Paulo de Abreu Lima
Pensar nesta pergunta parece, hoje, não ter importância. Será que é importante mesmo? Talvez porque pensar para onde vamos? seria pensar na evolução da nossa conduta ética e/ou espiritual. O quê nosso universo ético e espiritual pode ter haver com nosso universo mundano que, atualmente, é essencialmente consumista, econômico? Aliás, sempre foi, e não vai deixar de ser. A questão mais importante, parece ser mesmo: por que as sociedades materialistas (capitalistas, consumistas ao extremo, etc.) construíram um universo ético tão nocivo, tão áspero, onde as relações são caracteristicamente temerosas e ameaçadoras??
Para onde vamos, se a ciência e a tecnologia parecem estar praticamente sempre a serviço do comércio? Para onde vamos se, apesar de tanto avanço científico e tecnológico, cerca de 70% da população mundial não tem acesso a uma condição mínima de bem estar social (esgoto e água potável…)?
Não se trata, é claro, de se pensar numa sociedade não-econômica; isso parece impossível. Mesmo sociedades teocráticas como Nepal, Tibet,Índia, etc, estão inseridas na globalização atual, de alguma forma envolvidas em relações econômicas necessárias. A questão é que tais relações estão tornando as pessoas meramente “homo-consumus” , cada vez mais banalizadas. Somos bombardeados insistentemente pelo marketing (nem sempre inteligente e interessante) suplicando para comprarmos isso ou aquilo, esta ou aquela marca – é claro que é interessante passearmos diante das gôndolas de supermercados e deliciarmo-nos com o sortimento deprodutos mil.
No fim de um século conturbado (com experiências políticas e sociais dramáticas – totalitarismos diversos – esquerda, direita, centro, acima, abaixo), conseguimos, ainda, comemorar um status mundial de saldo positivo – em 1900, de 125 países, cerca de 100 tinham regimes fechados; hoje, de algo de 192, apenas 25 têm regimes considerados pouco democráticos.
A resposta para nossa preocupação pode estar na afirmativa –governar democraticamente não é nada fácil. Li em algum lugar que China, Rússia e Alemanha tinham povos com baixa autoestima, então o que viesse era bem vindo; deu no que deu…
Mas novamente: para onde vamos, com nossas relações cotidianas (familiares, profissionais, de vizinhança, etc.) tão mesquinhas, assustadas, medrosas? Será possível que desde que o mundo é mundo sempre foi assim? O pior é que parece que sim. A grande esperança ainda está dentro de nós mesmos. Pois temos (nosso desafio é descobri-lo e aflorá-lo) um cuidado interior de acolhimento, de atenção, de amor. Um cuidado muito especial, experimentado e, o mais importante, muito praticado, por algumas pessoas especiais (não eram deuses, nem santos, nem ET’s; eram especiais, mas simples e comuns como todos nós); Ghandi, Madre Tereza, Mandela, Dalai Lama; e muitos outros; esses parecem ser os ícones de quem sabe amar; acolher, cuidar (muito legal uma campanha recente da Unesco, sobre a paz, lembrando estas personalidades, inclusive Gorbatchev, Rabin e Arafat).
Uma vez perguntaram-me: como você agiria na adversidade? Respondi: com firmeza e atenção. Não sei se convenci, mas tenho certeza que, assim agiam aqueles que citei. A expressão comer pelas beiradas não é gratuita mesmo. Parece ser a única maneira de iniciarmos uma mudança. É certo que estas personalidade, e muitas outras, que se dedicam à mudança, tiveram e têm, muitas vezes, uma dedicação integral e exclusiva (talvez neste caso o trabalho seja muito mais desafiador, e muito mais envolvente, por isso mesmo). Para nós, mortais e desconhecidos (“peões” de escritório, talvez seja até mais simples, porque a mudança começaria na borda, na beiradinha: em um Bom Dia!, em um Como vai?, um Posso ajudá-lo?, Um abraço, um sorriso, enfim, uma atitude qualquer que expresse humanidade, algo muito simples e o mais possível desprovido de apelo de consumo e de troca (te dou um abraço se você me der…) e de ambição também. Pois a noção de crescimento, atualmente (neste universo maniqueísta de consumo) é essencialmente baseado em sucesso; um sucesso muito egoísta, muito pessoal (dane-se o meu vizinho!!, quero saber de mim mesmo…) O que mais vemos por aí são brados do tipo: seja feliz, custe o que custar!; vença!!; batalhe!; conquiste teu espaço!…só para você; os outros…cada um que se vire… Isto é uma ambição egoísta. Acho que é por isto que nossa ética (especialmente ocidental) deu no que deu.
A mudança e transformação da nossa ética personalista e egoísta para uma convivência pacífica e saudável – e não excludente, porque esta ética personalista exclui aqueles que não têm cacife, seja econômico ou ideológico, para participar da mesma – parece ter apenas duas direções (complementares): a via política (lembremo-nos em quem votamos, pois estão nas mãos destas pessoas as mudanças econômicas, e portanto éticas, morais, etc.) e a via do cotidiano mínimo; do bom dia!, do abraço (embora, às vezes, até dizer “olá” e “tchau” pode ser difícil) quanto mais abraçar; mas comecemos pelo menos em casa… Nossos filhos ficarão imensamente agradecidos.
hoje a noite não tem luar
mas assim mesmo eu vou sonhar
sonho feito do brilho teu
brilho imenso do teu olhar
o meu filho já vai nanar
no colo do papai
Acho que o cotidiano mínimo é um pouco de poesia e canção de ninar; é gastarmos um pouco de tempo para ninar nossos filhos. E se conseguirmos ninar nossos filhos, acho que ninaremos qualquer pessoa que precise…
Paulo de Abreu Lima é psicólogo