AMBIENTALISMO COMO FORMA DE LUTA
William Jorge Gerab*
(jun/2000)
Mantendo como pano de fundo a preocupação com a qualidade de vida da população, além da preocupação com a própria sobrevivência da humanidade, gostaria de abordar a questão ambiental, nesta oportunidade, sob três outros aspectos:
– o primeiro, é o da abertura da possibilidade de se discutir os problemas atuais combinando aspectos tão diferentes como os de economia, urbanismo, cultura e política;
– o segundo, é o que nos permite perceber que o processo de degradação do meio ambiente, no qual o elemento humano é agente de diversos e contraditórios papéis, é a consequência da forma específica de desenvolvimento, engendrada pelo sistema capitalista, que acabou por levar de roldão e contribuir com o fracasso das tentativas de construções alternativas, como as do leste europeu, por exemplo;
– e o terceiro aspecto, é, justamente, o do tipo de contribuição para a elaboração programática, visando a superação do quadro de crise atual, que pode ser construído a partir da perspectiva ambiental.
Vamos detalhar essa abordagem, utilizando três temas muito representativos dos problemas vigentes. Falamos do “trabalho”, como um dos meios fundamentais da boa qualidade de vida nos centros urbanos; das soluções dadas ao “lixo”, como um cheque mate á atual forma de vida nas cidades; e da “reforma urbana”, como a luz no fim do túnel para a problemática socioambiental.
EMPREGO PARA TODOS, ENQUANTO FOR PRECISO
TRABALHAR PARA VIVER.
No Brasil ainda estamos muito longe do momento em que trabalhar seja algo quase dispensável, já que a tecnologia poderá atender a quase todas as demandas. Estar desempregado é uma situação bastante indesejável para qualquer cidadão, de qualquer época, mas, particularmente sob o neoliberalismo e seu tipo próprio de globalização, onde desaparecem as vagas de emprego de forma irreversível (desemprego estrutural), o que se passa a ter é uma situação dramática.
Como, nesta estrutura social e econômica, todas as coisas que precisamos consumir para viver tomaram a forma de mercadoria, o termo “desempregado” tornou-se, praticamente, sinônimo de “excluído”, isto é, posto de lado, rejeitado, sem acesso aos bens e serviços produzidos pela sociedade formal. Quem está nesta situação acaba, por exemplo, indo morar, de forma precária, nas encostas, nas regiões de proteção aos mananciais, enfim, onde ainda houver espaço, pois não tem escolha.
Quanto à questão do emprego é necessário pensar em aumentar a oferta na estrutura formal, com a diminuição da taxa de juros bancários para os investimentos geradores de empregos, com a diminuição da jornada de trabalho sem a diminuição dos já parcos salários, etc.. Mas, se a famigerada irreversibilidade da globalização neoliberal se confirmar, faz-se necessário o surgimento de mais do que a economia paralela, já existente.
Temos, na hipótese mencionada, que tratar da construção de uma verdadeira sociedade paralela, com um sistema produtivo próprio, um sistema de distribuição da produção próprio, uma nova forma de distribuição mais equitativa das riquezas produzidas e, de preferência, com novas relações sociais mais justas e sem discriminações, calcadas na solidariedade. Neste sentido, uma das alternativas a serem aprofundadas pelos estudiosos e pelo movimento social é a das cooperativas, como uma das referências para a construção de um quadro de pleno emprego e de novas relações de trabalho.
O Trabalho possui um significado muito especial dentre as estruturas de acolhimento urbano, pois a sua existência em abundância pode, não só acolher bem aqueles que vivem na cidade, como também atrair progressivamente novos habitantes. De forma inversa, a sua escassez tende, não só a rejeitar novos habitantes, como também a expulsar a parcela atingida dos antigos moradores da cidade. Além disso, existem também os aspectos referentes à qualidade do trabalho, que são definidos pela própria especialização profissional existente e pela qualidade de vida oferecida às pessoas durante o período de atividades.
Devemos mencionar, também, o peso do espaço destinado ao trabalho no contexto da cidade como um todo, já que ele pode prejudicar ou não o meio ambiente, seja com referência à postura que é assumida frente aos vários tipos de poluição que pode gerar (do ar, inclusive a sonora, da água, etc.), seja com relação à sua localização e contribuição à formação da paisagem urbana.
OUTRO DESTINO PARA O LIXO E PARA
AS PESSOAS QUE VIVEM NELE
O preconceito, que faz sentirmos asco quando se fala a respeito do lixo, é muito conveniente para as grandes empreiteiras do setor. Quando encaramos o lixo como, simplesmente, algo do que nos livrarmos, sem a preocupação com o seu destino, acabamos tendo que pagar um preço muito caro para que alguém cuide disso. Justamente por este fato e por não enxergarmos os resíduos sólidos (o lixo) como fonte da reutilização de matérias, é que um número cada vez maior de pessoas excluídas da sociedade formal (sem emprego, muitas vezes sem ter onde morar) acaba se misturando aos “restos”, que como elas são desprezados por quase todos.
