Eliana Maria Righi
Criança é morta por leões em circo de Recife. Na sequência da tragédia temos quatro leões assassinados, um leão exonerado e dez pessoas são indiciadas. Estas, mesmo que venham a receber a sentença máxima, poderão cumprir a pena em liberdade, sem qualquer risco de virem a ocupar um dia qualquer tipo de grade, cercado ou jaula.
Barbárie num mundo ignaro. Ignorância num mundo de misérias. Injustiça num mundo sem leis.
Na Universidade Rural de Pernambuco, onde os leões foram necropsiados, comprovou-se que não havia nenhum material sólido no estômago dos animais. Fome. Como poderiam estes leões se defender da morte iminente por inanição? Qual a lei da natureza? Quais os instrumentos que dispunham naquele momento de desespero? O homem também se canibaliza para não morrer de fome. Um dos indiciados que inicialmente informara que os animais não comiam há quatro dias teve sua prisão preventiva decretada pelo delegado, por entender que ele prejudicou as investigações.
Todos as evidências apontam para a questão da segurança precária do local de exibição das feras. Esta parece ser a preocupação maior dos representantes da justiça. E lá estão técnicos medindo os espaços da grade, a resistência do metal, a resistência das cordas que o amarravam, a culpa de quem abriu a ante-jaula antecipadamente, etc.
Mas e a grande questão que é a própria exibição de animais em circos e zoológicos, que não reproduzem seu habitat natural, onde sua dignidade como ser vivo e belo é desrespeitada, sua majestade é desafiada pela servidão? Quem vai advogar pela natureza?
Os homens falam de desenvolvimento, falam de progresso, falam de tecnologia. E seus atos trazem o flagelo, comprovam o atraso, negam qualquer evolução. Preconiza-se a ecologia e os animais são adestrados aos açoites e à base da restrição da ração. Sua reprodução é quase impossibilitada em cativeiro e cada bicho selvagem que admiramos por trás de uma grade ou picadeiro é um ser agonizante.
Onde a lógica da atrocidade de Recife? Qual a culpa da fera? Existir? Estar sendo explorada, maltratada, seviciada por algozes chamados humanos? Quem vai punir este extermínio? Em nenhum momento se questionou a ausência de dardos tranquilizantes, que poderiam ter evitado a morte dos animais.
Lamento obviamente a morte antecipada deste menino anjo, desta pequena vítima da irresponsabilidade, da permissividade, da passividade, do desleixo, da precariedade ética desta sociedade tupiniquim, com seu cosmo torto e quase surreal.
E me consterno pelas bestas, choro pela natureza, entristeço-me pelas gerações futuras que herdarão um planeta deteriorado, aviltado e empobrecido. Pelos futuros meninos anjos que não mais terão o gosto do circo, nem o direito de conhecer leões e panteras, tucanos e onças pintadas, peixes-bois e araras. Não conhecerão a pesca fora de um pesque-pague, nem poderão se admirar com a chegada das garças em seu ninhal ao lado de qualquer estrada, ao entardecer. Não reconhecerão a algazarra de maritacas brejeiras, nem conhecerão aves outras que cinzentos pardais.
Ainda estou de luto. Pranteio feras e bestas inocentes, enquanto anseio pelo adestramento da alma humana.
Eliana Maria Righi é tradutora