no CDHU, cujo ex-presidente, Gora Hana, chegou a ser apelidado de Goro Grana. Esse mesmo escândalo atingiu o filho de Covas, o Zuzinha, amigo assumido do “Grana”, e do dono da empresa Tejofran, beneficiada por contratos generosos do governo Covas. Isso para não falar nas concessões indevidas das estradas estaduais que beneficiaram empresas privadas e envolvem inclusive o atual governador Geraldo Alckmin. Ou das suspeitas privatizações das hidrelétricas. E por aí vai..
Em 1998, Covas tirou o PT do segundo turno com a ajuda do Ibope, da Rede Globo, e outros. Sua vitória sobre Maluf se deveu ao apoio petista. No entanto, essa aproximação não se refletiu em nenhuma reorientação política no seu segundo governo, que foi ainda mais privatista e autoritário do que o primeiro. As marcas deste segundo governo são a crise da Febem, o recrudescimento da repressão e da violência e a crise no sistema penitenciário.
A contradição dos petistas que tecem loas a Covas fica mais evidente se lembrarmos todos os embates do ano 2000, em especial a chamada “batalha da Paulista”, onde a PM de Covas reprimiu professores e manifestantes duramente. Ou então, as sucessivas desocupações violentas de terrenos em que a PM foi algoz de trabalhadores e excluídos. Nos últimos meses, não havia uma única cidade visitada por Covas na qual não acontecessem manifestações dos professores e funcionários públicos. E, em todas elas, Covas foi virulento, intolerante, arrogante, autoritário e reagiu de maneira destemperada (a destruição de parte do acampamento dos professores grevistas na Praça da República não é episódio menor).
Por fim, se tivesse sobrevivido ao câncer, Covas seria uma peça importante no rearranjo da coalizão conservadora e na sustentação de uma candidatura tucana em 2002 (Tasso Jereissati?) que tivesse força o suficiente para vencer as eleições e continuar a aplicação da política neoliberal.
Por isso tudo, em 6 de março de 2001, o Brasil perdeu um importante líder político de direita. E, a esquerda, um adversário perigoso.
Julian Rodrigues é militante PT-SP (Linha Aberta)
Leia abaixo a resposta de Ozeas Duarte, secretário nacional de comunicação do PT
Palavras desnecessárias e de mau gosto
Ozeas Duarte
Quem leu de manhã o Linha Aberta (Clique aqui e leia o artigo) deparou-se com um artigo inoportuno, inócuo e de mau gosto. Assinado pelo companheiro Julian Rodrigues, assessor da 3ª vice-presidência do DN, o texto utiliza-se do óbvio para cometer uma grosseria e agredir o sentimento humanitário das pessoas.
Quem não sabe que o PT foi oposição ao governo Covas? Será que o povo é tão estúpido assim, a ponto de não distinguir entre uma posição política e um gesto de condolências? Ou será que somos nós, ou alguns, de tal modo ideologizados que nem escolhemos oportunidade? Perdemos até mesmo o senso de conveniência?
O malfadado artigo diz: “Do ponto de vista da luta política que a esquerda trava contra os conservadores é fundamental a distinção entre adversários e aliados”.
Alguém, político, jornalista ou o que seja, teria perdido noção desta distinção só porque o Lula, Zé Dirceu, Genoino, Suplicy, Marta e alguns outros petistas foram lá manifestar sentimentos à família?
E segue: “A despeito do clima de comoção causado pela morte de um político com a importância de Covas, é preciso que pelo menos a esquerda não caia na reprodução do senso comum, reforçando a falsa imagem de um político que, antes de tudo, foi nosso adversário ferrenho”.
Até por dever de ofício, vi todas as declarações dos nossos companheiros que compareceram ao velório no Palácio dos Bandeirantes. Repilo a insinuação de que algum deles tenha misturado alhos com bugalhos, em declarações inadequadas. Por certo, todos eles comportaram-se como pessoas civilizadas, e ai é que está o ponto. É que algumas vezes politizamos a indecência, tratando como assunto ideológico a mera falta de educação.
Já pensou se Lula chega lá, cumprimenta a família e, abordado pela TV, diz assim: “Estamos aqui para manifestar nossa solidariedade à família, nosso mais sincero sentimento de condolências, apesar de se tratar de quem se trata, de um político neoliberal, adepto do consenso de Washington, que prestou um desserviço ao pais e ao povo brasileiro como governador de São Paulo.”?
Por certo, agindo assim, Lula seria louvado como o mais puro radical por alguns companheiros, Julian inclusive. Mas, e o Brasil? E a grande maioria dos petistas? Com certeza iriam considerar que o nosso querido Luiz Inácio teria, pura e simplesmente, se comportara como um sujeito desqualificado e sem a menor educação.
Consolo: ainda bem, este tipo de pensamento jamais chegará ao poder realmente!
Ozeas Duarte é secretário nacional de Comunicação do PT