Na verdade, a visão de pessoas e até de famílias inteiras trabalhando de forma inadequada, comendo e morando no meio do lixo é um dos indícios da falência desta estrutura social, classista e crescentemente excluidora dos já despossuídos. Mas, o problema não se resume nisso e deve preocupar a todos, principalmente aos moradores das grandes cidades.
Em muitos dos principais centros urbanos do Brasil já não se tem mais onde estabelecer aterros sanitários (depósitos de resíduos com critérios técnicos). É claro que os “lixões”, depósitos clandestinos e/ou inadequados de lixo de vários tipos (doméstico, industrial, de entulhos etc.), continuam sendo adensados e criados criminosamente pelo país afora. Todo esse material, numa cidade como São Paulo, por exemplo, é produzido em grandes quantidades – só de lixo, disposto legalmente, temos cerca de 15 mil toneladas diárias
Existem pelo menos quatro tecnologias para o tratamento dos resíduos sólidos: 1) a “reciclagem”, que é precedida pela coleta seletiva e a triagem do lixo; 2) a “compostagem” ou reciclagem do lixo orgânico para a sua utilização na agricultura; 3) o “tratamento térmico”, que visa a diminuição do volume de lixo a ser armazenado (fornos cremadores do lixo domiciliar – acima de 800°) ou a desinfecção do lixo hospitalar (fornos de micro-ondas ou ondas de rádio de baixa frequência – até 120°); 4) a “autoclave”, que também faz a desinfecção, utilizando vapor de água e alta pressão; e 5) o “aterro sanitário”, que utiliza tecnologia para armazenar o lixo, sem poluir.
Deve-se dispor simultaneamente destas tecnologias, utilizando-as de forma combinada e adequada para cada momento. A composição e a quantidade do lixo são as referências básicas para a definição do uso combinado dessas tecnologias. Este conjunto de procedimentos é conhecido como “gestão integrada dos resíduos sólidos”. Em todo esse processo, por mais moderno que seja, o acompanhamento ambiental continua indispensável, desde os projetos no papel, passando pela escolha dos equipamentos a serem utilizados e até o cotidiano do funcionamento de cada um deles, já que os riscos de poluição e/ou degradação ambiental nunca são eliminados por completo. Além disso, deve-se recorrer cada vez menos a aquelas tecnologias que armazenam o lixo, ocupando espaços preciosos, como é o caso dos aterros e lixões.
É claro que campanhas educacionais se fazem necessárias. Em diversos países do chamado 1º mundo, por exemplo, são feitas campanhas intensivas e duradouras, que buscam tornar conhecidos os “3 R”: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Porém, o mais importante seria se criar as condições necessárias para que a população pudesse acompanhar amiúde a administração do lixo, não só para inviabilizar a corrupção no setor, mas também para garantir que as soluções utilizadas atendessem aos seus interesses – não poluidoras, economicamente viáveis e sustentáveis, em termos urbanos e ambientais.
Além da importância política deste acompanhamento popular, há também um interesse socioeconômico a ser destacado: principalmente no caso da reciclagem, mas também no da compostagem, o tratamento do lixo pode ser operado por pequenas cooperativas comunitárias, que comporiam um sistema municipal, o qual por sua vez viabilizaria o gerenciamento integrado. Isso evitaria o gigantismo nesta área, além de propiciar novas fontes de emprego para a população e tornar mais fácil a administração, em geral, e o controle dos recursos financeiros aplicados neste serviço básico, em particular.
LUTAR PELA REFORMA URBANA
As medidas de fundo, para atacar com eficiência o problema da degradação ambiental, portanto, mesclam-se com as que deveriam, por exemplo, ser tomadas para resolver os problemas da área econômica, os da sobrevivência e bem estar das populações, inclusive as dos países pobres. Um dos temas, que melhor combina essas diversas áreas é o da “reforma urbana”, mas não o de qualquer reforma e sim o de uma que tenha a distribuição de renda mais equitativa e a justiça social, como integrantes imprescindíveis da harmonização ambiental.
Assim, ao falarmos dos problemas de trânsito; das insuficiências e incorreções viárias; das distorções do zoneamento e dos planos diretores (áreas de moradia, trabalho e as diferentes características, que cada uma deve ter de acordo com as condições específicas, etc.); das mudanças na cultura de toda a população, que passa pela questão educacional, viabilizando um novo comportamento mais adequado aos seus próprios interesses cidadãos, etc., estamos falando em mudanças estruturais na cidade.
