Educação infantil: direito do cidadão e dever do município
Mauricio Antonio Ribeiro Lopes
1. Educação Infantil e obrigatoriedade
Tema pouco explorado desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação é o da natureza obrigatória da educação infantil. Quando se fala no princípio da obrigatoriedade da educação, fala-se em responsabilidade de mão dupla: do Estado e da família. Ocorre que, por outro lado, o art. 4º da LDB estabelece como dever do Estado, e portanto, como sua obrigação, o atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade.
Veja-se que o ensino fundamental também é concedido sob a rubrica de gratuidade, a exemplo do ensino infantil. Ocorre que para o ensino fundamental há prática de crime de abandono intelectual pelos pais se deixarem de prover a educação de filho em idade escolar. Apenas para os pais existe essa obrigatoriedade especial, porque a obrigação genérica do Estado existe não apenas para o ensino fundamental, mas para todos aqueles previstos no art. 4º, no âmbito de sua competência. O art. 5º § 2ºindica apenas uma ordem de preferência na formulação das políticas de atendimento, mas todas as modalidades de ensino, sendo deveres do Poder Público, são de prestação obrigatória.
Assim, inexiste discricionariedade administrativa do Poder Público no sentido de promover ou não a educação infantil na sua rede oficial de ensino. Sua omissão dá ensejo às ações judiciais já apresentadas anteriormente por todos aqueles legitimados.
De acordo com o art. 58, § 3º desta lei, a educação prestada aos alunos portadores de necessidades especiais deve ser ofertada por se tratar do dever constitucional do Estado, desde a faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
2. Da educação infantil em creches
Tradicionalmente, as creches são vistas como equipamentos públicos ou particulares de caráter assistencial para atendimento de crianças de mães trabalhadoras. Nada mais equivocado a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
A educação infantil será desenvolvida até os três anos e onze meses em equipamentos educacionais denominados creches, substituindo-se a função meramente assistencial por outra que envolva o início do processo de formação educacional, correspondendo à primeira etapa de proteção integral do ensino.
As despesas agora realizadas com a manutenção e o desenvolvimento infantil em creches integram os gastos orçamentários com educação, de acordo com a disciplina do art. 70 da LDB, substituindo antiga política de exclusão desses gastos.
A educação infantil, seja em creches seja em pré-escolas, é atribuição prioritária do Município, juntamente com o ensino fundamental, o que não retira dos Estados reserva de competência para manter os cursos de educação infantil que já possuía ao tempo da Lei 9.394/96, tampouco deva ele deixar de prestá-lo quando possível dentro de seu sistema de ensino.
Não deve o administrador público mirar-se no exemplo do Estado de São Paulo que, em poucos anos, extinguiu mais de 60.000 vagas em pré-escolas sob a alegação de que a competência para prestar o ensino infantil era privativa do Município. Trata-se de falácia da pior categoria. Insista-se que o sistema preconizado pela LDB é o da cooperação e integração das ações, não o exclusivismo prestativista.
O atendimento da educação infantil não prevê período letivo, tampouco carga horária. Nem seria necessário. Inspirado na finalidade de desenvolvimento integral da criança, deve ser prestado diuturnamente, sem as interrupções próprias da educação escolar e dentro dos períodos mais elásticos de tempo, respeitando-se a premissa de que as crianças nessa faixa etária utilizam ainda grande parte do dia para o sono, cabendo promover-lhes adequada alimentação, saúde e estimulação educativa dos sentidos e da sociabilidade no restante do período.
De acordo com o disposto no art. 89 da LDB, as creches e pré- escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino.
3. Da educação infantil pré-escolar
A pré-escola, ou antigo pré-primário, hoje estendido para períodos de quatro a seis anos e onze meses, capaz, pois, de ser desenvolvido ao longo de 3 anos letivos, sujeita-se a um regime intermediário entre a educação nas creches e o ensino fundamental.
Ainda não existe para a educação infantil, nem mesmo no campo da pré-escola, a sujeição a sistemas de avaliação para fins de promoção, mas apenas para registro e tratamento individualizado do aluno, em apoio às suas dificuldades especiais e respeito à sua personalidade. De outro lado, pode começar a estar sujeita a reconhecimento de intervalos nos períodos escolares, a exemplo do que se passa com o ensino fundamental, onde a educação nem é prestada em período integral, nem por todo o ano, havendo longos períodos de férias.
Essa fase de intermediação entre os regimes de creche e de ensino fundamental pode e, sempre que necessário, deve ser complementada pelo Poder Público com programas auxilares de caráter também educacional, através de atividade própria ou conveniada de apoio pedagógico e assistencial integral, através de centros de referência da infância ou programas análogos que permitam o completo desenvolvimento das crianças em todos os aspectos preconizados pelo art. 29 da Lei 9.394/96.
Mauricio Antonio Ribeiro Lopes é professor Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP e Promotor de Justiça em São Paulo
artigo publicado no Correio da Cidadania, semana de 28/10 a 4/11