Wandir Gonçales
A música brasileira e o canto popular deve muito a Elomar. Esquecido, o menestrel, arquiteto e criador de bodes na região da Gameleira, perto de Vitória da Conquista, Bahia, tem um universo musical e poético único: é uma sinfonia.
Os dialetos e costumes da Caatinga são recriados por este músico maior, ao mesmo tempo rústico e sofisticado, em uma obra essencial, que vai do violão solo ao sinfônico-coral.
O crítico José Ramos Tinhorão disse certa vez que Elomar é um dos maiores artista do Brasil.
“por estas me bato em retirada
vou ino cantar em outro lugar
cantá prá não chorar
adeus vô embora prá sombra
do Vale do Rio Gavião”
Veja abaixo duas obras de arte do menestrel Elomar.
Seresta Sertaneza
Nos raios de luz de um beijo puro
me estremeço e eis-me a navegar
por cerúleas regiões onde ao avaro
e ao impuro não é dado entrar
tresloucado cavaleiro andante
a vasculhar espaços de extintos ceus
num confronto derradeiro
vencí prometeu, anjo do mal,
o mais cruel acusador de meus irmãos
Nestes mundos dissipados
magas entidades dotam o corpo meu
de poderes encantados
mágicos sentidos na razão dos ceus
pois fundir o espaço e o tempo
vencer as tentações rasteiras
do instinto animal
só é dado a quem vê no amor
o único portal
Através de infindas sendas,
vias estelares um cordel de luz
trago atado ao umbigo ainda
pois não transmudei-me
ao reino dos cristais
apois Deus acorrentou os sábios na prisão escura das
tres dimensões
e escravizados desde então
a serviço dos maus
vivem a mentir, vivem a enganar
a iludir os corações
Visitante das estrelas
hóspede celeste, visões ancestrais
me torturam pois ao tê-las
quebra o encanto e torno
ao mundo de meus pais
À minha origem planetária
enfrentar a mansão da morte,
do pranto e da dor
donzela fecha esta janela
e não me tentes mais
Elomar, voz e violão
Violero
Vô cantá no canturi primero
as coisa lá da minha mudernage
qui mi fizero errante e violêro
eu falo séro i num é vadiage
i pra você qui agora está mi ôvino
juro inté pelo Santo Minino
Vige Maria qui ôve o qui eu digo
si fô mintira mi manda um castigo
Apois pro cantadô i violero
só hai treis coisa nesse mundo vão
amô, furria, viola, nunca dinhêro
viola, furria, amô, dinhêro não
Cantadô di trovas i martelo
di gabinete, ligêra i moirão
ai cantadô já curri o mundo intêro
já inté cantei nas portas di um castelo
dum rei qui si chamava di Juão
pode acriditá meu companhêro
dispois di tê cantado u dia intêro
o rei mi disse fica, eu disse não
Si eu tivesse di vivê obrigado
um dia inantes dêsse dia eu morro
Deus feis os homi e os bicho tudo fôrro
já vi iscrito no Livro Sagrado
qui a vida nessa terra é u’a passage
i cada um leva um fardo pesado
é um insinamento qui
derna a mudernage
eu trago bem dent’ do
coração guardado
Tive muita dô di num tê nada
pensano qui êsse mundo é tud’tê
mais só dispois di pená pelas istrada
beleza na pobreza é qui vim vê
vim vê na procissão u Lôvado-seja
i o malassombro das casa abandonada
côro di cego nas porta das igreja
i o êrmo da solidão das istrada
Pispiano tudo du cumêço
eu vô mostrá como faiz o pachola
qui inforca u pescoço da viola
rivira toda moda pelo avêsso
i sem arrepará si é noite ou dia
vai longe cantá o bem da furria
sem um tustão na cuia u cantadô
canta inté morrê o bem do amô.
Elomar, voz e violão