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Perfeição, pra quê?

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Rodrigo Contrera

flawless_sDas várias formas de abordar temas-tabu, a comédia é uma das mais comuns. Isso não quer dizer que essa seja a forma mais eficaz de levantar discussões, já que comédia mal conduzida pode acabar tornando o tema alvo de zombaria.

Pelo título, pelo tema e pelo cartaz, os desavisados podem até achar que Flawless (Ninguém é Perfeito, péssimo), dirigido por Joel Schumacher, é um desses filmes que aposta em situações ridículas e no mal-afamado humor americano para tornar o movimento das dragqueens algo palatável ao cidadão comum. A carimbada figura de Robert De Niro pode ser até um argumento a mais em favor dessa tese.

O roteiro é simples, embora cheio de idas e voltas. De Niro faz um ex-policial meio obtuso que fica com um lado do corpo paralisado após sofrer um derrame. Ele vive num pequeno prédio habitado por várias figuras estranhas, dentre elas uma dragqueen que dá aulas de canto e que lidera um movimento de direitos civis. Desesperado, De Niro dá o braço a torcer e pede à dragqueen, que diz precisar de dinheiro, que lhe dê aulas de canto. Aos poucos os dois acabam se conhecendo. Ela quer fazer uma operação de mudança de sexo, coisa que ele acha ridícula, já que para ele a dragqueen é apenas um homem que jamais será mulher de verdade.

Deixando de lado as inevitáveis cenas de ação, permeia todo o filme uma série de cenas que dizem respeito a um concurso de beleza (cujo nome dá origem ao título do filme) e às disputas políticas no interior do movimento gay.

O que surpreende no filme são dois aspectos. Primeiro a lucidez com que é tratado o tema da política, aparentemente irrelevante na trama principal da fita. A dragqueen nega apoiar republicanos ou democratas com um único argumento: “vocês têm vergonha de nós, nós não temos de vocês, republicanos/democratas gays. Agora, já que vocês têm vergonha de nós, não terão o nosso apoio. Não mesmo”. O segundo detalhe não diz respeito tanto ao filme, mas à plateia, composta de gente tão heterogênea que simplesmente é de se duvidar que ela consiga ser reunida de outra forma, que não através do filme. Vi desde casais homossexuais a pequenos executivos e famílias inteiras (ditas “comuns”) assistindo-o. Pelo que sei, isso está muito longe de ser comum, e revela muito da fita.

Não há nada de inovador em Flawless (cuja tradução correta é Perfeição ou Sem Defeitos).

Diria mais, o filme é até careta no momento atual. Como o pessoal GLS diz, é um filme bem mainstream. Mas, pelo jeito, incomoda e atrai, pelo bem ou pelo mal, um determinado público que acaba obrigando a si mesmo a assisti-lo. É verdade que gente reunida em um local fechado para ver uma fita e que não conversa entre si não tem muito de revolucionário. Mas, se ao menos isso não é uma real convivência, pelo menos é uma opção à cômoda guetificação das diferenças em benefício da frivolidade mútua.

Rodrigo Contrera é jornalista

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