Medidas estruturais? Atenção!!! Não estamos falando, apenas, de recursos gigantescos, que podem ser ou não utilizados, dependendo de interesses econômicos e políticos mais imediatos. Entramos na seara dos interesses, que regeram o surgimento e o desenvolvimento da cidade, sem os quais não existiria a cidade que nós conhecemos, com todas as suas desigualdades e injustiças sociais, mas outra cidade ou outro tipo de ocupação do espaço.
Isso não quer dizer que, se mexermos nessas características estruturais da cidade, estaremos, forçosamente, mudando também a estrutura social, pois são coisas diferentes, embora mantenham um estreito vínculo. Nos países chamados desenvolvidos existem cidades estruturalmente muito melhor resolvidas, que convivem com injustiças sociais semelhantes às que nos referimos. Entretanto, o esforço para promover mudanças estruturais na maior cidade de um país dependente, cuja elite dominante é simplesmente despótica, equivale ao esforço pela efetivação da reforma agrária.
Alguns podem pensar que há nesse raciocínio um exagero, que as medidas de fundo necessárias se resumiriam, no âmbito da circulação, por exemplo, em melhorias no sistema viário e de transporte coletivo, priorizando as alternativas de subsolo e aéreas, além de tornar obrigatório o uso de catalisadores e filtros de fumaça. Poderíamos responder a isso dizendo tratar-se da ponta de um iceberg, pois, ao executar tais medidas de acordo com os interesses da maioria da população, estar-se-ia mudando os valores imobiliários, as características que determinaram o atual zoneamento da cidade e alterando, sob diversos aspectos, um quadro que define a própria existência dos privilégios caracterizadores da sociedade de classes, em que vivemos.
É claro que, para isso, seria indispensável a participação dos setores organizados da população oprimida. Alias, esta não deveria ser uma tarefa de difícil compreensão para estes setores, já que a poluição e a degradação ambiental atinge a todos e, de forma particularmente aguçada, as crianças, os idosos e as pessoas com a saúde já debilitada. Temos, portanto, tarefas para os sindicatos, entidades dos movimentos populares, instituições da sociedade civil comprometidas com o movimento social, etc.
UTILIZAR AS CONTRADIÇÕES CONTRA UM
SISTEMA PREDADOR E DESUMANO
Porque um grupo de pessoas, como o que compôs a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1987), que certamente tem por base o “bom senso” estabelecido pelas condições da sua época, colocaria como primeiro conceito chave para o desenvolvimento sustentável o das “necessidades essenciais dos pobres do mundo”? Na resposta a esta pergunta, coloca-se como uma das questões centrais, a da péssima distribuição de renda, na qual os diversos países só se diferenciam pelo nível da profundidade do fosso existente entre os mais ricos e os mais pobres.
Alguns, porém, por ingenuidade ou intenções irreveláveis, concluem que são justamente os pobres aqueles que mais danos causam ao meio ambiente (residências “subnormais”, contaminação das águas dos rios e represas, sujeira geradora de artrópodes e roedores, etc.). É exatamente isso o que fazem os países ricos quando tentam, por exemplo, jogar a responsabilidade maior da emissão de poluentes sobre os países chamados de emergentes ou do 3º mundo.
Todas as formas de exclusão social, ainda mais quando atingem a milhões de pessoas, criam inseguranças quanto à capacidade humana para preservar a sua própria espécie. Até mesmo as tendências naturalistas mais radicais começam, no final do século vinte, a admitir que a grande razão do debate sobre a questão ambiental é reverter o papel de maior predador ostentado pelo Homem. Diga-se de passagem, que sem a existência da espécie humana sequer haveria a percepção do meio ambiente.
Por outro lado, a ação do Homem, condicionada pelas estruturas sociais, promoveu ou acelerou desertificações (como a que já se pode observar em áreas dos pampas gaúchos), fez progredir cidades de forma conflituosa com as condições do meio ambiente (grandes conglomerados urbanos, construídos, por exemplo, a partir das regiões das nascentes ou áreas de expansão nas épocas das cheias dos rios), enfim, transformou em um dilema à sua própria permanência no planeta que lhe deu origem e, portanto, deve ser considerado o seu habitat natural.
Na realidade, todo esse tempo, o conceito de planejamento econômico vigente esteve voltado para os interesses das elites sociais (setores financeiramente privilegiados), que por definição são minoritárias, causando graves danos ao meio ambiente, em interação com essas injustiças sociais, – como a poluição de rios e reservatórios de água, a contaminação da atmosfera, a destruição de parcelas da biodiversidade, etc.. Cabe, a quem tiver clareza destes fatos, contribuir para conscientizar, mobilizar e organizar a população interessada na mudança desta realidade e suas tendências.
*(William Jorge Gerab, graduado em Sociologia e
Política, com especialização em gestão ambiental)