comunicação Em questão

Comunicação e a tecnologia

salgado1

Paulo de Abreu Lima

Dizem que quando os cientistas provarem a existência de Deus, quando chegarem “lá”, encontrarão muitos teólogos conversando com Ele.

Ocorreu-me esta imagem, conhecida como anedota, pensando a relação comunicação – tecnologia de uma forma semelhante a ciência – religião.

O que é a ciência?– senão pensar como dominar o mundo…da natureza? Sim, dominar as relações nela existentes e o que estas relações e seus produtos resultantes possam contribuir de forma positiva e importante para o bem estar da sociedade. A ciência, porém, tem uma peculiaridade, que é o despojamento emocional; a leitura fria e seca dos dados obtidos a partir das observações. E é importante que ela tenha este rigor visual, sob pena de enviesar o objeto de estudo.

O que é a religião?– senão re-ligar? Re-atar nossos laços originais com nosso Criador. Buscar, através de símbolos e do exemplo de uma conduta (Cristo, Buda, Maomé) as referências éticas necessárias e o caminho do nascimento existencial (de onde vim, o quê significo para mim e para os outros, e todas as outras perguntas que nos afligem – todas as outras perguntas que a ciência não consegue responder).

Olha que interessante! Pelo menos para quem tem fé, a religião parece ser infinitamente possível, ao passo que a ciência seria finita.  Na verdade talvez seus objetivos sejam diferentes. A ciência é caminho, é conhecimento, é trilha para chegarmos ao nosso destino. Esta trilha é aquela nossa busca.

E o que tudo isso tem com a comunicação e a tecnologia. Acho que tem muito. Pois tecnologia é resultado da ciência; resultado do domínio do conhecimento da natureza (desde os tipos de Gutemberg até a internet), possibilitando, no caso da comunicação, agilizar, aperfeiçoar e disponibilizar mais e mais informação (objetiva, justa, coletiva e enriquecedora para a nossa busca).

Se a ciência é caminho (e não destino) devemos entendê-la como ajuda, como recurso e ferramenta para nos guiar e fazer chegar ao nosso destino. E qual é o nosso destino (ideal pelo menos)? Ter um bom salário? (o que é um bom salário?). Ter uma casa própria? Ter um apartamento na praia? Ter um carro novo? Viajar para o exterior nas férias? …….? ……..?…….?…….?……..?

Isso tudo é destino? Não é meio? Não é caminho? Viver as agruras de um cotidiano estressante para garantir o ganha-pão e economizar algo para garantir o carro novo é destino? Será que nós não conseguimos ver um pouco mais para frente?

Acho que a comunicação e a tecnologia têm significados e papéis correlatos à ciência e à religião. Tecnologia é caminho (porque é produto da ciência) e comunicação é destino (porque re-atar é entrar em contato). Acho que é destino sim, pois tornar comum as coisas entre as pessoas (acho que a comunicação não é outra coisa) faz parte do nosso destino; nosso destino de con-viver: de acordar, alimentar, conversar, rir, chorar (pagar contas também; queria pular esta parte, mas não tive como), e “entender “ o quê fazemos aqui e por quê estamos aqui. No fundo – e acho que o mundo tem pensado muito nisto –o quê fazemos e por quê estamos aqui parece ter se tornado uma questão menos importante. Esta questão é intrínseca ao nosso cotidiano mínimo, que é este nosso destino de con-viver.

A ciência e a tecnologia são fantásticas enquanto meios, recursos, ferramentas; é temeroso, no entanto, que elas se tornem fim (apenas comércio – o que na prática já é muito comum – quem não tem um e-mail, hoje, não é cidadão) e não meio; ou seja, que esqueçamos esta nossa busca cotidiana da informação enquanto reflexão, crescimento, troca, partilha, compreensão, agregação em troca de lucro egoísta (quantos milhões de pessoas no mundo ainda são analfabetas, pois não podem partilhar informações através da escrita) – é a questão da partilha – tanta tecnologia para quem? Esse é o nosso grande desafio político: disponibilizar a tecnologia, e, portanto o bem estar, para todos.

É conhecida a obra do fotógrafo Sebastião Salgado – seu trabalho recente conta a história de refugiados (Ruanda, Bósnia, e outras tragédias); “conta a história da humanidade em trânsito…..fugindo da pobreza, da repressão e das guerras”, conforme ele relata a respeito de seu último livro, Êxodos. Acho muito legal registrar e destacar este trabalho (ricamente comunicativo, através da arte fotográfica) pois ele denuncia o desafio que temos pela frente, pois como diz Salgado, “muitas destas pessoas não conseguirão chegar a lugar nenhum“.

É isso: tecnologia é meio; comunicação é fim. Viva a tecnologia!! E que os 160 milhões de dólares gastos no Programa de Busca de Inteligência Extraterrestre, do governo norte-americano (segundo Peter Ward, da Universidade de Washington) sejam convertidos e re-investidos em tecnologia de comunicação intraterrestre.  Esta é a nossa busca. É um grande desafio.

Paulo de Abreu Lima é psicólogo

 

Deixe um comentário