Por Maria da Paz Gomes Silvino
Eles chegam um por um. Assustados no início e depois mais confiantes.
Soltam a respiração contida, relaxam e de repente caem nos braços do vigilante. Têm os olhos tristes, baços de lágrimas e as almas cheias de feridas. São como crianças medrosas à cata de segurança.
Ele os acolhe por obrigação, solidariedade e mais por amor. Fala-lhes palavras doces, põe-nos a deitar e principia a lavar-lhes as feridas. Recobre todas com um unguento anestésico, fecha-as com bandagens. Logo se põe a cantar. Cantigas de ninar que lhe ficaram do aprendizado de vigilante.
Ali é pai, mãe, irmão mais velho de todos. Não se descuida do seu posto. De pé, como um soldado em sua guarita, vela-lhes o sono, até que despertem felizes e reconfortados. Finda a tarefa, pega a bolsa, dá partida no carro e vai para nova vigília. Às vezes sente sono e não esconde sinais de abatimento. Que fazem os mais íntimos?
Tratam-no com murros e caneladas, bofetadas e palavras agressivas: “você não está cansado. Você é um hipócrita. Inventa essas pieguices só para preocupar os outros”.
O vigilante um dia foi uma pessoa como as outras. Amou teve sonhos, quis ser feliz. Tem a alma hoje em chagas como os infelizes de quem cuida. Precisa dormir, precisa muito, mas quem vai lhe guardar o sono? Ninguém, nem pais, nem irmãos e nem amigos.
Um dia desses o vigilante cairá. Morto sem haver pedido autorização a ninguém. Muito chorar-se-á por ele. A câmara mortuária ficará repleta de flores. O luto perdurará por muito tempo. Mil missas serão celebradas em sufrágio de sua bondosa alma. Amigos, irmãos e pais o prantearão até o fim dos seus dias. Nunca se darão conta da causa da sua morte. Será muito difícil para eles compreender que o vigilante precisava apenas dormir.
Maria da Paz Gomes Silvino