“A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se.” Paulo Freire – Pedagogia do Oprimido
Exclusão social
Paulo de Abreu Lima
Recentemente assisti a uma entrevista no canal GloboNews feita pelo jornalista Chico Pinheiro com D. Aloísio Lorscheider, Cardeal Arcebispo de Aparecida, SP, e achei interessante compartilhar uma reflexão sobre alguns aspectos levantados pelo bispo.
Vale a pena lembrar que D. Aloísio é bispo há 39 anos, tendo iniciado sua atuação como bispo em Santo Ângelo, RS, quando permaneceu lá por 11 anos; em seguida foi para Fortaleza, CE, onde ficou por 22 anos (local, por sinal, onde sofreu um episódio de sequestro num presídio, por ocasião de uma das visitas regulares de pastoral carcerária aos presidiários) e, atualmente, há cinco anos em Aparecida do Norte, SP.
Perguntado sobre o convívio com os governos autoritários (Costa e Silva até Figueiredo), na época em que foi secretário-geral e também presidente da CNBB, comenta que sempre foi, até, muito bem recebido por alguns presidentes (com exceção de Médici, que nunca o recebeu). Nesta época o Brasil vivia um período de exceção política muito intenso, com todos os mecanismos democráticos tolhidos, razão pela qual muitos setores da igreja católica – e D. Aloísio era um deles, como representante de uma instituição de liderança da igreja – mobilizaram-se fortemente na batalha pela recuperação de uma sociedade e um Estado democráticos. Os contatos das lideranças da igreja com os governos autoritários (é importante lembrar a figura de D. Paulo Evaristo como um grande expoente nesta luta) tinham como principal objetivo, entre outros, a denúncia das ações de arbítrios das instituições de repressão (prisões do frades dominicanos entre outros). O que me chamou atenção é a observação de D. Aloísio de que os presidentes, especialmente, sempre foram muito atentos e consideravam com respeito tais denúncias. É claro que isto não os isenta de eventuais responsabilidades durante suas gestões. De qualquer modo, o que acho interessante, é que, mesmo com uma liderança pró-ativa e bem-intencionada, muitas vezes não se tem controle da organização (não quero, de modo algum, isentar FHC de alguma eventual responsabilidade quanto ao atual caso Eduardo Jorge). Isto mostra o quanto a sociedade no período autoritário era autoritária (aliás, Paulo Freire considerava a sociedade brasileira muito autoritária, ou seja, arrogante e presunçosa); acho que, mesmo hoje, ainda o é. Pois este autoritarismo pode ser observado nos escândalos que rolam atualmente. Exemplo: o juiz Nicolau foragido (é uma autoridade do Poder Judiciário, não um juiz de futebol de várzea – ????? ) Isto me faz pensar que, mesmo com o restabelecimento de muitos mecanismos democráticos (econômicos e políticos) na nossa sociedade, esta mesma sociedade precisa crescer muito ainda, e acho que, o quê mais a atrapalha, neste crescimento, é esta tal arrogância, este tal autoritarismo, porque o comportamento e a ética autoritária são opressores, e tudo o que oprime, exclui.
A outra reflexão que quero partilhar é sobre o episódio que D. Aloísio sofreu no presídio em Fortaleza. Vale lembrar que D. Aloísio tornou-se refém numa rebelião tensa e de difícil negociação. Ele comentou que duas semanas depois retornou ao mesmo presídio para realização da cerimônia de lava-pés, dando continuidade ao seu trabalho pastoral. Diz ele que muitos presos reconheciam a pena imposta acatando a mesma, e que as razões das rebeliões eram reivindicações de melhores condições do próprio estabelecimento (superlotação, penas já cumpridas sem libertação, maus-tratos, etc. – situação comum e regular no país todo). D. Aloísio enfatiza que, o quê os presos precisam e solicitam é atenção – especialmente aqueles que reconhecem a condição de condenados – no sentido de recuperar a percepção de uma cidadania que foi prejudicada e/ou perdida. É muito forte, no entanto, na nossa sociedade autoritária, a consideração da perda do direito de resgate da cidadania como algo irreversível, especialmente se a “perda de cidadania” é oriunda da violação de regras sociais (contravenções, etc ). A reflexão é até engraçada, pois sabemos que é institucional a Lei de Gerson e que a violação de regras, é regra geral! De qualquer modo é muito forte o discurso – especialmente do setor da sociedade que exerce uma ética autoritária – de condenação e ridicularização de ações e iniciativas de direitos humanos – vide campanhas de penas de morte, etc.
O que acho interessante observar são as relações muito próximas de exclusão social e ética autoritária, que é a que me levou a refletir as observações de D. Aloísio Lorscheider. Penso que por mais que o Estado e as lideranças sejam pró-ativas e contributivas na evolução e amadurecimento da ética da sociedade (aliás, este é um de seus papéis) é a própria sociedade – nas instituições, nas famílias, nas pessoas – que deve esforçar-se na busca de relações mais justas e humanas, pois a atitude autoritária (arrogância, presunção, dominação) é por excelência excludente. Com certeza Paulo Freire deve, ainda, esforçar-se muito, seja lá de que modo, para transformar a nossa ética.
Paulo de Abreu Lima é psicólogo