Rodrigo Contrera
Escrever artigos é para mim questão de obrigação. Não que ganhe algo com isso, nem que me sinta culpado quando não escrevo, o ponto é que somente escrevo quando obrigado – por razões que não domino – a isso.
O último dos meus artigos foi sobre um homem que vendia amendoins em um ônibus – o que me incomodou, mesmo que pouco. De lá para cá, os motivos têm ido desde o sequestro televisionado do Rio – que acompanhei “explodindo” por dentro – até a figura do próprio Pelé, que domina meus dias, pois trabalho no portal que leva seu nome. Não tenho conseguido passar em branco todos esses dias, que em muito têm me afetado, mas escrever que é bom, nada.
Noto com o passar do tempo que escrevo para deixar de me sentir. Escrevo porque sinto o que passa fora de mim, escrevo sobre aquilo que me atinge, a despeito de minhas vontades, escrevo sobre sentimentos estranhos que sinto devido a realidades estranhas etc e tal. Mas não escrevo sobre mim, sobre o que sinto enquanto fico sossegado, à noite – só consigo sossegar – ou quase – à noite.
Lembro que enquanto fazia Filosofia na USP houve momentos em que as palavras me escapavam, eu só conseguia lê-las aos poucos, a-o-s p-o-u-c-o-s, estranhado com as sílabas, com as letras, com os significados, com tudo o que pudessem me dizer. Estava estranhado com a razão, com a linguagem, com a relação mundo-linguagem. Deixei-me a tal ponto levar por tais pensamentos que hoje prefiro conversar sobre assuntos – mesmo os áridos, como legislação eleitoral – a ler trabalhos mesmo que sérios sobre tais assuntos. Geralmente acabo – parece – apreendendo a realidade melhor do que se lesse tantos textos, cujas xerox se acumulam ao redor dos meus micros. Considero isso uma vitória, mas no fundo tal hábito é só mais um fruto de minha preguiça – embora prove também certa capacidade.
Hoje os sentimentos – aqueles, que vêm de fora – parecem acumular-se, exigindo serem expressos em textos. Mas clamo, quieto embora tenso, por paz. Quero sentir o que de fato eu sinto e não aquilo que a realidade me obriga a sentir. Quero aceitar o meu medo, sentindo-o, mesmo que depois precise fingir em sociedade. Quero aceitar minha raiva, mesmo que depois precise capá-la. Quero chorar sem motivo. Quero rir por bobagens que ninguém entende, nem os loucos. Quem sabe seja por isso que as canções usam tanto a palavra Eu, em inglês, português ou seja lá que língua for. Quem sente demais o mundo no desespero pode querer apenas se afirmar.
Há pouco li que o pintor Francis Bacon – aquele que desenhava pessoas como pedaços de carne – achava que a busca por segurança é algo que destrói o impulso criativo. Ele diz não sentir nada quando defrontado com situações de injustiça social. Ele dizia assumir o sofrimento como natural e como origem da arte, e portanto também como origem dos reais frutos humanos, aqueles que permanecem.
Gostaria de concordar com ele, mas o fato é que o sofrimento alheio que machuca – mesmo que de forma egoísta ou hipócrita – e me irrita. Quero livrar-me dele, e a maneira mais fácil é jogá-lo em alguns textos, para daí abandoná-lo. Mas continuo me sentindo mal, e confesso que preferiria esquecer. Estou meio velho para ficar sentindo pena, só quero deixar de sofrer à toa, sem que isso me afete muito.
Será que só se pode sentir realmente aquele que não assume para si o seu semelhante? Gostaria de responder claramente que não, mas não tenho certeza. Ao contrário, sinto aos poucos que minhas sensações reflexas nada mais são do que atos de resposta tardia a um Rodrigo que sei lá por quê pareço não querer aceitar.
* Rodrigo Contrera ainda é jornalista