Fátima Teixeira
Leliane Melro
Após o último artigo sobre Terceira Idade (A velhice é indigna?), no qual abordamos a forma como foi construída a imagem da velhice em nossa sociedade, um leitor chamou-nos a atenção para um aspecto bastante importante, mas ainda pouco explorado teoricamente, a sexualidade da pessoa idosa.
Cabe lembrar que o tema velhice e as questões do envelhecimento começaram a ser tratados a partir da década de 60, ganhando visibilidade nos anos 80 e exigindo necessárias políticas públicas, embora ainda insuficientes, no decorrer dos anos 90.
Alguns estudos realizados sobre o assunto, tanto no Brasil como em outros países do mundo, aliados à própria observação do cotidiano apontam para uma diferenciação de gênero quanto a forma como é vivida e entendida a sexualidade na velhice. Tanto o homem como a mulher podem viver experiências aparentemente comuns, mas com representações distintas. É sob este enfoque que iremos fazer nossa reflexão.
Para o homem que envelhece a aposentadoria representa uma mudança radical em sua vida, ou seja, ele retira-se do convívio predominantemente do espaço público e passa a experimentar mais intensamente o âmbito privado e doméstico. Já a mulher idosa de nossos dias, em geral, passou toda a sua vida cuidando da casa e da educação dos filhos, dentro da esfera doméstica. O fato de nunca ter vivido uma vida profissional ativa e ter levado uma vida sexual e social mais reprimida e restrita faz com que ela atravesse essa fase de forma diferenciada dos homens de sua mesma geração.
É comum encontrarmos idosas que consideram esta etapa da vida a mais feliz e tranquila, porque livres dos encargos familiares procuram realizar outras atividades que as ajudam a adquirir maior liberdade e autonomia. As mulheres mais velhas estão procurando se livrar de valores que as oprimiam na juventude e tentam resgatar, mesmo que na velhice, os encantos e desejos contidos ao longo da vida adulta. Esse processo é desencadeado mais favoravelmente em mulheres que não se acomodam e buscam a convivência com pessoas que apresentam essas mesmas inquietações.
A sexualidade da pessoa idosa ainda é encarada com um forte componente preconceituoso, apesar de vários avanços estarem acontecendo, especialmente na área da saúde, a fim de desmistificar os tabus que envolvem esse aspecto tão natural da vida.
Há uma expressão castelhana que define como “viejo verde”, aqueles que conservam inclinações à sedução, ou mantém desejos sexuais considerados impróprios à sua idade. Esta definição demonstra a ideia predominante sobre a sexualidade dos velhos.
Nos últimos séculos vem se aceitando a ideia de que o homem, após os 50 anos, vai perdendo sua potência sexual e que a mulher, após a menopausa por não mais procriar, já não está mais apta para manter relações sexuais. Isto são mitos originários da ideia vitoriana da monogamia absoluta. É bem verdade que nos casamentos duradouros o desejo sexual vai diminuindo devido a rotina, falta de mistérios e busca de estímulos que tragam novas descobertas de realização e satisfação. Muitas mulheres que hoje vivem a velhice, em decorrência do comportamento dos homens, não sentem prazer nas relações sexuais e ao chegar a menopausa consideram uma libertação não precisarem se submeter às exigências matrimoniais.
Ocorre que se a atividade sexual for praticada como fim em si mesma, apenas com o propósito de compartilhar o prazer, ela pode durar enquanto se viver.
A ideia de que os homens mais velhos são impotentes, a persistência de tabus sexuais, principalmente frente às diferenças de idade entre casais, em especial quando a mulher é mais velha e finalmente o padrão predominantemente de beleza que canaliza para a juventude todo o universo feminino, são alguns dos obstáculos sociais e culturais que impedem a existência de uma vida sexual ativa e prazerosa. Essa mentalidade elimina toda a possibilidade de vida sexual para as mulheres de certa idade que se veem condenadas à um comportamento de anormal castidade forçada.
O fantasma da impotência sexual persegue não só os homens de meia idade, mas os homens de todas as idades e se constitui em um dos produtos mais nocivos da nossa sociedade patriarcal. A impotência sexual e a ejaculação precoce são problemas sexuais que mais levam os brasileiros aos consultórios médicos, segundo pesquisa realizada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo através do Projeto Sexualidade.
Apesar das mulheres estarem tendo a oportunidade de buscarem viver mais plenamente a sua sexualidade, não há a garantia da aceitação desse comportamento por parte do homem. Isto se justifica porque ele ainda mantém intimamente a ideia de que detém o poder da conquista, da sedução e da iniciativa para abordar a mulher. O homem, no seu inconsciente, por possuir o órgão sexual de forma visível, foi condicionado à mostrá-lo com orgulho na infância e na juventude representa sua virilidade. No entanto, pode traí-lo na velhice.
Do ponto de vista emocional a impotência é originária do sistema patriarcal que dividiu a humanidade em duas partes: de um lado o homem, do outro a mulher, colocando-os um contra o outro e cada indivíduo contra si próprio, na medida em que criou um modelo de homem para ser aceito socialmente e um modelo ideal feminino, ambos com definições delimitadas e rígidas. A cultura se encarregou de difundir que o homem tem que ser forte, tem que ter sucesso, precisa ser corajoso e associou a masculinidade à potência sexual. Por outro lado a mulher tem que ser meiga, dócil, gentil, carinhosa, bonita e perfumada.
Evidentemente estamos vivendo um período de mudanças, mas ainda leva um tempo para que esse processo seja concluído.
Como promover o encontro entre essas duas pessoas? De um lado o homem que precisa entender e lidar com suas inseguranças frente ao seu desempenho sexual e do outro, a mulher que encontra-se mais tranquila e segura. Uma possibilidade é ele manter a serenidade adquirida por sua própria experiência, sem querer manter o mesmo nível de arrebatamento característico da juventude, perdendo assim a ansiedade que se constitui numa das causas do problema de ereção.
Os homens menos machistas envelhecem melhor e costumam continuar sua atividade sexual prazerosa até o fim da vida, caso não sofram nenhuma intercorrência ou doença física.
É possível que as atuais gerações de homens e mulheres que vivem outras formas de relacionamentos, uma vez que as mulheres encontram-se inseridas no mercado de trabalho e passam por experiências cuja independência se aproxima do modelo masculino, apresentem no futuro uma velhice com menores diferenças de gênero, menos preconceitos e mais liberdade no campo da sexualidade.
Quem sabe aí o homem ou a mulher, por sua idade, poderão se encontrar de forma mais desinteressada, mais solta e mais prazerosa? Superados todos os problemas de identidade, medos e preconceitos, ocorrerá, enfim, o verdadeiro encontro…
Referências Bibliográficas:
ALBA, Victor. História Social de La Vejez. Barcelona, Laertes, AS de Ediciones, 1992.
BARROS, Myrian Moraes Lins. Velhice ou Terceira Idade?. Rio de Janeiro, Ed Fundação Getúlio Vargas, 1998.
REIS, Léa Maria Aarão. 50/60 ano: Além da Idade do Lobo. Rio de Janeiro, Campos, 1998.
Fátima Teixeira é assistente social com mestrado pela PUC/SP
Leliane Melro é gerontóloga pela Universidade de Barcelona
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