Paulo de Abreu Lima
Patric… Sorriso curto, estreito, barriga acentuada, cheia de verme. Quando me vê, um olhar profundamente terno, que envolve a voz tímida, acompanha o gesto da perninha esticada indicando o sapatinho desamarrado.
” Tio, amarra pra mim…” Na sua expressão, no seu jeito, tem mais que um pedido, tem uma fala firme, embora pueril. Uma fala forte, profunda, que é também do seu pai, da sua mãe, que já não devem tê-las tão fortes. Mas o Patric, sim. É forte porque‚ pura. Mesmo que a faça, também, do seu pai e da sua mãe; antes de tudo é sua. Acho que‚ justamente por isso, é forte.
” Tio amarra pra mim…me dá um pouco do seu carinho…”
Porque é forte, não teme pedir carinho…porque não teme dar…porque é forte. Ainda não fizeram ocorrer a ele que um dia ele vai temer. Pobre Patric…um dia sussurrarão a ele: “Patric, não dê carinho á toa; guarde-os para si ou troque-os por…” Pobre Patric… embora com uma fala tão forte, tornar-se-á indefeso, quando desse sussurro.
Engraçado…nós, adultos, que temos a fala fraca, é que impingimos a eles nossa verdade. Verdade de adulto; verdade de gente grande (?!?) Somos nós, seguramente, que sussurramos em seus ouvidos. E pior: talvez o façamos exatamente quando nos esticam a perninha indicando o sapatinho desamarrado.
Luciano…no caminho de volta do trabalho, tem um cruzamento. É lá que encontro o Luciano; grudado à mãe, que tem passos pesados, olhar triste; pedindo… desesperançada…
Luciano não articula bem as palavras; quando repito seu nome, ele balbucia algo incompreensível; quer sair correndo, mas a mãe não deixa, pois o trânsito é muito pesado. Pobre Luciano…
O trânsito daquela esquina é desumano…é cinzento… fuliginoso…os motoristas não têm rostos; têm expressões pesadas e tensas à espera da abertura do farol.
Não é infantil o trânsito daquela esquina. O Luciano é…tão sonhador!! quer correr na grama, atrás de uma bola, rindo, gargalhando, pulando em cima do pai e da mãe… Mas ele não está. Está grudado à mãe; ora no seu colo, ora no chão, grudada em sua mão. Pobre Luciano…
Aquela esquina, provavelmente está cheia de anjos, pendurados nos muros, no viaduto; pois é o que deve acalentar o Luciano e sua mãe – pois parecem não acreditar mais em sonho qualquer, de tão pesadas e tristes, suas expressões.
E o sonho só tem sentido quando sonhado junto – e o Luciano e sua mãe parecem não ter mais direito de sonhar; parece que estão impedidos de sonhar; mas o Luciano sonha; ele é teimoso ( ainda bem!! )…ele esperneia e quer sair do colo da mãe, que não o deixa.
Patric e Luciano…quanta fragilidade e ternuras juntas; quanta força na fala e nos gestos.
Sussurrar, esticar os braços, acolher, envolver…como é forte e decisiva a nossa presença. É bom lembrar dos 10 anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente! Que temos muito caminho para percorrer.
Paulo de Abreu Lima é psicólogo